CIÊNCIA E MEDICINA (parte 2)

    Por Guilherme Santiago Mendes

    O momento luminar da medicina ocorreu na segunda metade do século XIX e deve muito à genialidade e à obstinação de pesquisadores como Louis Pasteur, na França, e Robert Koch, na Alemanha. Por obra dessas figuras lendárias e seus discípulos, criou-se a revolucionária “teoria dos germes”, segundo a qual as doenças seriam fruto, não do desequilíbrio entre os humores do organismo, mas de sua invasão por micróbios. Pouco antes deles, Rudolf Virchow abrira o campo da patologia celular, ampliando os conhecimentos erigidos por Giovanni Morgagni, e Claude Bernard revolucionara a fisiologia. Rompia-se um conceito milenar e admitia-se, finalmente, a experimentação científica como instrumento gerador de conhecimento médico.

    Isolaram-se bactérias, definiram-se as patogenias de muitas doenças, ampliaram-se os conceitos de anatomia, de antissepsia, surgiu a anestesia com éter e estabeleceram-se técnicas cirúrgicas. O francês René Laennec criou o estetoscópico, o alemão Conrad o Rx, e o microscópio tornou-se ferramenta oficial dos laboratórios de pesquisa. As vacinas revolucionaram a saúde pública e pela primeira vez uma doença infecciosa, a difteria, foi curada com um soro específico. Nos Estados Unidos, surgiu a revolucionária Universidade Johns Hopkins, marco da medicina científica e berço de Welch, Osler, Halsted, Whipple, Cushing, dentre tantos outros. Nunca houve um momento tão emocionante na medicina e um universo se abria: medicina e ciência agora caminhavam juntas.

    Mas medicina é, de fato, uma ciência? É certo que a medicina incorpora cada vez mais ciência para gerar conhecimento e orientar condutas, mas os modelos biológicos são caóticos e o ato médico implica em lidar com pessoas, emoções e circunstâncias. Isso escapa do ritual científico, avançando ao terreno de uma arte que agrega psicologia, comunicação e muita sensibilidade. Entender essa particularidade da medicina, que é ciência e arte, evidência e incerteza, ajuda a compreender porque modelos numéricos que usam variáveis estáticas, como alguns difundidos nessa pandemia, podem produzir cenários tão apavorantes quanto irreais.