Humberto Correa
Professor Titular de Psiquiatria da UFMG, Membro Titular da Academia Mineira de Medicina, Presidente da Associação Mineira de Psiquiatria, Presidente das Associações Brasileira e Latinoamericana de Prevenção do Suicídio.
Os seres humanos convivem desde sempre com doenças infecciosas, mas a globalização e o avanço tecnológico permitem agora a rápida disseminação tanto dos patógenos quanto das informações. O COVID-19 foi reconhecido como pandêmico. Além da gravidade dessa infecção, somos ainda bombardeados com informações dúbias, às vezes até deliberadamente falsas, acerca de fatores relacionados com a sua transmissão, sua origem geográfica, número de infectados, sua taxa de mortalidade, tratamentos eficazes ou não, sem falar da politização de tudo acima, contribuindo para gerar ansiedade e insegurança em toda a população.
Vivemos tempos de medo e de incerteza. Nesses momentos em que sentimos que nossa própria vida, ou de nossos próximos, está ameaçada, temos a tendência a negligenciar a saúde mental, com a falsa crença de que ela pode esperar. Ledo engano. A saúde mental é o pilar de nossa vida, de cada um, individualmente, e de todos nós enquanto sociedade e humanidade.
O medo é uma resposta adaptativa de defesa que envolve vários processos biológicos e psíquicos, preparando o indivíduo para lidar com uma situação ameaçadora. Entretanto, quando ela é crônica ou desproporcional, torna-se prejudicial, aumentando o estresse e a ansiedade e sendo origem de várias doenças psiquiátricas, intensificando os sintomas das doenças pré-existentes. Resultado: durante epidemias o número de pessoas cuja saúde mental é afetada tende a ser maior do que o de pessoas afetadas pela própria infecção. Some-se a tudo isso a quarentena, fundamental nesse momento para o gerenciamento dessa crise sanitária e para salvar muitas vidas, mas, o ser humano, animal social por natureza, sofre com esse isolamento social que cobra também um preço para sua saúde mental. O isolamento gera estresse aumentado o risco de adoecimento mental, como estresse pós-traumático e outros. Precisamos estar preparados, agora e nos próximos meses ou anos, para lidarmos com os efeitos psíquicos dessa quarentena, isolamento social, perdas e lutos.
Preocupação especial deve ser dada à saúde mental dos profissionais de saúde e médicos que estão atuando diretamente no enfrentamento do COVID-19. Não somos heróis, muito menos deuses, mas seres humanos, com os mesmos medos e inseguranças de todos. Estudos mostram que em situações ditas “normais”, médicos já têm mais depressão, mais dependência química e suicidam mais do que a população geral. Nesse momento de risco de contaminação, de estresse, sobrecarga de trabalho, a saúde mental tende a se fragilizar.
Finalmente, não nos esqueçamos dos pacientes psiquiátricos acometidos de doenças mentais graves, que nesse momento estão em maior risco de entrarem em crise, e que, além de serem do grupo de risco para COVID-19 poderão não ser capazes de entender ou cooperar com a necessidade de isolamento e quarentena. Tais pacientes certamente necessitarão de mais leitos de internação em ala psiquiátrica, muitas vezes em enfermarias em condição de isolamento. Diminuir o número desses poderá fazer com que essas pessoas se tornem um possível foco de contaminação da doença.
Pelo descrito acima vemos com imensa preocupação a notícia do fechamento do tradicional Hospital Galba Velloso, bem como de seus atendimentos de urgência e emergência.O argumento da administração é de que esses leitos serão usados para o atendimento do COVID-19. Serão mesmo? Trata-se de um antigo hospital, com mais de sessenta anos, criado para fins de tratamento de doenças mentais. Transformar essa estrutura para receber pacientes clinicamente graves, infectados pelo COVID-19 demandará muitos recursos financeiros e muito tempo. Quando atual pandemia do COVID acabar, provavelmente essas obras ainda nem estarão concluídas se é que serão mesmo iniciadas nesse momento.
Corremos o risco de desassistir nossa população em termos de sua saúde mental, e por nada! Não precisamos e não devemos fechar leitos psiquiátricos e serviços atualmente funcionando e que são essenciais nesse momento de crise. O Brasil já tem, aliás, indicadores em termos de necessidade de leitos psiquiátricos por habitante muito abaixo do que é recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Esses pacientes que são vítimas, além de suas doenças, de um estigma milenar, são a parte mais frágil de nossa sociedade. Temos a obrigação de protegê-los, e ainda mais agora! Nesse momento de medo e de incertezas a saúde mental de todos deve ser preservada. Temos que ter serviços de saúde mental que ajudem nossa população a, não só passar por esta crise, mas também que a ajude nos curto, médio e longo prazo a se reconstruir na fase pós-pandêmica. Precisamos, ao mesmo tempo, de políticas públicas para o enfrentamento do COVID-19, e também de todas as suas repercussões atuais e futuras na saúde mental de todos nós.
A saúde mental não pode esperar!