Mesa Redonda: Clonagem Humana
Debate realizado no Salão Nobre da Associação Médica de Minas Gerais, no dia 06 de outurbo de 1997, perante Acadêmicos, médicos e representantes de outros setores da sociedade.
A clonagem, ou duplicação de mamíferos adultos, já está à disposição dos cientistas do mundo inteiro e, com isto, estão abertas as portas para a cópia do ser humano. Mesmo reconhecendo as dificuldades técnicas e legais para a clonagem humana, os geneticistas não descartam essa possibilidade e são unânimes quanto à necessidade urgente de uma discussão acerca da ética desses procedimentos. É evidente que, da ovelha escocesa Dolly, que foi o primeiro mamífero a ser clonado com sucesso, à duplicação de um ser humano, há um grande passo a ser dado. Enquanto isto não acontece, devemos debater, clara e objetivamente, as implicações éticas desses avanços científicos, que estão ocorrendo num ritmo muito mais acelerado do que a reflexão humana sobre os mesmos. Não devemos, é claro, incorrer em erros do passado e procurar impedir a pesquisa científica, mas devemos estudar suas aplicações práticas, em busca de uma definição do que é aceitável ou não. Afinal, para que servirá esse ser humano clonado? Para levar uma vida normal? Para pertencer a um “banco de órgãos?” Para ser patenteado por alguma empresa e ser comercializado? Todas estas questões e outras merecem ter um estudo ético profundo. Alguns cientistas acreditam que a vida humana pode ser transformada em uma autocriação pessoal e cultural, enquanto nós acreditamos que ela é valiosa por ser uma criação natural. Quando clonamos, um embrião, ficamos sem saber onde termina a criação natural e começa a artificial. É um problema filosófico profundo, que nenhuma civilização enfrentou até hoje. Mesmo tendo liberdade para tomar nossas decisões, devemos fazê-lo após uma ampla discussão, ouvindo os diversos setores da sociedade. É inquestionável que a industrialização da nossa vida somente poderá ser efetivada após uma correta e ética regulamentação pública dessa atividade científica. Devemos apoiar a existência de um sistema de biosegurança que oriente a função social da clonagem e resguarde nossa responsabilidade para com as futuras gerações. Isto, antes que fiquemos obsoletos e nossos espermatozóides percam sua nobre função reprodutora. Quem terá dado aos cientistas o direito de decidirem sozinhos e sem qualquer preocupação social, sobre o futuro da espécie humana?
Acadêmico Fernando Araújo
Em contato com o Ministério de Estado de Ciências e Tecnologia, a Academia Mineira de Medicina foi informada que o presidente da CTN-BIO (Comissão Técnica Nacional de Biosegurança), doutor Luiz Antônio B. de Castro, comunicou ao Ministro de Estado de Ciências e Tecnologia, com a finalidade de dirimir dúvidas éticas e legais acerca de experimentos de clonagem em animais e sua aplicação em seres humanos, que tais práticas são proibidas no Brasil, nos termos da Lei 8974/95, que as considerou como crimes passíveis de prisão. No entanto, como cabe à CTN-BIO “acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico e científico na biosegurança e em áreas afins” e “propor modificações na referida Lei”, com vistas ao uso de novas técnicas e conhecimentos decorrentes do avanço cientifico, esta entidade proporá, sempre que necessário, o aperfeiçoamento dos atos regulamentadores da Lei da Biosegurança, de forma a não impedir o avanço de conhecimentos científicos nem o desenvolvimento tecnológico em benefício da sociedade, resguardado os parâmetros e limites morais e éticos. Assim, a elaboração do Código de Ética e Manipulações Genéticas serão precedidas de ampla consulta a entidades representativas da sociedade como outras comissões e grupos dedicados ao debate de questões éticas.
Tendo em vista a grande importância social e a atualidade do tema Clonagem Humana, a Academia Mineira de Medicina realizou um amplo estudo sobre esse polêmico tema. Para isto reuniu, num memorável debate, as seguintes autoridades:
1. Padre Paschoal Rangel, professor de Teologia e Filosofia. Diretor do jornal “O Lutador”, professor de Ética de Enfermagem e de Comunicação Social da PUC-MG, representante do pensamento religioso no debate.
2. Doutor José Elias Murad, professor e Deputado Federal.
3. Doutor Adilson Savi, presidente do Conselho de Medicina, professor e Diretor da Faculdade de Ciências Médicas, representando o pensamento ético-profissional.
4. Doutor Humberto Agrícola Barbi, professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da UFMG.
5. Doutora Ana Paula da Silva Ferreira, professora de Genética do Núcleo de Pesquisas em Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da UFMG. Pós-graduada pela Universidade de São Paulo. Representante do pensamento científico no debate.
O Padre Professor Paschoal Rangel teceu comentários acerca da posição oficial da Igreja, concluindo que ela está aberta para as discussões dos direitos dos cientistas e de respeito aos progressos das ciências. Lembrou as reiteradas afirmações de sua Santidade, o Papa, de que não há nem pode haver uma contradição entre a Fé e a Ciência.
Reconhece que a clonagem humana não é mais evitável, especialmente num mundo penetrado de modernidades e mesmo de pós-modernidades e, por isto, pluralista, eticamente complacente, onde os valores metafísicos foram relativizados, onde não se pergunta se as coisas que são, devam ou têm o direito de ser, mas se funcionam. Mas, como a clonagem atinge e destrói direitos humanos fundamentais, teremos que lutar contra ela até o fim do mundo.
O professor José Elias Murad considera que há necessidade de se formar um Comissão Cientifica de Alto Nível para estabelecer normas sobre clonagem por se tratar de um campo de magníficas pesquisas na Medicina. Temos que ter o máximo de cuidado para regulamentar e eventualmente proibir a Clonagem em seres humanos, com normas que possam trazer benefícios à sociedade, principalmente no setor do tratamento do câncer e desentupimento das artérias. Comunicou que a Deputada Sandra Starling apresentou um Projeto de Lei que altera a redação da Lei 8974, visando impedir “a produção”, armazenamento ou manipulação de embriões humanos ou células somáticas de seres humanos, induzidos em cultura a funcionar como célula germinativa e destinadas a servirem como material biológico disponível, antevendo perigosos desdobramentos políticos, militares, civis, ambientais, penais, sociais e morais da reprodução em série de exemplares do Homo sapiens.
O professor Adilson Savi, do Conselho Regional de Medicina, lembra que toda atividade científica deve ser regulamentada e institucionalizada com normas jurídicas que assegurem a liberdade científica. No Brasil já há leis que estabelecem normas para a Engenharia Genética, fiscalizando e autorizando ou desautorizando os avanços científicos nessa área. De acordo com o Art. 44 do Código de Ética Médico é vedado ao médico deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação pertinente. Já no Art. 122, é vedado ao médico participar de qualquer tipo de experimentos no ser humano com fins bélicos, políticos, raciais ou eugênicos. O Art. 127, impede o médico de realizar quaisquer pesquisas medicas no ser humano sem submeter o protocolo à aprovação e acompanhamento de Comissão especial, isenta de qualquer dependência em relação ao pesquisador.
O professor Humberto Agrícola Barbi, assegura que temos uma legislação no Brasil que não aceita a Clonagem humana e pune com rigor os transgressores, com penas que variam de três meses a vinte anos. Considera que existe, vinculado ao Ministério de Ciência e tecnologia, o CTN-BIO, com competência para estudar o assunto. Suas leis proíbem a manipulação genética de células germinais humanas e estão conforme os princípios do Direito natural, o que lhes dá legitimidade, inclusive de natureza ética.
A professora Ana Paula da Silva Ferreira teceu comentários acerca dos adiantamentos da Clonagem Humana e enfatizou a necessidade de uma legislação mais adequada, que acompanhe a velocidade dessas mudanças. Afirma que, teoricamente, já não existe obstáculo técnico para a produção de clones humano, o que facilitará a produção de proteínas humanas em larga escala, para serem usadas com fins terapêuticos, com grande beneficio para a humanidade. Enfatiza que os experimentos deverão, sempre, serem avaliados e regulamentados por comissões de bioética, antes de serem iniciados.
A imprensa publicou a opinião de várias autoridades no assunto. Devido à grande importância para o nosso debate resumimos, a seguir, suas declarações:
Frei João Carlos Dias, da Paróquia Nossa Senhora do Carmo: A Igreja, que se preocupa com a vida e a promoção humana, a principio não pode ser a favor de algo que não esteja bem definido e esclarecido os interesses e a quem irá de fato favorecer. O não da Igreja é para evitar mais discriminação e exclusão.
João Freitas, professor da Faculdade Mineira de Direito-PUC: A clonagem humana não significa clonagem do homem: clona-se o corpo da pessoa, não ela. Um grande perigo dela é a colocação no mundo de uma pessoa sem família. O Estado deve assumir o controle da reprodução humana.
Sérgio Danilo Pena, professor da Faculdade de Medicina-UFMG: “Primum non nocere” (em primeiro lugar não prejudicar). Esta é a máxima que comanda toda a Medicina, ao determinar que nada deverá ser feito que possa prejudicar o ser humano. A ciência ainda não sabe se a intervenção no óvulo vai gerar um ser humano perfeito. Não se clona uma pessoa e sim um genoma, que é uma informação genética que interage com o ambiente e forma o ser humano. O homem não é fruto somente da união do espermatozóide com o óvulo; o meio ambiente é fundamental na caracterização do indivíduo. Alega que a clonagem propiciará à humanidade as seguintes vantagens: possibilidade de reprodução para os inférteis, cura para os problemas genéticos transmissíveis e possibilidade de produção de tecidos e células-tronco para transplantes.
Lembra que não é possível clonar seres humanos a partir de células mortas e, portanto, não há possibilidade de clonar personalidades como Einstein, Hitler, Chopin, Drácula, São Pedro etc. Espermatozóides e células de tecidos congelados continuam vivos e poderão ser usados para clonagem. Não é possível congelar o óvulo humano. O clone de um cidadão de 51 anos, por exemplo, vai levar 51 anos para ser igual ao original. Não são todas as células que aceitam a clonagem. O processo de clonagem é muito caro e exige muita experiência, o que limita as experiências. Todos os animais clonados (macacos, sapos, camundongos, bezerros, ovelhas–inclusive Dolly) estão sofrendo um processo de envelhecimento precoce. As pesquisas patrocinadas por entidades particulares já estão tão avançadas que os primeiros bebês-clones poderão nascer até 2001.
Conclusões do debate sobre Clonagem Humana:
1. A Clonagem Humana é vedada no Brasil pela Lei de Biosegurança que disciplina o assunto, considera como crime a Clonagem Humana e estabelece as penalidades para a sua transgressão. Da mesma forma cabe à sua Comissão Especial acompanhar o desenvolvimento tecnológico e científico nas áreas afins.
2. A CTN-BIO está elaborando um Código de Ética com a finalidade de não impedir o avanço tecnológico e científico, em beneficio da sociedade, resguardados os limites morais e éticos.
3. Os integrantes deste Debate sugerem à Academia Mineira de Medicina que proponha à CNT-BIO a anexação de uma cláusula no seu novo Código de Ética, que permita as experiências com células clonadas para uso terapêutico em moléstias como câncer, desentupimento de artérias e produção do fator IX da coagulação. Também foi sugerido que fosse mantida a proibição da Clonagem de seres humanos.