Abdome Agudo Ginecológico
Acadêmico Jairo Carvalhais Câmara
ABDOME AGUDO:
Abdome agudo é toda vez que ocorre uma situação abdominal alarmante
Annes Dias
O abdome agudo é uma síndrome dolorosa abdominal aguda que surpreende o individuo em pleno estado de saúde ou no decurso de uma moléstia aguda, subaguda ou crônica, indicando uma intervenção cirúrgica de urgência, a fim de afastar o perigo de morte imediata ou próxima. Emanuel Alves
“Cuando se trata de diagnosticar una afección abdominal aguda, los signos físicos y su interpretación alcanzan el pináculo de su importancia. Frecuentemente se deberá establecer un diagnóstico urgente e importantísimo valiéndose solamente de ellos”
Hamilton Baley
Sinonímia:
Abdome agudo (Zachary Cope e Emannuel Alves); Abdome agudo cirúrgico (Palovsky); Crise abdominal aguda (Annes Dias); Drama abdominal (Paul Guibaul); Dor em punhalada (Dieulafoy)
Os autores não têm adotado um critério unívoco em relação ao conceito de abdome agudo, chegando-se, mesmo, a criticar o próprio termo empregado, havendo um conceito unicista (cirúrgico) e um conceito dualista (clínico), sob o ponto de vista, bem entendido, do diagnóstico.
Historicamente, ambos os conceitos tinham suas verdades, principalmente pelo empirismo dos diagnósticos baseados principalmente na experiência do médico, face a pobreza dos exames complementares, que por serem inclusivos perante um quadro abdominal grave, criaram uma indicação cirúrgica de abrir o abdome para ver, com quadros graves de lesões viscerais locais, mas também com ausência de lesões na chamada “Laparotomia branca” em doenças de outros sistemas.
Um abdome que precisa ser deprimido profundamente e de maneira violenta, para despertar dor, provavelmente não se trata de um caso cirúrgico de urgência (1). O exame deve ser cuidadoso e delicado, para evitar o agravamento, sendo válida a manobra de Gueneau de Mussy deprimindo o ventre com suavidade, para em seguida com descompressão súbita provocar dor aguda e a de Blumberg na fossa direita para um diagnóstico diferencial entre uma anexite e uma apendicite aguda.
Na atualidade, a dispersão dos atos médicos pulverizados em super especializações colocam esta importante e grave situação patológica praticamente somente nas mãos das equipes de plantão hospitalar, que podem subdividir os diversos atos médicos necessários para solução, desde a antiga laparotomia exploradora, com toda codificação dos atos viscerais, até o fechamento da cavidade abdominal.
ABDOME AGUDO GINECOLÓGICO
Em ginecologia, podemos afirmar que somente em raros casos pode haver a necessidade de uma intervenção de emergência sem o devido preparo pré-operatório da paciente. Os fatores de classificação clínica ou cirúrgica estão muito relacionados com o sintoma dor. Sabemos que o peritônio pélvico defende-se melhor que o peritônio abdominal, devido à pelve ter suprimento cérebro espinhal reduzido. Os ovários são inervados a partir de T 10 e T 11 porque sua origem embriológica é alta, ao nível dos rins, por este motivo pode causar dor na intimidade de pelve, como também na região umbilical (6).
Em ginecologia, muitas afecções demandam atendimento urgente. O próprio dinamismo do aparelho genital favorece o aparecimento de determinadas condições clínicas. A norma de conduta obedecerá sempre ao principio geral de localizar o processo, analisa-lo topográfica, clínica e etiologicamente, investigando o comprometimento local e sistêmico (7).
As irritações provocam sintomas com reflexos mínimos e os sintomas tóxicos são quase sempre tardios. Pode ocorrer inclusive a grave discrasia sanguínea, com afibrogenia e alterações de outros fatores hemostáticos com graves hemorragias (2). A dor em ginecologia, constitui um dos grandes desafios à argúcia clínica do especialista reclamando grande agilidade de raciocínio e grande tarimba na aplicação dos recursos propedêuticos, para evitar que numerosas doentes sejam levadas à mesa de operações e tenham os seus órgãos genitais sacrificados. É de grande importância observar os fatores de influência, nas modificações vitais, principalmente a idade da paciente, e o período de seu ciclo biológico. Nos abscessos do fundo de saco de Douglas é de grande importância da via de acesso, devido ao risco de uma apendicite não diagnosticada. Apesar de uma possível culdotomia praticada e com esvaziamento, ainda poderá exigir uma laparotomia complementar (5).
Atualmente esta ocorrência praticamente deixou de existir com a moderna laparoscopia. Acredito que ginecologistas com toda tecnologia, mas, não tendo uma formação generalista, passam o caso para outro cirurgião mais experiente. Também, como acontece com os mais afoitos, após abertura da cavidade abdominal pélvica, com incisão imprópria e incapazes de prosseguir na solução de algum problema mais difícil, são obrigados a solicitar a presença urgente de um cirurgião geral para assumir a resolução, fato dos mais desagradáveis, pois nem sempre há um colega disponível no bloco e estabelecendo um clima de insegurança ou mesmo de desconfiança na equipe de circulação.
A discriminação do abdome agudo ginecológico e obstétrico, nas condições atuais de trabalho do profissional de saúde, confirma o inicio do desaparecimento da toco ginecologia de consultório. Nem sempre é possível separar um do outro, seja pela urgência e gravidade do quadro clínico, como também, pelas condições patológicas que o induziram. Segundo afirma Jeffcoate (4) “A ginecologia é basicamente uma disciplina clínica e o ginecologista precisa ser principalmente um clínico”.
A imensa gama de exames complementares onerosos e demorados, o modismo e dependência dos mesmos, tiraram do médico assistente, a iniciativa e a coragem técnica pessoal de abrir um abdome sem diagnóstico.
Entre as principais formas de abdome agudo ginecológico, Bazencry define o abdome agudo em abdome agudo clínico e abdome agudo cirúrgico.
Patogenia:
Hemorrágico: Ruptura de cistos do ovário (folicular, luteínico, luteínico gravídico ou endometriótico); Gravidez ectópica rota; Ruptura do útero; Empalamento sexual; Empalamento criminoso e Iatrogênico.
Doloroso: Doença inflamatória pélvica; Abscesso do fundo de saco de Douglas; Pio salpinge roto; Torção do pedículo de tumor do ovário; Torção do pedículo de mioma sub-seroso; Pelve peritonite iatrogênica.
Neurogênico isovolêmico: Inserção de dispositivo intra-uterino (DIU)
Obstrutivo: Íleo mecânico: Sinéquias cirúrgicas ginecológicas; Pelve congelada.
Diagnóstico: Exame clínico:
Dor abdominal: Manobras de Gueneau de Mussy, Blumberg; Contratura de defesa da parede abdominal; Vômitos; Distensão abdominal; Equimose peri umbilical ou nos flancos (Sinal de Cullen); Paralisia intestinal; Palidez com sudorese; Taquicardia; Choque.
Exame ginecológico: Toque vaginal ou retal; Toque de Sammartino (bi-digital ano parietal).
Exame complementar: ULTRA-SOM PÉLVICO (Mapeamento), ENDOVAGINAL.
Casuística
Carlos Vicari
Em 768 casos de abdome agudo cirúrgico ginecológico constatou a seguinte resultado:
DIAGNÓSTICOS NÚMERO DE CASOS
1 – Prenhez ectópica 548
2 – Tumor de ovário torcido 74
3 – Hemorragia ovariana 74
4 – Processo inflamatório (piocele, piossalpinge, abscesso central do ovário) 38
5 – Perfuração simples do Útero 16
6 – Perfuração complicada do Útero 12
7 – Torção de anexo normal 4
8 – Torção de mioma uterino 2
Total 768
Fonte: Medina, José – Salvatore, Carlos Alberto – Bastos, Álvaro da Cunha – Propedêutica Ginecológica – Editora Manole Ltda.. – 3 Edição – São Paulo, 1977.
AMOSTRAGEM DE EXPERIÊNCIA PESSOAL EM 18 FORMAS
Diagnóstico Descrição Numero de Formas
Hemorrágico Mioma submucoso
Leiomiosarcoma
Síndrome de Glaznann´s
Ruptura do útero
Ruptura de tumor cístico
Gravidez tubária
Assassinato por tiro com óbito materno fetal.
7
Tóxico Torção de tumor de ovário, com necrose e displasia sanguínea em gravidez no sexto mês.
1
Doloroso Tumor cisto de ovário com torção do pedículo. 1
Empalamento sexual Empalamento sexual com pelve peritonite;
Empalamento sexual com óbito.
2
Empalamento criminoso Com tesoura pela própria paciente;
Aborto provocado por leigo. 2
Iatrogênico Per – cirúrgico;
Curetagem uterina;
Em exame ginecológico.
3
Íleo mecânico Pós-cirurgia ginecológica;
(brida visceroparietal após miomectomia)
1
Choque intra-parto Embolia com óbito materno e feto vivo. 1
APRESENTAÇÃO DE TRÊS CASOS:
Caso antigo: Hospital Cassiano Campolina, Entre Rios de Minas, 1954.
Paciente de 55 anos, casada, multípara, com passado de cirurgia ginecológica (histerectomia sub-total), apresentando dor intensa, distensão abdominal e constipação, quadro clínico sugestivo de íleo paralítico. Com anestesia geral pelo éter e aparelho de Ombredane, a cirurgia foi uma laparotomia exploradora com incisão mediana trans-umbilical. Encontro de alças delgadas distendidas parcialmente, com congestão das mais distendidas, sendo localizada na pelve uma brida filiforme de peritônio visceral indo da cicatriz do útero, até o peritônio parietal da fossa ilíaca direita, com formação de um anel e havendo penetração de alças delgadas com estrangulamento, confirmando um íleo mecânico. Feita a remoção da brida de peritônio, revisão e limpeza da cavidade com soro morno que demonstrou boa vitalidade das alças sofridas pelo estrangulamento. O pós-operatório foi trabalhoso, sendo a paciente removida para B.H. sendo atendida e tratada como íleo clínico com alta curada.
Caso antigo: Hospital Deraldo Guimarães – Almenara – 1963.
Paciente de 38 anos, casada, multípara, com trabalho de parto iniciado a 5 dias antes do atendimento médico. No segundo dia, começou a perder sangue e não sentindo movimentos fetais. Deu entrada no hospital em abdome agudo hemorrágico e após o exame ginecológico, constatou-se distócia com feto morto em apresentação transversa com procedência de mão e hemorragia externa. Decidiu-se pela cesariana com incisão longitudinal e que confirmou ruptura do segmento do útero com descolamento do peritônio visceral e parietal direito com grande hematoma retro placentário, onde se encontrava a cabeça do feto. Após a retirada do mesmo foi encontrado no segmento posterior um grande mioma, sendo decidido uma histerectomia total em monobloco. Pós-operatório trabalhoso, mas com alta curada.
Caso recente: Maternidade Octaviano Neves – Belo Horizonte – 2005
Paciente de 20 anos, solteira, deu entrada no consultório em caráter de urgência e amparada por seus pais, devido intensas dores abdominais. Fácies pálida, sudorese e não suportando exame clínico do abdome. Fui informado pelos seus pais que estava em preparo para uma cirurgia de ovário, mas havia passado mal na rua com desfalecimento. Estava com um US pélvico diagnosticando um cisto do ovário direito de grande volume. Levada ao hospital, foi colocada diretamente na mesa de cirurgia e seu médico solicitado com urgência, já a encontrou em preparo de anestesia. Após laporotomia transversal de Pfannenstiel foi confirmado um ovário com grande cisto estando o pedículo com torção e já cianosado, sendo então praticada uma ooforectomia total. Pós-operatório normal com alta curada.
AP: Lesão cística fibrosa, hemorrágica e edemaciada, relacionada à torção distal da tuba. Ausência de neoplasia. Compatível com torção de pedículo de ovário cístico.
HONORÁRIOS MÉDICOS RELATIVOS À CASO URGENTE
Nas condições atuais do trabalho, as tabelas e classificações de honorários médicos dos diversos convênios e cooperativas criaram uma dificuldade para o atendimento emergencial ao ginecologista que atende em consultório, devido a direção preferencial que tecnicamente é correta para os médicos plantonistas.
Código vigente dos Convênios e Cooperativas:
Cirurgia do aparelho digestivo:
Órgãos, anexos e parede abdominal 43.000.002
Laparotomia exploradora 43.08.017 – 0
Até 4 grupos: 42.99.999 – 5
Cirurgia do sistema genital feminino:
Laparotomia ginecológica: “não há código”
Laparoscopia ginecológica: “não há código”
Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos – CBHPM
Procedimentos cirúrgicos invasivos.
Sistema digestivo e anexos 3.10.00.000 –9
Abdome, parede e cavidade 3.10.09.000 – 8
Laparotomia exploradora 3.10.09.000 – 8
Urgência: + 30 % 19 hs a 07 hs, sábado, domingo e feriado
Sistema genital e reprodutor feminino 3.13.00.000
Laparatomia exploradora ginecológica “não há código”
Laparoscopia ginecológica 3.13.07.006 – 0
Referências
Alves, Emanuel – Cirurgia de Urgência – 4ª Edição – Livraria Atheneu S/A – 1962
Alves, J. B. R – Cirurgia Geral – Fundo Editorial Procienx – São Paulo – 1967
Bailey, Hamilton – Los Signos Fisicos en Clínica Quirugica – EMECÉ Editores S/A – Buenos Aires – 1947
Jeffcoate, Sir N – Editora Manole – São Paulo – 1979
Kischner, M – Operações Ginecológicas – Editorial Labor S. A. – 1970.
Medeiros, J. Laurentys – Lopez, Mario: Semiologia Médica – Livraria e Editora REVINTE Ltda – Rio de Janeiro – 1989.
Medina, J-Salvatore, C.A.-Bastos, A.C.- Propedêutica Ginecológica – Editora Manole Ltda, São Paulo, 1977.