João Galizzi
Ocupou a Cadeira 37, no período de 22/11/1970 até 01/03/1999.
João Galizzi, Romeu Cançado e J. B. Greco estão definitivamente na história da medicina brasileira como líderes dos discípulos que passaram, a partir do final da década de 30, a aplicar na clínica médica os princípios científicos de seu mestre, o bioquímico Baeta Viana. Esta corrente representou um salto de qualidade na assistência médica, não só em Minas mas no Brasil, inclusive com a pioneira interiorização da tecnologia laboratorial simplificada. Galizzi foi catedrático de Clínica Propedêutica na Faculdade de Medicina da UFMG, onde suas lições de Semiologia Médica, ministrada com o auxílio de seguidores fieis, formou multiplicadores docentes e não-docentes, em sucessivas gerações, todos testemunhas de que nessa disciplina foi recebida a estrutura nuclear de suas reconhecidas competências. De sua equipe surgiu o grupo coordenador do processo de desenvolvimento curricular, entre 1972-85, que influenciou toda a educação médica brasileira, hoje considerado uma das quatro vanguardas internacionais no ensino pós-flexneriano. O intercâmbio exterior efetivado pelo deslocamento de seus assistentes teve a peculiaridade multilateral de buscar indistintamente centros inovadores – no ensino, na pesquisa e na clínica – na Grã-Bretanha, França, Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Canadá, países vizinhos da América do Sul, México e Cuba.
A produção científica ligada a este professor também é amplamente sabida. Em sua Cadeira veio trabalhar o gastrenterologista alemão Rudolf Schindler, a maior autoridade mundial em endoscopia digestiva alta e criador do gastroscópio flexível. Em conseqüência, o grupo de cientistas que no Hospital das Clínicas hoje pesquisa a úlcera péptica e doenças correlatas é líder no Brasil e reconhecido internacionalmente. Por outro lado, foi em seu Serviço que se fez estudo completo da primeira doente descrita da doença de Chagas, reencontrada em 1961, o qual integra seleto conjunto de contribuições ao conhecimento da patologia regional brasileira. Demais, no meio universitário brasileiro, João Galizzi foi por décadas respeitadíssima referência no rigor da linguagem médica e na estrita observância ética, seja no ensino e na pesquisa, seja na atenção clínica. Assim, este cavalheiresco artífice da melhor relação médico-paciente, este campeão da compostura profissional – além de co-fundador de associação de classe e de associação especializada – foi o milagroso conciliador entre o ceticismo metódico derivado de Baeta Viana e a mais permanente tradição hipocrática, sendo que desta extraiu surpreendente e popular didática aforismática. Conciliação que, na devoção à música, se repetiu entre Wagner e Bach, no que, aliás, foi honrosamente precedido por Schweitzer. Finalmente cumpre dizer que, por trás do varão clássico tão querido de estudantes e colegas, sempre foi possível percebê-lo curioso de sua circunstância existencial. Esta fez dele o homem culto incapaz de esconder o entrechoque da ascendência luso-mineira com a herança greco-latina – ainda mais com a obrigação de ser herói, ao lado de Aleijadinho, da cidade de Congonhas. Tal inquietude fez também dele uma das influências decisivas na criação e no enriquecimento do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, a última mas não a menos importante das irradiações de sua invulgar personalidade.
Texto: João Amilcar Salgado (“Professor João Galizzi”)