Excelentíssimo Senhor Dr. Cláudio Azevedo Salles, digníssimo presidente da Academia Mineira de Medicina,
Ilustres Acadêmicos,
Familiares e amigos do Dr. Jorge Paprocki e dos demais homenageados,
Senhoras e senhores,
Paprocki formou várias gerações de psiquiatras. Tinha bons amigos. Ter sido convidado para dizer essas palavras de adeus é, para mim, um privilégio, uma grande honra e motivo de muita emoção.
Esteve presente em minha vida por 36 anos. Tenho 60. Isso significa que vivi a maior parte de minha vida tendo-o como referência. Foi meu professor, terapeuta, orientador, inspirador, coautor de publicações científicas e um grande amigo. Foi o meu padrinho na entrada para esta Academia.
Ainda estudante de medicina, na primeira metade dos anos 80, já namorando a ideia de ser psiquiatra, ouvia muito falar do grande Mestre. Entretanto, eu ainda não compreendia a sua enorme importância.
Essa importância foi resumida por um dos seus discípulos com a frase: A História da psiquiatria mineira divide-se em antes e depois de Paprocki.
De fato, Paprocki é considerado o patrono da psiquiatria moderna em nosso meio. Foi seu agente modificador histórico. Mudou a trajetória da psiquiatria mineira, a partir do final da década de 60, com sua atuação na direção do Hospital Galba Veloso. Em 1968, fundou a primeira residência de psiquiatria de Minas Gerais. Transformou o Galba em centro de excelência em assistência, ensino e pesquisa. Instituiu o primeiro serviço de psicologia em hospital psiquiátrico no Estado, o primeiro serviço de praxiterapia, o primeiro hospital psiquiátrico com portas abertas e o primeiro ambulatório vinculado a hospital psiquiátrico. Isso significa que Paprocki foi precursor da Reforma da Assistência Psiquiátrica, muito antes do tema chegar em nosso meio. Além disso, implementou um centro avançado de pesquisa em psicofarmacologia clínica que obteve reconhecimento internacional.
Em 1970, ano de fundação desta Academia, realizou o primeiro Congresso Mineiro de Psiquiatria. Em seguida, realizou o primeiro Simpósio Sobre Depressão.
Esses eventos propiciaram o estabelecimento de intercâmbio de psiquiatras mineiros com psiquiatras de outros estados, inexistente até aquela época. A fundação da Residência do Galba colocou em marcha movimentos para a fundação de novas residências: André Luiz, Santa Clara, IPSEMG e Hospital das Clínicas.
Ressalte-se que, por vários anos, ele foi o único psiquiatra brasileiro a ser referenciado em manuais internacionais de psicofarmacologia. Foi autor de grande número de artigos científicos, publicados em revistas nacionais e internacionais.
Toda essa revolução comandada por Paprocki representou o fim da formação autodidata de psiquiatras em nosso meio e o início da formação institucionalizada.
Recentemente, tive o prazer de acompanhá-lo a São Paulo. Foi convidado pelo professor Valentim Gentil Filho, titular da USP, para participar de um importante projeto sobre a História da Psiquiatria Brasileira. Neste projeto, personagens ilustres da psiquiatria fazem depoimento em vídeo acerca de sua história e seu testemunho do desenvolvimento da psiquiatria no Brasil. Paprocki é parte importante dessa história.
Recebeu inúmeros títulos e homenagens ao longo de sua carreira. Entre os mais recentes estão:
2009 – Foi homenageado pela Associação Acadêmica Psiquiátrica de Minas Gerais, com emissão de selo comemorativo, pelo transcurso de 40 anos da fundação da primeira Residência de Psiquiatria do Estado de Minas Gerais;
2010 – Foi promovido a Membro Emérito da Academia Mineira de Medicina;
2011 – Recebeu a Medalha Israel Pinheiro, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais;
2012 – Foi homenageado como Personalidade Médica Mineira 2012, outorgado pela Associação Médica de Minas Gerais, Conselho Regional de Medicina, e Sindicato dos Médicos. Em 2012, também recebeu a Comenda “Honra a Ética” do Conselho Regional de Medicina;
2013 – Foi criado o “Diploma ao Mérito Jorge Paprocki”, pela Associação Acadêmica Psiquiátrica de Minas Gerais, com o objetivo de homenagear psiquiatras mineiros destacados.
Paprocki tinha várias qualidades. Era excepcionalmente inteligente, tinha memória prodigiosa, era muito perspicaz, possuía cultura ampla, era muito estudioso, possuía grande generosidade e cordialidade, era carismático e dono de um humor fino incomum.
Quando comentava com ele sobre algumas dessas suas qualidades, muitas vezes dava crédito às suas origens. Paprocki nasceu em Lublin, na Polônia. Veio para o Brasil aos 13 anos, com sua família.
Quando eu o elogiava em relação à sua generosidade, falava do costume polonês de, na ceia de Natal, deixar uma cadeira desocupada à mesa para “alguém que chegasse inesperadamente”: um viajante, um amigo ou um familiar que batesse à porta. O gesto simboliza a tradição polonesa de hospitalidade e de inclusão.
Impressionava-me muito a sua tenacidade e capacidade de enfrentar as adversidades da vida. Ele explicava, recordando a sua origem polonesa e as lutas de seu país. Sabe-se que nenhum outro povo da Europa Moderna travou tantas batalhas para conseguir a liberdade, a autonomia e a independência nacional. Isso contribuiu para que os poloneses fossem reconhecidos por sua tenacidade, bravura e lealdade.
Sobre a sua vasta cultura, dizia que o seu pai era um leitor contumaz, que sempre incentivava o hábito da leitura
Paprocki não envelhecia. Morreu jovem aos 89 anos. Uma idade em que muitas pessoas já encaram o controle remoto da televisão como um painel de Boeing 737. Paprocki tinha o seu computador, o seu tablet e o seu smartphone. De vez em quando, me mostrava algum aplicativo interessante que havia descoberto. Mais que isso, exemplo de sua juventude, Paprocki lançou em outubro de 2014, no ano passado, aos 88 anos, o seu blog, onde postava textos, suas aulas e notícias médicas. Entre várias preciosidades, com seu humor peculiar, escreveu suas “Sugestões para Médicos com Menos de 65 Anos que Aspirem Envelhecer com Elegância e Dignidade”.
Na introdução, dirige-se aos médicos: “Durante o seu curso médico você adquiriu, presumivelmente, excelentes conhecimentos médicos, bom adestramento técnico e noções de ética. As faculdades de medicina somente propiciam ensino profissionalizante. Não propiciam um aculturamento amplo e, tão pouco, ensinam boas maneiras e bom gosto. Se você não foi orientado por seus pais ou outros mentores, quando criança e adolescente, possivelmente permaneça como entrou na faculdade, isto é, habitualmente inculto, rude e com gosto duvidoso, ainda que com excelente qualificação profissional.”
Paprocki continua: “A seguir são enumeradas algumas atividades que poderão ajudá-lo a superar certas dificuldades no plano de aprimoramento social e cultural.” Selecionei alguns trechos:
· Procure aculturar-se, permanentemente, até o fim de sua vida: leia bons livros, assista boas peças teatrais e bons filmes; ouça boa música, erudita ou popular; visite bons museus e realize boas viagens. Tudo isso costuma ser melhor quando efetivado em boa companhia;
· Cultive algum “hobby”: pintura, música, percussão, canto, dança, teatro, culinária, jardinagem. O “hobby” ideal deve envolver alguma atividade manual e deve proporcionar prazer. Brinque de músico, de pintor, de jardineiro ou de cozinheiro. O resultado ou o produto final dessas atividades é pouco relevante. O importante é o aspecto lúdico e o prazer auferido por você, não pelos outros;
· Procure não parar de trabalhar em sua área de atuação médica, enquanto continuar sendo procurado por clientes. Reduza seu ritmo de trabalho, paulatinamente, de acordo com suas possibilidades físicas e psíquicas;
· Não faça relatos acerca das suas façanhas acadêmicas, científicas e sexuais para pessoas que não pediram essas informações. Se você tem o hábito de contar anedotas, preste o máximo de atenção para não repeti-las para as mesmas pessoas. Fale menos e escute mais. Se conseguir, a maioria vai achar que você é um excelente papo.
E uma última sugestão:
· Assuma sua calvície e os seus cabelos brancos. A maior parte das mulheres, de bom gosto, costuma afirmar que essa é uma atitude mais aceitável e elegante do que tentar implantes ou tingir os cabelos. Raspar a cabeça somente é aconselhável para aqueles que têm um biótipo adequado
Evidentemente, Paprocki seguia suas próprias recomendações. Seu hobby era a pintura.
Contava que sua atração pela pintura surgiu ainda na adolescência. Chegou ao Brasil aos 13 anos de idade. O seu pai era fotógrafo profissional. Acompanhava-o em sessões fotográficas e ajudava-o a retocar as fotos. Essa atividade levou-o a estudar desenho. Mais tarde, passou para a pintura.
E para não perder o bom humor, brincava: “Quando os pacientes pararem de me procurar no consultório, vou me tornar pintor na “Feira Hippie” de Belo Horizonte; vou pintar minhas telas ao ar livre”. E completava: “Quem comprar uma tela, ganha uma consulta grátis”.
Por várias vezes, Paprocki me disse que a sua entrada para essa Academia fora uma das melhores coisas de sua vida nos últimos anos. Sentia-se estimulado e gratificado em privar-se com pessoas inteligentes, dedicadas, diferenciadas, e que muito fizeram pela Medicina. Sentia-se rejuvenescido. Participava com assiduidade e entusiasmo das atividades da Academia. Procurava dar contribuições efetivas para o crescimento dessa casa. Particularmente, sua presença nas reuniões da Academia era sinônimo de observações inteligentes e originais. Entre os seus desejos, pediu para ser enterrado com a beca da Academia.
Extremamente cuidadoso com seus pacientes, preparou uma síntese da história psiquiátrica de cada um daqueles em tratamento com ele para que, após o seu falecimento, a continuidade do tratamento se desse sem maiores transtornos. Tenho recebido vários desses pacientes. Todos falam dele com carinho e gratidão. Volta e meia, ouço a frase: “Paprocki foi um pai para mim”.
Paprocki deixou uma bonita família: sua mulher Olga, seus filhos Jorge e Henrique, os netos Alechandre, Gabriel e David, os bisnetos Pedro e Matheus e as noras Regilaine e Virgínia.
Senhoras e senhores, gostaria de concluir enfatizando que Paprocki era brilhante um esteta. Seu hobby era a pintura. Com as tintas de sua criatividade, colocava na tela da vida os traços da palavra precisa, ousada e bela. Cativava as pessoas com a arte de sua inteligência e cultura. Suas palavras encantavam.
Foi um profissional diferenciado, um farol que iluminou direta ou indiretamente várias gerações de psiquiatras. Na realidade, Paprocki iluminou a própria Psiquiatria.
A mim, iluminou a minha vida, com uma luz que não se apaga.
Muito obrigado.
Fábio Lopes Rocha
Membro Titular da Academia Mineira de Medicina