Tratamento Cirúrgico Radical Do Dermatofibrossarcoma Protuberante
José Carlos Ribeiro Resende Alves
Doutor em Cirurgia pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Membro da Clínica de Cirurgia Plástica do Hospital Felício Rocho
RESUMO
O dermatofibrossarcoma protuberante é um tumor cutâneo raro, infiltrativo, de malignidade intermediária. Tem baixa capacidade de produzir metástases e alta propensão à recorrência, após tratamento cirúrgico. Anormalidades genéticas ligadas aos cromossomos 17 e 22 são encontradas em mais de 90% dos casos. O tratamento cirúrgico clássico é a ressecção alargada, com margens variadas. Nos últimos 15 anos surgiram numerosos relatos de tratamento do tumor pela cirurgia micrográfica de Mohs.
O objetivo deste estudo retrospectivo é averiguar se a excisão alargada é um método confiável de tratamento do dermatofibrossarcoma protuberante.
De agosto de 1968 a outubro de 2009, foram operadas 27 lesões em 26 pacientes portadores de dermatofibrossarcoma protuberans. Oito das 27 lesões eram recidivadas: cinco após tratamento cirúrgico, duas após cirurgia e radioterapia e uma após cirurgia e quimioterapia. Três casos foram diagnosticados erroneamente como quelóides e as lesões haviam sido infiltradas com triancinolona. Todos os pacientes se submeteram à excisão alargada do tumor, com margens laterais de três centímetros e remoção da estrutura anatômica não comprometida sob a lesão, como fáscia, músculo e lâmina externa de osso do crânio. Um paciente se submeteu a amputação transmetacarpal do indicador. Três pacientes com tumor da região frontal foram submetidos à reconstrução com retalhos cutâneos expandidos.
Todos os pacientes, exceto um, se mantiveram livres de tumor, em proservação média de 115,57 meses. Um paciente, previamente diagnosticado como portador de quelóide e submetido alhures a infiltrações da lesão com triancinolona, apresentou recidiva sete anos após a ressecção alargada, seguida de radioterapia. O paciente faleceu após craniectomia alargada para tratamento da infiltração pelo tumor. A taxa de recorrência foi de 3,7%.
A conclusão é que a ressecção com margens laterais de três centímetros, removendo-se a estrutura anatômica não comprometida sob a lesão, é um método confiável para tratamento do dermatofibrossarcoma protuberante.
O único paciente no qual o método falhou foi submetido a infiltrações do tumor com triancinolona, durante 18 anos. Embora se saiba que os corticosteróides modifiquem a permeabilidade dos tecidos e induzam imunossupressão, seus efeitos nocivos, no dermatofibrossarcoma protuberante, são desconhecidos.
ABSTRACT
Dermatofibrosarcoma protuberans is a rare, infiltrative skin tumor of intermediate malignancy. The tumor has a low potential for metastasis but a high rate of recurrence after surgical treatment. Genetic abnormalities related with 17 and 22 chromosomes are found in more than 90% of the cases. The classic surgical treatment of the tumor is wide excision, with variable margins. In the last 15 years several papers related the results of Mohs micrographic surgery in the treatment of the tumor.
The objective of this retrospective study is to verify if wide excision is a reliable method of treatment for dermatofibrosarcoma protuberans
From August,1968 to October,2009, 27 lesions were operated on in 26 patients presenting dermatofibrosarcoma protuberans. Eight of the 27 lesions were recurrent, five of them after surgery, two after surgery and radiotherapy and one after surgery and chemotherapy. Three patients in which the lesions were misdiagnosed as keloids were submitted to intralesional infiltrations of triamcinolone. Three centimeter lateral margins were used in all cases, removing a healthy structure beneath the tumor, such as fascia, muscle or outer plate of cranial bone. One patient underwent transmetacarpal amputation of the index finger. In three patients having frontal tumors the defects were treated by expanded tissue flaps.
All patients but one remained free of tumor in mean 115,57 month follow-up. One patient, previously misdiagnosed as having keloid, treated elsewhere, for 18 years, with intralesional infiltrations of triamcinolone, had a recurrence seven years after the wide excision followed by radiotherapy. This patient died after enlarged craniectomy motivated by tumor infiltration. The recurrence rate was 3,7%.
The conclusion is that 3 cm wide excision removing a healthy anatomical structure beneath the tumor is a reliable method of treatment of dermatofibrosarcoma protuberans. The only patient in which the method has failed was previously submitted to intralesional infiltrations of triamcinolone, for 18 years. Although corticosteroids are known by modifying tissue permeability and inducing immunosupression, their harmful effects in dermatofibrosarcoma is unknown.
INTRODUÇÃO:
Aspectos históricos
O dermatofibrossarcoma protuberante (DFSP) é um tumor cutâneo raro, que dificilmente dá metástases, é localmente agressivo e tem crescimento lento. A entidade foi descrita por Taylor (1890)148. Num artigo clássico, em 1924, Darier e Ferrand36 relataram quatro casos, chamando os tumores de “dermatofibromes progressifs et récidivants ou fibrossarcomes de la peau”. Tendo em vista ressecções econômicas que se faziam, notaram que o tumor se tornava progressivo e recidivante. A neoplasia passou a ser conhecida como “tumor de Darier e Ferrand”. Em 1925, Hoffmann31 denominou o tumor de “dermatofibrosarcoma protuberans”, salientando a protuberância que a lesão apresenta, após a fase inicial em forma de placa. No Brasil, o primeiro caso foi publicado por Fraga, em 192531. Costa(1946)31 publicou um segundo caso , que foi objeto de sua tese de Docência Livre na Faculdade de Medicina da UFMG. Segundo Costa, o paciente, com tumor recidivado no couro cabeludo da região frontal, se internou no Instituto do Radium (diretor – Professor Borges da Costa), em Belo Horizonte, sob os cuidados do Dr. Alysson de Abreu. O paciente se recusou a receber tratamento cirúrgico. Nos retornos subseqüentes, Costa descreveu a evolução do tumor no paciente31.
Aspectos clínicos
Tipicamente, o tumor aparece na terceira e quarta décadas, com discreta predominância no gênero masculino91. Dolorimento pode estar presente em 25% dos casos147. A forma congênita é rara23,159, assim como o aparecimento na infância17,70,85,102,106,113,141.
O diagnóstico clínico das formas precoces é difícil e a lesão pode se confundir com má-formação vascular cutânea91.
A evolução da neoplasia é lenta, podendo levar vários anos para alertar o paciente a procurar tratamento26,92. Nos casos típicos, uma placa inicial origina um ou mais nódulos, que conferem à lesão o aspecto protuberante. A fase de placa pode durar vários anos. É seguida pelo aparecimento de nódulos de cor avermelhada ou castanha91,127. Frequentemente, o tumor se assemelha a um quelóide82,127,131. A forma polipóide é excepcional115. A neoplasia pode apresentar forma atrófica, cuja lesão é semelhante à da esclerodermia circunscrita37,51,87,128,161,162,166. O tronco é a região mais afetada, seguido das regiões proximais dos membros e da cabeça e pescoço 46,64,91,92,127. Nos membros, a coxa é a localização mais frequente. Na Tanzânia, os membros inferiores e não o tronco, são a área de acometimento mais comum89. O acometimento de mãos e pés é muito raro 96,113,134,165. Há casos descritos de DFSP da vulva2,69,79,137. O aparecimento da lesão em mais de uma região cutânea é excepcional44,47,127. História de traumatismo prévio pode estar presente46. Há relatos de aparecimento do DFSP em área de vacinação antivariólica45,60, acesso venoso infraclavicular21, fístula arteriovenosa em transplantado111 , cicatriz de queimadura146 e área submetida à radioterapia para tratamento de carcinoma de células escamosas da laringe4. Há caso descrito de DFSP relacionado à exposição ao arsênico129. A associação com síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) pode ou não ser coincidência123, bem como casos descritos em pacientes submetidos à imunosupressão em transplante renal 77,111. Há relato de caso de desenvolvimento rápido durante a gravidez109. Metástases são raras; ocorrem principalmente em casos de múltiplas recidivas, com a transformação do DFSP em fibrossarcoma. O fibrossarcoma oriundo do DFSP pode dar metástases em cerca de 20% dos casos91. Embora sejam raras, há vários relatos de metástases de DFSP, especialmente para fígado, pulmões, pâncreas e ossos6,48,95,110,134,137. Metástases isoladas para pulmão, fígado, e encéfalo podem ser tratadas cirurgicamete 46,132. Metástases para linfonodos são raras 78,92.
Casos de tumores de outras linhagens ocorrendo no mesmo indivíduo podem ser atribuídos ao acaso ou podem ter correlações genéticas4,12,92. A forma familiar é excepcional54.
Aspectos patogenéticos
Mais de 90% dos casos estão relacionados à translocação cromossômica envolvendo os genes COL1A1 no cromossomo 17 e PDGFB no cromossomo 22. Trata-se de uma translocação recíproca t(17;22)(q22;q13) e um cromossomo em anel, supranumerário r(17;22), derivado da translocação. A conseqüência desses fenômenos é a fusão de dois genes; um gene do tipo colágeno 1 alfa 1 (COL1A1) e um gene do tipo fator de crescimento derivado de plaqueta de cadeia B (PDGFB) 73,91,94,133,156. Essas anomalias citogenéticas aparecem em variantes do DFSP como no tumor de Bednář (pigmentado), e no DFSP com células granulares. Também aparecem no fibroblastoma de células gigantes indicando que ambos tumores podem fazer parte do mesma linhagem91. O PDGFB parece agir como um fator mitogênico por estimulação autócrina de receptor PDGF. O mesilato de imatinib é antagonista da tirosinoquinase, receptora de PDGF. Tem sido usado no tratamento do tumor62,76,90,91,133. Outras anomalias genéticas foram descritas em casos de DFSP120,124,138,145.
Aspectos anatomopatológicos
O tumor se localiza na derme e invade a tela subcutânea através de feixes de células que se ramificam paralelamente à epiderme46, 64,91,127. Foi descrita uma forma subcutânea, sem conexão com a derme41. A pele sobre o tumor sofre alterações tróficas e pode se ulcerar 92. A hiperplasia epitelial é rara e quando ocorre é inversamente proporcional à distância do tumor à epiderme24. A lesão apresenta população densa e uniforme de fibroblastos, arranjados de forma espiralada ou radial (aspecto de cata-vento ou redemoinho), em torno de pequenos vasos46,64,91,127. Essa característica confere à lesão o aspecto de esteira de junco. O termo em inglês “storiform”, frequentemente empregado na descrição do DFSP, deriva do latim “storea” que significa esteira de junco11,127.
No tecido adiposo a lesão assume imagem reticulada, pela penetração das células neoplásicas entre os lóbulos de gordura, havendo o aspecto de favo de mel64. Há baixo índice mitótico e pouco pleomorfismo nuclear64,91. A vascularização do tumor é pobre127. O pleomorfismo nuclear não é importante, exceto em casos com áreas de fibroblastoma de células gigantes 91. Variações histológicas focais podem ocorrer: esclerose42, arranjos em paliçada e formação de estruturas semelhantes a corpos de Verocay (que conferem à lesão aspecto “shwanóide”) 81,91 e aparecimento de células granulares8,91. Essa variabilidade histológica pode estar presente em focos do mesmo tumor130.
No diagnóstico diferencial há que se considerar o neurofibroma75, o fibrossarcoma, os fibroistiocitomas benigno e maligno, o fibroblastoma de células gigantes, o histiocitoma fibroso multinodular, o dermatomiofibroma e o perineurioma46,64,91,127,131. O DFSP pode apresentar áreas mixomatosas, que requerem diferenciação do fibrossarcoma mixóide14,64,91127. O principal marcador imunoistoquímico do DFSP é o CD34. As células do tumor são difusamente positivas para CD34 e negativas para outros marcadores como fator XIIIa, proteína S100, desmina e actina35,43,46,58,91. Neurofibroma com expressão de proteína S-100 e CD34 pode ter diagnóstico diferencial difícil75. Muitos marcadores imunoistoquímicos foram estudados para diagnóstico diferencial do DFSP. A estromelisina 3 (membro da família das metaloproteinases) foi proposta como marcador presente no dermatofibroma e ausente no DFSP 35,68. Outras metaloproteinases de matriz podem servir para o mesmo diagnostico diferencial158. A tenascina (glicoproteina de matriz extracelular) é expressa no dermatofibroma e negativa no DFSP 50,68. A apoliproteína D (Apo D) é fortemente expressada no DFSP e lesões neurais, sendo negativa no dermatofibroma160. As catepsinas também já foram consideradas no diagnóstico diferencial entre dermatofibroma e DFSP, mas sua utilização não entrou na prática médica usual149. O antígeno de membrana epitelial (EMA) pode estar positivo no DFSP, sugerindo linha de diferenciação perineural164. Tumores recorrentes, com diferenciação mixóide e fibrossarcomatosa podem perder a expressão de CD34125.
Embora controversa, a histogênese do DFSP tem sido cada vez mais aceita como a de um tumor fibroblástico43,46,91.
Variantes do DFSP
Dermatofibrossarcoma fibrossarcomatoso
Apresenta padrão fascicular focal ou em “herring bone”91, termo inglês que significa espinha de arenque, traduzido, na literatura brasileira, por “espinha de peixe”. A transformação fibrossarcomatosa pode ocorrer “de novo” ou em recidivas do DFSP típico. Nas áreas de fibrossarcoma há perda focal da expressão de CD34, o índice mitótico é mais elevado e há maior número de atipias nucleares. A possibilidade de metástases aumenta30,40,65,93,95,125,144. As mesmas transformações fibrossarcomatosas podem ocorrer na variante pigmentada do DFSP (tumor de Bednář). A transformação do DFSP típico em sua variante fibrossarcomatosa parece estar relacionada a mutações do gene p55 e à instabilidade de microssatélites145. Microssatélites são pequenas sequências de bases repetidas no DNA. Instabilidade de microssatélites é qualquer mudança no tamanho da sequência de bases, quer por inserções ou deleções145. Em raros casos há, num DFSP típico, áreas de sarcoma de alto grau que podem se assemelhar a mixofibrossarcoma ou histiocitoma pleomórfico fibroso maligno91.
Dermatofibrossarcoma pigmentado
A variante pigmentada do DFSP, descrita por Bednář (1957) 11 com o nome de “pigmented storiform neurofibroma of the skin”, apresenta melanócitos com dendritos que depositam melanina na intimidade da neoplasia. A presença de melanócitos no tumor de Bednář pode apontar na direção de uma diferenciação neuroectodérmica. Os melanócitos expressam proteína S10091. Ocorre nas mesmas áreas do DFSP típico, inclusive em extremidades, e também tem como principal marcador imunoistoquímico o CD34 1,11,45,74,85,91,97,99,165.
Dermatofibrossarcoma mixóide
Nesses casos, focos de DFSP típico podem ser identificados no tumor que apresenta extensas áreas de degeneração mixóide. A variante é rara14,46,91,105,125.
Dermatofibrossarcoma com nódulos mióides
A variante tem sido relatada por vários autores22,100,122,157,167. Apresenta feixes de células fusiformes eosinofílicas positivas para SMA (antígeno de músculo liso), indicando diferenciação miofibroblástica22,122. Esse aspecto poderia indicar que os nódulos são vestígios de musculatura lisa, de vasos destruídos pelo tumor122. Entretanto, as células mióides são positivas para actina e negativas para desmina, sugerindo diferenciação miofibroblástica e não origem em musculatura lisa91. Pequenas biópsias do tumor podem representar apenas áreas mióides, levando ao diagnóstico equivocado de lesão miofibroblástica como o miofibroma do adulto91.
Dermatofibrossarcoma com áreas de fibroblastoma de células gigantes
A variante foi estudada por vários autores39,63,84,91. Nesses casos há polimorfismo citológico acentuado. Alguns casos de DFSP apresentam áreas focais de células gigantes não-pleomórficas91.
Tratamento
Tendo em vista a característica progressiva e recidivante do tumor, descrita por Darier e Ferrand36, durante décadas o tratamento preconizado foi de exérese alargada, com amplas margens laterais de tecido sadio, incluindo-se, em profundidade, uma estrutura anatômica não infiltrada como fáscia, músculo ou lâmina externa de osso. Nos últimos quinze anos, a cirurgia micrográfica de Mohs tem sido cada vez mais empregada. Teria a vantagem de remover tecidos sadios de maneira mais econômica, permitir reconstrução com melhores resultados estéticos e diminuir o número de recidivas. A cirurgia micrográfica de Mohs consiste na ressecção parcelada de fragmentos da lesão, cuidadosamente identificados, e estudo das margens cirúrgicas por cortes de congelação, até que elas se mostrem livres de tumor. Nos seus primórdios, o tratamento era realizado em múltiplas sessões cirúrgicas. Com a melhoria dos métodos de congelação e corte, a operação passou a ser realizada em um só tempo cirúrgico, com controle transoperatório de margens. Há estudos sobre tratamento por quimioterapia, mostrando que o tumor, tanto no sítio primário quanto em casos de metástases, responde bem ao mesilato de imatinib (Glivec®)62,76,90,133.
Como se viu na patogênese, o PDGFB parece agir como mitogênico em células de DFSP, através de estimulação autócrina de receptores PGDF. O mesilato de imatinib age como inibidor da tirosinoquinase, antagonista dos receptores PGDF91. A radioterapia para tratamento das lesões primárias mostra resultados pobres. Pode ser usada como complemento do tratamento cirúrgico, especialmente na variante fibrossarcomatosa7,10,142.
OBJETIVO
O objetivo do presente trabalho é averiguar se a ressecção com margens amplas é um método confiável de tratamento do DFSP.
CASUÍSTICA E MÉTODO
Embora retrospectivo, o presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Felício Rocho, não sendo observados quaisquer conflitos de interesses. Os dez primeiros casos da presente série já foram objeto de publicação (Silva Filho e colaboradores 1997)131. A eles foi acrescentado o seguimento pós-operatório e as observações tardias. De agosto de 1968 a outubro de 2009 foram tratados 27 tumores em 26 casos de DFSP. Dezesseis pacientes eram do gênero masculino e dez do feminino. A idade variou de 9 a 72 anos, com média de 40,69 anos. Em oito dos 26 casos (números 3,5,7,11,13,16,20,23), as lesões eram recidivadas, após tratamento cirúrgico. Em dois casos as lesões haviam sido submetidas à radioterapia: duas séries no caso número 5 e uma série no caso número 7. Um caso (número 20) havia se submetido à uma série de quimioterapia. Três casos (números 12,16 e 23) haviam se submetido a infiltração intralesional do corticosteróide triancinolona. Todos os 26 casos foram operados através de cirurgia radical, com remoção de margens laterais de tecido sadio de três centímetros e margens profundas incluindo uma estrutura anatômica não invadida, como fáscia, músculo ou lâmina externa de osso do crânio. Em um caso foi feita amputação transmetacarpal de dedo. Em quatro casos de tumores na região frontal, a lâmina externa do osso foi removida (casos 1,7,13 e 22).
Em todos os casos, os métodos de reconstrução utilizados foram enxertos e retalhos cutâneos. Em três casos de DFSP de região frontal (números 7,13 e 22), foram usados retalhos submetidos à expansão através de expansores de tecidos. O caso 12 foi submetido à radioterapia pós-operatória, tendo em vista a complexidade da ressecção que envolveu pele, musculatura, osso zigomático, margem orbitária, osso nasal e toda a espessura do lado nasal direito. O caso 19 foi submetido à radioterapia, desnecessária na opinião do autor, por indicação de oncologista. Os casos foram acompanhados através de exame clínico, de quatro em quatro meses no primeiro e segundo anos e de seis em seis meses até o quinto ano. Os pacientes foram aconselhados a se submeter a acompanhamento anual, indefinidamente. Pacientes que deixaram de retornar nas revisões anuais, foram acompanhados através de correspondências postal ou eletrônica, bem como por meio de telefonemas.
RESULTADOS
Todos os casos foram seguidos por prazos variáveis, de um a 491 meses, com média de 115,57 meses. Não houve metástases durante o seguimento. Um paciente com extensa lesão de face, tratado inadequadamente por dezoito anos, com infiltrações locais de corticosteróides, teve recidiva sete anos após o tratamento cirúrgico radical, seguido de radioterapia. Reoperado, apresentou nova recidiva que levou a craniectomia e maxilectomia radicais, seguidas de óbito no pós-operatório mediato. Todos os demais 25 casos acompanhados se apresentaram livres do DFSP. O paciente de número 5, com tumor recidivado na região escapular, foi seguido por 81 meses, livre do DFSP, vindo a falecer em idade avançada de complicações de leucemia linfóide crônica. O paciente de número 6, com DFSP de mão, curou-se com o tratamento cirúrgico, falecendo 127 meses após a amputação transmetacarpal de indicador, no pós-operatório imediato de cistectomia total por carcinoma de bexiga. O paciente de número 7, com tumor recidivado de região frontal, se encontra vivo, livre do DFSP há 17 anos, em tratamento quimioterápico pós-operatório de nefrocarcinoma.
DISCUSSÃO
Importância
Embora raro e de evolução lenta, mas podendo acometer áreas esteticamente nobres como a face e extremidades, é necessário estabelecer o método ideal de tratamento do DFSP, que é aquele que leva ao menor número de recidivas. Essas agravam ainda mais as deformidades. Numerosos autores brasileiros publicaram trabalhos sobre DFSP, mostrando a importância da neoplasia em nosso meio3,15,16,20,25,28,31,32,33,48,49,55,57,59,67,82,99,104,121,131,132.
Ressecção com margens amplas (RMA)
O tratamento clássico da lesão é a ressecção radical com margens laterais amplas, removendo-se em profundidade uma estrutura anatômica não comprometida, tal como fáscia, músculo ou lâmina externa de osso do crânio. A recomendação de margens de ressecção, em lateralidade, apresentou considerável variação (de um a cinco centímetros) e foi classicamente estabelecida em três centímetros. McPeak e colaboradores (1967)92 analisaram 86 casos submetidos à cirurgia alargada, no Memorial Hospital de New York. Desses, apenas 17 eram casos não tratados previamente. Dos 86 casos, um faleceu de enfarte do miocárdio, um de metástases de carcinoma embrionário de testículo e dois não fizeram proservação. O tratamento empregado foi ressecção com margens laterais mínimas de 3 cm e exérese de estrutura anatômica profunda não acometida. Em 19 pacientes, foi necessária ressecção da musculatura profunda. Nove pacientes submeteram-se a esvaziamento inguinal ou axilar, tendo em vista invasão das respectivas regiões, embora não tenham sido encontradas metástases em linfonodos. O seguimento mínimo foi de três anos. Oito dos 82 pacientes apresentaram recidivas, uma delas com sete e outra com 14 anos de pós-operatório. Cinco pacientes faleceram de metástases e dois de invasão direta do encéfalo, em casos de tumor do couro cabeludo. Roses e colaboradores (1986) 118 relataram o resultado de tratamento de 50 casos de DFSP, 48 dos quais foram submetidos à proservação. Dezoito pacientes apresentaram recidivas.
Os autores usaram margens de ressecção < 1cm; ≥ 1cm; ≥ 2cm; ≥ 3cm com progressiva diminuição das recidivas com o aumento de margens (20% com margens ≥ 3cm). Smola e colaboradores (1991)135 relataram série de 20 pacientes submetidos à excisões marginais, alargadas e radicais. Houve 6 recidivas nos casos de excisão marginal. Os autores concluíram que o tratamento primário deve implicar excisão radical. Rutgers e colaboradores (1992) 119 relataram 19 casos de DFSP submetidos à ressecção, 8 dos quais apresentaram recidivas. Após operações ou reoperações com margens maiores que 2 cm, todos os casos se mantiveram livres de doença em proservação média de 13,2 anos. Mark e colaboradores (1993)86 publicaram sua experiência de 16 casos de DFSP de cabeça e pescoço. Um paciente foi julgado sem condições cirúrgicas e recebeu radioterapia como tratamento primário, falecendo, livre da doença, três anos após. Quinze pacientes submeteram-se a tratamento cirúrgico, com margens de ressecção variáveis, com nove recorrências que levaram à reoperação. Na proservação de cinco anos, 15 dos 16 pacientes estavam livres de doença. Brabant e colaboradores (1993)19 descreveram o resultado do tratamento de 15 pacientes, oito dos quais com recidivas após operações econômicas, com DFSP do tórax e cintura escapular, no qual o tratamento consistiu em excisão com margens laterais de 5 cm e margem profunda incluindo periósteo da clavícula (12 casos) e musculatura profunda (8 casos). As reconstruções foram feitas por retalhos musculares e miocutâneos de músculo latíssimo do dorso. Um paciente não se submeteu ao seguimento e 14 permaneceram livres de doença, com proservação média de 37,6 meses. No Brasil, Silva Filho e colaboradores (1997)131 apresentaram 10 casos consecutivos tratados por excisão com margens laterais de 3 cm e ressecção profunda de estrutura anatômica não atingida pelo tumor, sem recidivas em proservação média de 101 meses. Arnaud e colaboradores (1997)5 analisaram o resultado do tratamento de 107 pacientes submetidos a um protocolo de exérese de DFSP, com margens laterais de 5 cm e ressecção profunda de estrutura anatômica não comprometida. Nos 66 casos de pacientes não previamente tratados, não houve recorrências num tempo médio de proservação de 61 meses. Nos 41 pacientes previamente tratados, houve dois que apresentaram recidiva dentro de um ano, sendo que ambos vieram a falecer de metástases da forma fibrossarcomatosa. Lindner e colaboradores (1999)80 publicaram resultado de 35 pacientes tratados por cirurgia, sendo que apenas um caso era virgem de tratamento. Um paciente não se submeteu à proservação. O estudo das peças cirúrgicas obtidas revelou ressecção alargada em 28 casos, marginal em 6 e intralesional em um. Todos os pacientes operados com margens alargadas permaneceram livres de doença, em proservação média de 58 meses. Houve três recidivas nos sete casos com margens cirúrgicas inadequadas. Bowne e colaboradores (2000)18 estudaram 159 pacientes com DFSP tratados no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center de New York, de julho de 1950 a julho de 1998, incluindo num grupo os casos da forma clássica (n=134) e noutro grupo os da variante fibrossarcomatosa (n= 25). O tempo de sobrevida livre de doença foi, respectivamente, de 81% e 28%. Fatores que pioraram o prognóstico foram índice mitótico alto, idade > 50 anos, a variante fibrossarcomatosa e margens exíguas ou positivas de ressecção. Dos 34 pacientes que apresentaram recorrência, dois faleceram de metástases. Stojadinovic e colaboradores (2000)139 apresentaram dados de 33 pacientes com DFSP de cabeça e pescoço tratados no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center. Em proservação de 82 meses, 3 pacientes tiveram recorrência local, nos quais a margem de ressecção foi inferior a 2 cm. Concluíram que os tumores profundos apresentam possibilidade maior de apresentarem margens de ressecção comprometidas que os superficiais. Os autores concluíram que as margens alargadas são o tratamento preferencial do DFSP de cabeça e pescoço e que cortes de congelação não examinam as margens de ressecção de maneira acurada. Vanderweyer e colaboradores (2002) 153 apresentaram série de 18 casos tratados com margens de ressecção variáveis, mas com margens histológicas livres em todos os casos.
Em proservação média de 52,1 meses, tiveram um caso de recidiva, em tumor de mais de 14 cm de diâmetro, da variante fibrossarcomatosa. Os autores enfatizaram a necessidade de margem livre histológica e não valorizaram a regra de 3 cm de margens cirúrgicas. Khatri e colaboradores (2003)72 publicaram resultado do tratamento de 24 pacientes, 13 com tumores recorrentes. Vinte e três pacientes foram tratados exclusivamente por cirurgia e um submeteu-se à radioterapia complementar, em forma fibrossarcomatosa. Cinco casos apresentavam envolvimento ósseo, quatro dos quais no grupo de tumores recorrentes. Todos os 24 casos apresentaram-se livres de doença, em proservação média de 54 meses. Behbahani e colaboradores (2005)13 apresentaram resultado da ressecção cirúrgica com margens laterais de 3 cm e ressecção de estrutura profunda não acometida, em 34 pacientes, 4 dos quais com recidivas. Não houve recorrências na série de 34 casos, acompanhados durante 60 meses, em média.
Popov e colaboradores (2007)112 apresentaram resultado do tratamento de 40 casos, 27 dos quais sem tratamento prévio e 13 apresentando recidivas. As margens cirúrgicas alargadas foram estudadas com detalhe, macroscópica e histologicamente. Margens livres foram obtidas em um tempo cirúrgico em 34 pacientes; cinco pacientes necessitaram dois tempos e um paciente três tempos. Num seguimento médio de 40 meses, não houve recidivas. Em média, a margem necessária para extirpar a lesão foi de 1,6 cm. Thiele e colaboradores (2009) 150 apresentaram série de 7 pacientes com DFSP recidivado de cabeça e pescoço, com ressecções de margens de 1 cm. Dois pacientes apresentaram recidivas e foram reoperados com as mesmas margens, ficando livres de doença.
Cirurgia micrográfica de Mohs (CMM)
A técnica de quimiocirurgia de Mohs foi estabelecida em 1932116. Consiste na excisão seriada da lesão, em segmentos cuidadosamente identificados, em estágios cirúrgicos múltiplos. Após aplicação de ácido dicloroacético na lesão cutânea, aplica-se pasta de cloreto de zinco e curativo.
O cloreto de zinco age como fixador, numa espessura de tecido que depende da quantidade de pasta aplicada. Cerca de 24 horas após, faz-se a remoção cirúrgica do tecido fixado, que é cuidadosamente identificado para exame microscópico, fazendo-se o mapeamento dos tecidos removidos. Novas aplicações da pasta fixadora são feitas, seguidas de novos exames microscópicos, até que as margens estudadas estejam livres de lesão. O procedimento, na sua versão original, é muito doloroso. Nesses casos, originalmente, os tecidos cicatrizavam por segunda intenção e, posteriormente, o paciente se submetia à cirurgia reparadora116. Desde os tempos do método de Mohs por quimiocirurgia117, já se pratica a cirurgia micrográfica para tratameto do DFSP. Mohs (1948)98 adaptou sua técnica para operação de tecidos frescos, não fixados, na região periorbital, com o intuito de preservar o olho de lesão pelo fixador. Tromovitch e Stegeman (1974)152 levaram a técnica de Mohs de tecidos frescos para diversas regiões do corpo. O uso de cloreto de zinco como fixador foi sendo abandonado116. Com a melhoria dos métodos de corte e congelação, a técnica de Mohs para tecidos frescos foi sendo cada vez mais utilizada. Nos últimos quinze anos, surgiram numerosos trabalhos sobre cirurgia micrográfica de Mohs, pretendendo mostrar a superioridade desse método sobre a ressecção com margens amplas. Robinson (1985)117 utilizou a técnica de Mohs ainda como quimiocirurgia, no tratamento do DFSP. Dawes e Hanke (1996)38 apresentaram série de 24 pacientes submetidos à técnica de Mohs em DFSP e compararam as margens de ressecção até a negativação da lesão. Em 85% dos pacientes as margens foram negativas com 2,5 cm da lesão; em 69% com 2 cm; 50% com 1,5 cm e 35% com 1 cm de margens. Em dois tumores a margem padronizada de 3 cm teria sido insuficiente para remoção completa da lesão. Dois pacientes da série apresentaram recidivas, com 6 e 12 anos após CMM e foram reoperados pela mesma técnica. A proservação média foi de 61,25 meses. Nouri e colaboradores (2002)103 apresentaram 20 casos de DFSP tratados com CMM, sem recorrências em proservação de 56,4 meses.
Snow e colaboradores (2004)136 apresentaram dados de 29 pacientes que se submeteram à CMM, sem recorrências em proservação de 5 anos.
Há publicações de trabalhos comparativos dos resultados da RMA e CMM. Gloster e colaboradores (1996)56 estudaram, retrospectivamente, os dados de 84 pacientes tratados na Mayo Clinic, Rochester, Minnesota, USA. Desses, apenas 54 apresentavam dados completos, passíveis de análise. O primeiro grupo (n=39) submeteu-se à exérese alargada com 4 recorrências locais e um caso de metástase pulmonar, com proservação de 36 meses.O segundo grupo foi composto por 15 pacientes que se submeteram à microcirurgia de Mohs com uma recorrência local em proservação de 36 meses. Os autores concluíram que a cirurgia de Mohs é o tratamento de escolha para o DFSP. Garcia e colaboradores (1996)53 apresentaram resultados de 16 casos de DFSP tratados com cirurgia de Mohs sem recorrências. Nelson e Arlette (2008)101 apresentaram 44 casos de DFSP tratados com cirurgia de Mohs, sem recorrências em proservação de 3,3 anos. Concluíram que CMM é o método de escolha para o tratamento de DFSP. Paradisi e colaboradores (2008)107 compararam resultados obtidos num grupo de pacientes com DFSP submetidos à CMM (n=41), proservação média de 5,4 anos; e à exérese alargada (n=38), proservação média de 4,8 anos. Cinco dos 38 pacientes do grupo de ressecção alargada tiveram recorrência (13,2%) e nenhum dos 41 pacientes da CMM a apresentaram. Os autores concluíram que as taxas de recorrência são significativamente menores nos pacientes tratados por CMM.
Parker e Zitelli (1995)108 estudaram 20 casos de DFSP, avaliando a extensão subclínica do tumor para eventual determinação de margem de segurança. Mapearam a extensão subclínica através de CMM e mediram as margens cirúrgicas necessárias para remoção completa da lesão. Margens de 2,5 cm, incluindo fáscia profunda (ou periósteo em se tratando de couro cabeludo), conseguiram remover totalmente a lesão. Lesões com diâmetro inferior a 2 cm foram totalmente removidas com margens de 1,5 cm. Ratner e colaboradores (1997)114 apresentaram relato de 58 pacientes tratados por CMM, com recorrência em um caso.
Calcularam as margens que seriam necessárias para remover todo o tecido neoplásico. Margens de 1 cm deixariam tumor residual em 70,7% dos casos; margens de 2 cm deixariam neoplasia em 39,7% dos casos; de 3 cm em 15,5% e de 5 cm em 5,2% dos casos. Recomendaram que, em qualquer tipo de operação a ser utilizada para tratamento do DFSP, as margens da peça cirúrgica devam ser examinadas para se conseguir margens livres de tumor.
DuBay e colaboradores (2004)44 estudaram 63 lesões em 62 pacientes. Foram tratadas com excisão alargada 43 lesões; 11 por CMM e 9 por combinação dos dois métodos. Das lesões que foram tratadas inicialmente com excisão ampla, 95% apresentaram margens histológicas livres. Dois pacientes, cujas margens de ressecção foram consideradas máximas e ainda assim estavam comprometidas, se submeteram à radioterapia. Das lesões tratadas inicialmente com CMM, 85% apresentaram margens livres. As 15% restantes submeteram-se à ressecção alargada para controle do DFSP. Os autores notaram que as lesões inicialmente tratadas pela CMM tenderam a ser menores que aquelas tratadas por exérese alargada. Yu e colaboradores (2008)163 apresentaram os resultados de 25 pacientes tratados por excisão alargada (n=14), excisão alargada modificada (n=4), CMM seguida por excisão alargada (n=6) e CMM (n=1). Não houve recorrências em proservação média de 68 meses. Concluíram que o planejamento pré-operatório e a seleção da abordagem cirúrgica são a chave que permite o tratamento ideal.
Cirurgia micrográfica associada à imunoistoquímica
Técnicas de imunoistoquímica associadas à CMM foram recomendadas por Garcia e colaboradores (1996)51, Jimenez e colaboradores (1994)66 e Stranaham e colaboradores (2009)140. Garcia e colaboradores (1996)52 chamam a atenção para a variabilidade da expressão do CD34 que pode estar ausente em áreas modificadas focais do DFSP. Contudo, a identificação de pequenos resíduos de tumor pode ser difícil ao se usar cortes de congelação na CMM.
Cirurgia micrográfica associada à inclusão em parafina
O estudo das margens de ressecção pela técnica de inclusão em parafina, associado à CMM, foi proposto por Barlow e colaboradores (1996)9, Clayton e colaboradores (2000)29, Tom e colaboradores (2003)151 ,Sei e colaboradores (2004)126, e Wacker e colaboradores (2004)155. Massey e colaboradores (1998)88 demonstraram que células fusiformes dispersas na derme normal são muito difíceis de serem diferenciadas de tumor residual durante a CMM. Preconizaram inclusão em parafina e técnicas de imunoistoquímica. Tom e colaboradores (2003)151 estudaram nove pacientes com DFSP em cabeça e pescoço; os cortes em parafina mostraram tumor residual em sete dos casos em que os cortes por congelação haviam identificado margens livres de tumor. Obviamente, a técnica de inclusão em parafina pode implicar várias operações em diferentes datas, até que as margens sejam negativas e num tempo cirúrgico subseqüente, a perda de substância possa ser reparada.
Vieses observados nos trabalhos que defendem a CMM
Viés de seleção
Nas séries tratadas por CMM não há relato de metástases, como ocorreu em vários trabalhos dos casos tratados por RMA5,18,56,92. Isso mostra que casos graves, eventualmente propensos à metástase, não foram selecionados para CMM. Há trabalho com RMA que relata óbito de paciente por invasão direta do encéfalo pelo tumor92. Há trabalho comparativo entre as duas técnicas em que as lesões do grupo da CMM tenderam a ser menores que as do grupo da RMA44. Não há trabalhos prospectivos, aleatorizados e multicêntricos (que seriam desejáveis em se tratando de doença rara) comparando a eficácia da CMM com a RMA.
Viés de informação
Há trabalhos em que as margens cirúrgicas foram exíguas ou positivas, outros que usaram margens de 1 a 5 cm. Vários trabalhos que compararam resultados não levaram em conta a real extensão das margens da RMA. Entende-se que qualquer ressecção radical deve compreender estudo minucioso das margens, através de inclusão em parafina, e alargamento das mesmas, se comprometidas, em outro tempo cirúrgico.
Viés de detecção
A proservação das diversas séries descritas foi insuficiente. O DFSP deve ser acompanhado em longo prazo. Há relatos de casos de lesões que recidivaram tardiamente. Snow e colaboradores (2004)136 relataram que dos casos de sua série que recidivaram, 25% o fizeram após seguimento maior que cinco anos. Outros autores relataram recorrências tardias, com 14 anos92, 23 anos97 e 26 anos143. Há caso de relato de metástase pulmonar tardia, 16 anos após a ressecção da lesão primária48. O caso da presente série que evoluiu com óbito em pós-operatório mediato de craniectomia, ficou sete anos livre de doença.
Desvantagens da CMM
Não sem importância é o número de cirurgias micrográficas que são interrompidas por motivos diversos, desde intolerância do paciente até incapacidade de se conseguir fragmentos livres de tumor, que penetra regiões anatomicamente perigosas ou osso83.
Em nosso meio, os convênios, na sua quase totalidade, não contemplam a CMM. A cirurgia em múltiplos estágios, com técnica de inclusão em parafina, lamentavelmete leva à suspeita de fraude. O controle através de imunoistoquímica, dos cortes de congelação da CMM, é ainda, no Brasil, um sonho inatingível.
Aspectos relevantes da presente série
Uso de expansores de tecido
Silva Filho e colaboradores (1997)131 descreveram, originalmente, o uso de expansores de tecido em um dos dez casos relatados, que apresentava DFSP da região frontal. O mencionado caso é o caso de número 7 da presente série. Àquele caso foram adicionados mais dois (números 13 e 22). Khachemoune e colaboradores (2005)71 do Massachusetts General Hospital, Boston, USA, relataram um caso de DFSP da região frontal com invasão da lâmina externa do osso, em que a reconstrução foi feita através de retalhos expandidos.
Não há, na vasta revisão de literatura realizada, outros trabalhos mostrando uso de retalhos expandidos em DFSP com acometimento de ossos do crânio, mostrando o pioneirismo dessa técnica na presente série.
Pacientes previamente tratados com triancinolona
A triancinolona é um corticosteróide usado no tratamento de cicatrizes hipertróficas e quelóides, através de infiltrações intralesionais. Não há, na literatura revista, qualquer menção de casos de DFSP previamente infiltrados com corticosteróide, por diagnóstico errôneo de quelóide. Sabe-se que o corticosteróide é imunossupressor e altera a permeabilidade de tecidos. Três casos da presente série (12,16 e 23) submeteram-se, equivocadamente, a infiltrações intralesionais de triancinolona. Dentre esses, inscreve-se o único caso da série (número 12), que apresentou recidivas e veio a falecer em conseqüência da doença. Embora se saiba que o tratamento cirúrgico prévio ineficaz, levando à recidiva, piora o prognóstico do DFSP, não se conhecem os efeitos da infiltração intralesional de triancinolona sobre o comportamento do tumor.
Aparecimento de DFSP em mais de um território cutâneo
A ocorrência do tumor em mais de uma região cutânea é raríssima. Shapiro127 se refere à revisão feita até 1967, por Groetschel e Cramer, que relatou 8 casos na literatura. Na revisão para o presente trabalho, foram encontrados mais dois casos, nos relatos de Fay e colaboradores (1998)47 e DuBay e colaboradores (2004)44 . O caso número 16 da presente série apresentava DFSP na bochecha e na região vertebral interescapular.
Aparecimento de outras doenças neoplásicas associadas ao DFSP
O surgimento de tumores de outras linhagens acometendo pacientes de DFSP pode estar relacionado ao acaso ou a questões genéticas4,12,92. Na presente série, três pacientes foram acometidos por outra doenças neoplásicas. O paciente de número 5, com DFSP escapular, curou-se da lesão após RMA, sendo acompanhado por 81 meses, vindo a falecer em idade avançada de complicações de leucemia linfóide crônica.
O paciente de número 6, com DFSP do dedo indicador, curou-se da lesão após amputação transmetacarpal, vindo a falecer após 127 meses, em pós-operatório imediato de cistectomia total por carcinoma de bexiga. O paciente de número 7, com DFSP da região frontal, curou-se da lesão após RMA, estando vivo após 17 anos, em tratamento de nefrocarcinoma metastático.
CONCLUSÃO:
O tratamento cirúrgico radical do DFSP, com margens laterais de ressecção de três centímetros, e margem profunda incluindo uma estrutura anatômica profunda não atingida (fáscia, músculo ou lâmina externa de osso do crânio), mostrou-se eficaz no controle da lesão. Houve um caso de recidivas e óbito no pós-operatório de craniectomia e maxilectomia alargadadas (3,84 %). O caso de insucesso foi submetido a longo período de infiltrações do tumor com triancinolona. Os efeitos nocivos dessas infiltrações, em casos de DFSP, não estão relatados na literatura, sendo, portanto, desconhecidos.
AGRADECIMENTOS:
Ao Dr. José de Souza Andrade Filho, pelo estudo anatomopatológico de 23 dos 26 casos apresentados;
Aos Doutores Aloísio Ferreira da Silva Filho, Nárlei Amarante Pereira e Eduardo Eustáquio Salera de Carvalho, pela participação em vários dos casos apresentados;
À Dra. Rebeca Pahowa Liu, pelo auxílio na revisão bibliográfica;
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