A VIDA É O VENTO, A MORTE É A BRISA

    Por Evaldo D’Assumpção.

    Quem tem interesse em refletir e conhecer mais sobre a vida e a morte? Quem tem “coragem” para aprofundar um pouquinho mais seus conhecimentos a respeito dessa “senhora”, por muitos conscientemente ignorada? Alguém acredita que essa relação “rejeituosa” (permitam-me criar esse termo) além de inútil, é extremamente prejudicial à homeostasia emocional das pessoas?

    Devo dizer a quem pensa assim, que está absolutamente enganado. Por mais que neguemos, rejeitemos ou ignoremos a morte, ela sempre estará ao nosso lado. E a razão disso é simplesmente o fato de estarmos vivos. A morte é parte inseparável da vida. A própria sabedoria popular afirma, com toda sapiência, que “para morrer, nada mais é necessário do que estar vivo”. Em outras palavras, só os vivos, morrem. Reis e rainhas, patrões e empregados, médicos e enfermos, crentes e ateus, espiritualistas e materialistas, todos morrem, e igualmente. Estando vivo, nada nos falta para morrer. Os meios letais podem e serão diversos, mas a morte, em si, será sempre a mesma. Em tempos de pandemia ou de guerra, ela sempre se sobressai.

    Dividi o texto em duas partes, para quem quiser pausar a leitura.
    1ª Parte – A Vida, é o vento
    A VIDA começa no útero materno, pela união de um gameta masculino e um feminino: o espermatozoide e o óvulo. A partir desse encontro, inicia-se uma rápida multiplicação celular, seguida pela diferenciação das novas células, cada uma tendo uma função específica, pois algumas irão formar as vísceras, outras os ossos, os músculos, a pele, etc. E para os humanos, assim o será por três meses. Virá, em seguida, o desenvolvimento daquele pequenino ser, cuja forma já é a nossa própria, que tão bem conhecemos. Durante nove meses iremos viver placidamente navegando no líquido amniótico, sendo nutridos pelo cordão umbilical que nos une à placenta, e essa, ao corpo da mãe. Mas, a vida intrauterina também tem o seu dia de “morrer”.
    Completada a evolução básica, o feto é expulso do conforto e da segurança intrauterina, consequentemente “morrendo” para aquela vida limitada. O nascimento é então a primeira das nossas duas mortes. Morremos para nascer numa nova vida onde nos caberá, como nova criatura, aprender a nos manter, a nos defender, a conquistar o que precisarmos e viermos a desejar, por nossos próprios meios. Aprendizado longo, que basicamente necessita da assistência dos pais, depois dos mestres. Em etapa mais tardia, de nossa própria experiência – a nova mestra –, que vai se ampliando conforme as características genéticas que recebemos, associadas à nossa vontade e esforço para aprender e desenvolver.
    Desde que deixamos a placidez intrauterina, já estaremos aptos a passar por uma nova morte, que será a segunda, e definitiva. Falo da morte corporal, pois mortes emocionais e psicológicas, essas são ilimitadas e quase sempre superáveis, ocorrendo ao longo de nossa existência sempre que passamos por alguma perda. Somos, portanto, seres para a vida, simultaneamente para a morte. Esse é o nosso ciclo natural. Contudo, utilizando os muitos dons que recebemos durante nossa formação intrauterina, e que continuaremos a receber e desenvolver durante esse tempo que se convencionou chamar de “vida”, alguns, aliás, muitos, passaram a buscar e desenvolver meios para que aquela segunda e definitiva morte fosse vencida, sonhando com uma ilusória duração infinita para a “vida”. São eles os “cientistas”, muitos recebendo alentados financiamentos para tentar preservar infinitamente a vida de seus investidores. Por enquanto, descobriram e construíram muitas coisas que vêm prolongando razoavelmente o tempo vital, mesmo que ainda não tenham conseguido manter a sua melhor qualidade durante todo o tempo extra que vêm conquistando. Os mais extremados criaram uma sociedade chamada Criogenia, em torno de 1982, para conservar congelados órgãos e corpos para uma imaginada reanimação quando houver cura para as doenças que os levaram. Todavia, segundo outros “cientistas” que também existem, os humanos já vêm com um tempo médio de durabilidade possível. Esse tempo gira em torno dos 130 a 150 anos, não mais.
    Mas, voltando à vida, no ano 1665, Robert Hooke desenvolveu a “teoria celular”. No século XIX, outros cientistas, como Sheiden, Schwann e Virchow, com base em muitas pesquisas e conforme essa teoria, afirmaram que os seres vivos são formados por células, que por sua vez só se formam a partir de outras células. Conclusão bem expressa na frase clássica: “Omnis cellula ex cellula”. Portanto, até hoje, pelo que sei, nenhum cientista conseguiu criar uma célula completa, totalmente do nada. Por isso a vida, especialmente a humana, é impossível ser criada do nada, em qualquer laboratório. Um desafio profundamente incômodo para quem não acredita num Criador, não só das células, como dos átomos e da vasta diversidade de seres vivos, e de tudo o mais que existe no universo.
    Desse fato, podemos deduzir que a vida – a humana em especial – é algo muito precioso, e que necessita de todos os cuidados, respeito e admiração. Contudo, mesmo atribuindo a ela como costumamos fazer, uma fortaleza incrível, uma resistência admirável, sua fragilidade é enorme, e sem igual. Por isso, vejo a vida, como o vento. Quando sopra forte, ganha o nome de furacão. Derruba árvores, casas, e nada há que o contenha. Todavia, na mais das vezes ele é suave, contínuo e precioso. Não o enxergamos, assim como não enxergamos a vida. Sabemos que ele está presente pelas suas manifestações, seja no balanço e no voo das folhas, na dança dos galhos, na graciosidade dos pássaros a voar, e no rolar das ondas do mar. De forma semelhante, sabemos que a vida está presente quando vemos alguém se movimentando, falando, construindo, criando. Mais intensamente, quando nos abraçamos, quando nos acariciamos. A vida se manifesta, mas não a vemos concretamente. Não conseguimos tocá-la, segurá-la, dominá-la. Por isso mesmo, jamais poderemos controlá-la, submetê-la à nossa vontade. Até quem está inconsciente, em coma profundo, tem a vida pulsando em si. Quando ocorre o último bruxulear da chama vital, vem a morte. Inevitável e irreversível.