Conferência anual na Academia Mineira de Medicina – Marco Aurélio Baggio – 2008

    Data de publicação: 22/04/2008

    Conferência anual na Academia Mineira de Medicina.

    No dia 22 de abril de 2008 o Acadêmico Marco Aurélio Baggio apresentou conferência na Academia Mineira de Medicina baseando em seu recém lançado livro Um abreviado de quase tudo. Trata-se de obra de fôlego, elaborada ao longo de oito anos de pesquisas e contínuo trabalho, tendo o doutor Marco Aurélio compulsado uma bibliografia de mais de 240 autores, livros, fontes e artigos.
    Trata-se de abrangente coletânea acerca daquilo que se sabe cientificamente, hoje, sobre a origem do Universo, sua constituição cosmológica, considerando a energia como fonte primeira de tudo, capaz de se condensar em matéria segundo a genial fórmula de Einstein: E= Mc2. Energia é igual a massa vezes a velocidade da luz ao quadrado. E vice-versa.
    Isso ocorreu em frações do primeiro segundo após a grande explosão – Big Bang – da energia, até então fabulosamente hipercondensada no grande colabamento – Big Crunch. Nesse segundo fundamental, atuou um estranho esquisito fugaz operador, denominado bóson de Higgs, criando um campo de Higgs, no qual cerca de 1% da energia colabada se tornou matéria barionica luminosa. Matéria essa que constitui os cerca de 125 bilhões de galáxias do Universo. Também 3 ou 4% da energia se tornou matéria barionica não luminosa e cerca de 25% da energia se tornou a enigmática e presumida matéria escura. O restante 70% da energia se disseminou no Universo conhecido atual, sob a forma de uma inapreensível e estúrdia energia escura. A certidão de nascimento de nosso Universo data de 13 bilhões e setecentos milhões de anos.
    Marco Aurélio deteve-se em descrever os 16 componentes do Modelo Padrão da matéria, ressaltando que tal Modelo unifica três das quatro forças que operam no Universo: a força nuclear forte, que mantém jungidos os quarks que formam os prótons e os nêutrons dos núcleos dos átomos; a força nuclear fraca, responsável pela radioatividade e a força eletromagnética, responsável pelos fenômenos elétricos, eletromagnéticos e microeletrônicos.
    A força da gravidade é a mais fraca delas, mas é a que possui maior alcance cósmico.
    Baggio enfatizou o relevo que os conhecimentos científicos vem obtendo nos 4 últimos séculos para ampliar, com acurácia, nosso conhecimento preciso acerca do mundo, das coisas e das condições em que vivemos. Segundo ele, a ciência avança dirimindo ignorâncias, espaventando crendices, desacreditando superstições. A ciência traz em seu bojo, sua afilhada, a tecnologia, responsável pelo aumento em mais 40 anos em nossa longevidade, pelo incremento de nossa autonomia operacional e pelo exponencial conforto que nos acalenta.
    Baggio desenvolveu importantes considerações sobre a energia no capítulo 14 do livro. E enfatiza o interessante achado de que o planeta Terra é resíduo de uma estrela supernova que se desmantelou próxima do sol.
    Universo constante, capítulo 24 e Números fixos, capítulo 25, são esteios de certezas, de constância e de estabilidade que vão fazer jogo com o capítulo 36: Cronoestratigrafia evolutiva do cosmo e da vida. Para quem gosta de saber das coisas, estes são estacas, pilares de suporte do edifício do conhecimento. Inquestionáveis e confiáveis. Eles delimitam e preenchem tudo aquilo que concretamente existe. Sem mistificações.
    O professor Marco Aurélio Baggio discorreu sobre a epistemologia clínica que utilizou. Descreveu o mito como sendo o precário primeiro organizador do conhecimento humano, secundado pela avidez do psiquismo humano em conceber a dimensão divinatória, mística, criando o panteão de 3.500 exclusivos e onipotentes deuses, ao longo dos últimos 10.000 anos.
    Destaca a filosofia como o magno terceiro organizador do conhecimento. Baggio tem particular apreço pelos sofistas, por Aristóteles e especialmente, aprecia Lucrécio – o máximo da lucidez possível -, e Espinosa, a mente seminal do Ocidente.
    A ciência espouca como o quarto grande e mais brilhante organizador do conhecimento dos humanos. Isso se deve ao fato de que ela possui um método próprio, científico, de intrugir e inteligir sobre os fenômenos e as coisas de toda ordem. Além disso, a ciência desenvolveu um kit, um dispositivo específico de correção de erros que aumentaram suas possibilidades de validação empírica.
    Dedicada ao estudo dos mecanismos que regem o funcionamento do mundo da natureza, a ciencia posta-se como serviçal da ética. Desde Charles Darwin, a idéia de leis da natureza e dentre elas, a evolução das espécies, criou um novo sistema de convicção humana, dentro de uma visão estritamente secular, laica, empírica e científica.
    O acadêmico Marco Aurélio Baggio teceu considerações sobre o surgimento da vida na terra, ocorrida há 3.85 bilhões de anos, sob a forma das eternas assexuadas bactérias. Descreveu em rápidos toques, a evolução das formas biológicas no planeta, ao longo do eixo Cronoestratigráfico de suas sucessivas eras. Ressaltou as cinco grandes extinções da vida já ocorridas no planeta. Demonstrou que todos somos filhos do sol, mediante a captura dos fótons da energia luminosa pela fotossíntese dos vegetais autotróficos, que, ao estocar glicose-amido-glicogênio, podem sustentar os animais e demais seres heterotróficos.
    Relembrou que todo ser vivo consome oxigênio e glicose, gerando o combustível energético universal – o ATP – adenosina trifosfato – que se degrada em ADP e AMP, liberando 7 calorias em cada estágio. Energia essa imprescindível para manter a vida, em qualquer e todo ser vivo. Sim, porque sabe-se que todos os seres vivos são impenitentes dissipadores de energia para além de um equilíbrio estático. Ao consumir e despender a energia proveniente de seus processos físicos e químicos em seu metabolismo, os seres dotados de vida apostam em manter-se íntegros, sobreviver e perdurar, indo adiante…
    Seres vivos consomem a gratuita e abundante energia solar, mantidos que ficam como estruturas orgânicas dissipativas de energia em desequilíbrio constante.
    A seguir, o escritor Marco Aurélio discorreu acerca de como surgiu a vida na crosta do planeta Terra. A vida se deve à fascinante propriedade do átomo de carbono fazer ligações orgânicas com outros elementos químicos tais como o hidrogênio, o oxigênio, o nitrogênio, o enxofre, o fósforo, o magnésio e outros.
    Das aminas surgiram os péptides e desses originaram- se as proteínas. Tiveram origem na lama primacial sob o influxo da luz solar. Lá, uma vez, uma proteína querendo perdurar, passou a absorver energia luminosa para replicar e seguir adiante. E foi… Logo cercou-se de uma membrana lipídica que a protegeu para que pudesse se auto-replicar à vontade, em paz. Por acaso e por pura convivência, a vida então, pela primeira vez, fremiu. Vida só quis mais vida, durar e subsistir.
    Tendo a Terra surgido há 4.6 bilhões de anos, foram necessários 850 milhões de anos para que a vida surgisse sob a forma de primacial bactéria. Durante dois bilhões de anos a vida foi apenas bactéria. O ATP constituiu-se na pecunia energética necessária para aquecer todas as operações bioquímicas na célula procariótide: sem núcleo. O código genético constituído pela dupla hélice em caduceu do DNA – ácido dexosiribonucleico – tornou-se o molde privilegiado de replicação. A fotossíntese criou a via de captação básica da energia solar, transformando fótons da luz solar em energia química, capaz de sintetizar CO2 e H2O em glícides. A glicose veio a constituir-se a reserva e a fonte energética limpa de todo ser vivo, ao desdobrar-se em H2O, CO2 e O2, liberando calorias mediante a degradação ATP -> ADP -> AMP.
    Há 2.2 bilhões de anos surgiram as células com núcleo-eucarióticas. Surgiu a sexuação, a divisão haplóide de células masculinas e células femininas, necessitando trocar genes complementares entre si, “verticalmente” para se reproduzirem.
    Sexualidade permite variação individual e complexidade crescente de protozoários, amebas, vermes, fungos, plantas e animais. O preço a pagar pela diversidade da vida é o prazo inexorável do arco de sua duração: todo ser vivo sexuado deve, já ao nascer, uma morte à natureza.
    Plâncton, protozoários, pequenos seres vivos surgiram no mar há 700 milhões de anos. Anfíbios chegaram a Terra há 500 milhões de anos. Evoluíram para répteis, dinossauros, aves e mamíferos.
    Plantas surgiram há 400 milhões de anos. Plantas com flores e frutos –angiospermas- surgiram há 125 milhões de anos.
    Primatas apareceram após a extinção dos dinossauros, há 65 milhões de anos. Há 20 milhões, desenvolveu-se a linha dos grandes símios.
    Há 7 milhões de anos surgiu um símio antropóide ereto, dotado de bipedalismo. Dezenas de antropóides humanóides conviveram por milhões de anos. Foram se extinguindo. O homem moderno surgiu há 190.000 anos na África. Quase foi exterminado com a glaciação ocorrida há 70.000 anos.
    Há 10.000 anos, o homo sapiens criou os primeiros aldeamentos, tornou-se pastor-agricultor e passou a gerar cultura. Desenvolveu a linguagem, aprendeu a proteger a prole, a confeccionar roupas, construir abrigos, criar ferramentas, armas, armazéns. Aprendeu a usar a escrita e a estabelecer trocas de excedentes de produtos e de mercadorias. Foi quando constituiu laços afetivos e familiares. Cerca de 26 grandes civilizações foram erguidas, tiveram seu apogeu e a maioria desapareceu em seu declínio nesses dez mil anos de História.
    A par da capacidade construtiva e edificante dos seres humanos, modificando a natureza natural, tornando-a natureza naturada, civilizada, trabalhada para seu conforto e para sua conveniência, o psiquismo dos homens possui uma estranha propriedade de vivenciar primeiro uma guerra civil interna, tal a quantidade de desejos e de intenções contraditórios chacoalhando no seu mundo interno.
    Seres de conflitiva, os humanos são dotados geneticamente de um sabotador interno, de um agente que se compraz em infelicitá-lo. Masoquistas, a ponto de apreciar ver a própria caveira. Existe na humanidade uma força esquisita que tem gosto em gozar dos tormentos que acarreta aos humanos. O homem se não se acautelar é, com freqüência, seu maior inimigo.
    Só a bildung, a educação compassa sua malevosidade. Só a bondade imposta e só o amor intrugido anulam o veneno da maldade humana. Como uma derivação estocástica, aleatória, dos Eukaria, postados na ponta de um ramo da árvore evolutiva, o Homem é um animal precário. Contém em si sua própria incongruência. Como espécie hiperpopulosa e superpoluidora, os humanos passam da hora de parar de se assassinar uns aos outros. Passam da vez de despender trilhões de dinheiros em armas e em guerras. E em assoprar as bolhas dos “derivativos.” Mais que tudo, já passa da hora de creditar em deuses inexistentes.
    Temos condições de, rapidamente, reduzir a fome de comida e de conhecimentos, espaventando a ignorância, a estupidez, a superstição. É hora de combater as doenças curáveis e sanáveis. Tudo fazer para restringir o sofrimento desnecessário. Os homens bons devem se impor para fazer a humanidade funcionar pelo que é ético, pelo que é conveniente, com decência e dignidade.
    O acadêmico Marco Aurélio chamou a atenção dos presentes para os cinco grandes absurdos que vigoram no planeta. Só aqui, na Terra, há vida, há senciência, há psiquismo, há consciência e ocorre morte.
    Ressaltou que o campo do mistério e do desconhecido se restringem a cada momento, já que se calcula que 95% de todos os fenômenos que acometem a Terra e o Universo já são bem conhecidos. Nosso conhecimento acerca das coisas e dos fenômenos, hoje, é robusto.
    Lembrou que a história do cosmos e da vida de cada um de nós consiste em longos períodos de monotonia e curtos momentos de gozo ou de terror. Baggio descreveu uma paleontologia dos humanos. Referiu-se a proto-linguagem indo-européia, situando sua origem há cerca de 25.000 anos no espaço geográfico compreendido entre os rios Reno, Elba, Oder e Vistula. Daí expandiu para o Danúbio, o Cáucaso, a Pérsia, o vale do Indo e do Ganges. O sânscrito, de 2.500 a.C é a primeira língua indo-européia escrita.
    O conferencista quase passou ao largo de seu estudo sobre língua, capítulo 29.
    Enfatizou a semelhança siamesca estrutural entre duas grandes e complexas moléculas: a da clorofila e a da hemoglobina. Ambas encarregadas de portar e lidar com os subtratos energéticos.
    Voltou então a enfatizar que a vida é um milagre só ocorrendo no planeta Terra. Não há vida difusa no Universo. A vida é um absurdo. Uma excrescência. Um desafio ao caos e à desordem cósmica. A vida é, outrossim, uma rebeldia contra a lei da gravidade, um desafio à 2º lei da termodinâmica e uma revolta bem sucedida contra as leis de constituição da matéria.
    Discorreu ainda, sumariamente, sobre a importância da aretê e da qualidade na confecção das façanhas humanas.
    Conceituou substância, coisa, objeto, suas gêneses e causas postas em incessante interrelações como possuindo uma dinâmica adequada e própria, imbricadas que estão em fluxos e refluxos, numa fronesis constante. É assim que se estabelece a realidade, campo onde o homem vive. A realidade deixa muito a desejar, diz Marco Aurélio, acrescentando que, por vezes, ela é dura, impactante e até cruel. Apresenta como vantagens o fato de ser real, nunca enganar e é o único lugar onde se pode obter um bife decente.
    Irônico, o professor afirma que o ser humano raramente amadurece à tempo, querendo sempre roubar no peso da vida. E afiança o estudioso: – As pessoas querem tudo: bom, bonito, barato, gostoso, fácil e disponível. A realidade, via de regra, nos permite escolher três desses seis desideratos. Conceitou valor como aquilo que acresce a vida. É o que porta em si a qualidade dinâmica que permite a vida e os organismos crescer e se complexificar. Por sua vez, a qualidade estática protege os seres para perdurarem: Esqueleto, concha, carapaça, roupas, casas, edifícios, dinheiro, bens de consumo duráveis, são objetos protetores decorrentes da qualidade estática.
    Já pelo final da conferência o professor destacou a cultura como sendo o grande involucro social que acolhe e humaniza o ser humano. Dentre tantos magnos atributos da cultura, o doutor destacou a Bemachtigungstrieb – a pulsão epistemofilica ou pulsão de fazeção e assenhoramento dos objetos como sendo um condão de excelsa qualidade para a realização da pessoa.
    Demonstrou a importância do trabalho para ancorar as pulsões disruptivas do sujeito.
    Discorreu sobre o poder, sobre a liberdade e a maldade humanas e suas respectivas patologias. Mostrou o dinheiro como sendo a maior invenção da humanidade, tendo se tornado o viabilizador geral das relações entre os homens.
    O professor tratou das diferentes Fomes – capítulo 44 –que assolam e desamparam a condição humana.
    Indicou o valor da ética para instruir a conduta boa, decente, eficaz, como condão para atravessar a selva das naturezas naturais e a selvageria pulsional que pulula em nosso interior. A ética mostra que o mundo tal qual se apresenta – é e está -, permanece aquém do melhor que ele – mundo, vida – pode vir a ser.
    O acadêmico pontua sua peroração com dezenas de adágios sapienciais, de sua lavra pessoal ou extraídos dos repositórios da cultura do Ocidente.
    Defendeu e propalou sua convicção na não-crença em religiões de qualquer naipe, origem ou espécie.
    Já pelo final da conferência bordejou o pensamento, a razão e a inteligência como operadores mentais de incisiva qualidade para espaventar o rosário de bobagens, babaquices, crendices e superstições que povoam como memes, o imaginário dos simples de espírito.
    Com Lucrécio, professa que as coisas simplesmente acontecem pela própria maneira natural de serem e de fluírem assim. Um longo e significativo capítulo 57 – Vida e morte – foi apenas tocado já que o tempo de esvaia…
    Mas o conferencista deteve por minutos conceituando o que ele entende como sendo o Espírito Humano – capítulo 59 – sumo resumo, fecho de abóboda, pedra de toque, epítome do somátorio dos atributos que configuram o psiquismo humano. O espírito é o ápice do processo incessante pelo qual cada um percorre em sua jornada para tornar-se humano. Ficou devendo a descrição dos principais componentes que configuram o espírito laico, secular, “brilhante”. Conclui afirmando: “- Precisamos de um gênio dotado de um espírito brilhante que nos arranque de vez desse meme, dessa constrangedora episteme paulino-cristológica que nos escraviza em um dos mil e cem cristianismos que poluem o mundo atual.
    Carecemos de um gênio que nos aponte um além sem credo e sem inferiorização…
    Ficou de esboçar o Sentido da vida – capítulo 68 – e concluiu sua conferência magistral destacando as Habilidades e Virtudes humanas. O autor, não modesto, encerra seu livro pretendendo contribuir com este para o crescimento humanístico dos leitores.

    SERÁ ASSIM?
    A energia primordial que explode gera Higgs que lhe dá massa, a qual se aglutina em partículas, – hádrons, léptons – que, por sua vez, se organizam em átomos que se juntam numa sarabanda de moléculas cada vez mais pesadas.
    Estas criam os elementos de mundos: poeira estelar, radiações, rochas, astros, coisas, seres.
    Por circunstâncias especialmente favoráveis, um planeta teve condições de gerar bactérias. A vida produziu complexificação crescente ao desenvolver organismos capazes de captar a abundante energia luminosa. A vida fremiu e tornou-se um composto instável, verdadeiramente desacomodado e afastado do equilíbrio, ao dispor de somas inesgotáveis de energia solar para ser perdulariamente dissipada. A vida adquiriu esperteza de posicionamento adequado: senciência. Evoluiu sucessivamente de bactéria para ameba, verme, réptil, rato, homem.
    Este, por sua vez, adquire psiquização, vontade, facção. Consciência e espírito. Cria cultura e civilização. Foi assim, por evolução minúscula e progressiva, durante as eras geológicas dos últimos 3,85 bilhões de anos. Por acaso. Por sorte momenteira. Por simples transmutação de possibilidades. Estamos todos juntos em nossa irremediável solidão cósmica. Resta unirmo-nos todos em solidariedade, bondade e alegrias!
    Acadêmico Marco Aurélio Baggio. – Cad. 96. da Academia Mineira de Medicina.