Por Evaldo D´Assumpção
Em tempos tão conturbados como os que vivemos atualmente, enfrentando constantes conflitos em relacionamentos, nas atividades domésticas e profissionais, temos necessidade de desenvolver alguns instrumentos interiores para manter uma razoável qualidade de vida.
Num mundo dominado pelos meios de comunicação, sejam eles tradicionais, sejam eles as redes sociais, somos confrontados com incoerências, informações sensacionalistas ou falsas, que nos deixam sem chão e sem opção, caso nos deixemos levar passivamente por elas.
Diante dessa realidade que não temos como modificar, podemos, entretanto, desenvolver e aplicar alguns instrumentos a que chamo de interiores. Cito três, que acredito serem dos mais importantes.
O primeiro é o DISCERNIMENTO, que é a nossa capacidade de, ao nos defrontar com o mundo de informações, selecionar o que é saudável para a nossa qualidade de vida, procurando e conseguindo distinguir o que é real e o que é útil, separando-os do que não nos traz satisfação genuína, nem crescimento mental, emocional e espiritual, essenciais à nossa paz e felicidade. Ele também nos ajuda a identificar o que são mentiras deslavadas, porém mostradas como verdade. Permite-nos reconhecer o que induz a erros, a julgamentos precipitados e injustos, e como consequência, levando-nos a assumir atitudes, por vezes radicais, e das quais certamente nos arrependeremos mais à frente. Finalmente, ele nos ajuda a selecionar criteriosamente o que de fato contribui para a nossa harmonia, para nosso equilíbrio emocional, e para a melhoria de nossa qualidade de vida. Em outras palavras, o que nos faz felizes e satisfeitos conosco, deixando-nos uma condição saudávels de bem estar.
O discernimento é um dom, e uma arte que podemos e devemos cultivar. Isso se faz com muita leitura, muita reflexão, muita conversa com pessoas qualificadas e, sobretudo, com muita observação das coisas que acontecem ao nosso redor. Por isso, creio poder afirmar que um dos maiores inimigos do discernimento são as chamadas redes sociais. Paradoxalmente, se as soubermos utilizar, são instrumentos úteis para aprimorarmos esse dom, para melhorar nossos conhecimentos. Mas é preciso muita cautela, pois são exatamente elas as maiores condutoras de informações falsas e indução a julgamentos errados e precipitados. Considero-as inimigas, quando se tornam elemento dominador de nossa vida. Há pessoas que não se desligam um só momento de seus aparelhos eletrônicos onde as acessam. O chamado smartphone, pela sua portabilidade é o mais perigoso. Por ela, torna-se onipresente na vida de muitas pessoas, que onde vão o levam consigo como parte inseparável do seu corpo. Permanentemente de olhos colados em sua tela, correm riscos quando dirigem veículos ou caminham pelas ruas, além dessa utilização contínua ser prejudicial à visão. Mais prejudicial ainda, o é para os relacionamentos familiares e profissionais. Pelo seu uso compulsivo – reconhecido pelos psiquiatras e psicólogos como um vício de difícil tratamento, chamado “nomofobia” –, afastam-se dos relacionamentos sociais, reduzem enormemente o importantíssimo diálogo familiar, não conseguem tempo para boas leituras, e o que é pior: os têm como fonte essencial e até exclusiva de informações sobre os acontecimentos sociais, políticos e existenciais, sem qualquer critério seletivo.
Forma-se assim um círculo vicioso, onde seu discernimento fica bloqueado, e na sua ausência, tudo o que recebe, assimila. As informações que se multiplicam em frações de segundo, não lhes deixa tempo sequer para avaliar adequadamente o que recebem. A isso se soma uma ridícula necessidade de retransmitir, sem qualquer avaliação crítica, e às vezes até sem ler toda a mensagem, tudo o que recebe, muitas vezes se tornando um propagador de notícias falsas.
O outro, é o DESTEMOR. Que está bem expresso na frase tão frequentemente encontrada na Bíblia: “Não tenhais medo!”. Contudo, muitas pessoas o confundem com ser afoito, impulsivo, até mesmo agressivo. Mas isso não é o seu verdadeiro significado, que é melhor expressado por “coragem, com prudência”. Destemor é o oposto da covardia, da pusilanimidade. Se com o discernimento distinguimos o melhor caminho a seguir, o destemor é que nos leva a trilhá-lo. Contudo, não de forma irresponsável, inconsequente. Com o destemor enfrentamos as dificuldades que a vida nos apresenta, fazendo-o com sabedoria e no momento oportuno, sem nos prejudicar, tampouco prejudicando voluntariamente, a outrem.
Chegamos então à RESILIÊNCIA. Essa palavra define a capacidade que alguns materiais possuem de, quando submetidos a algum estresse, ter a capacidade de voltar à sua forma anterior, uma vez cessada a pressão a que foram submetidos. Como ocorre com as molas de aço. Aplicando-se esse conceito aos humanos, a resiliência é algo que se forma desde a infância, mas podendo e devendo ser aprimorada e fortalecida ao longo da vida. Com essa qualidade, somos capazes de passar por situações estressantes, que uma vez ultrapassadas, não nos deixarão deprimidos, abatidos, inertes, desmotivados, como geralmente se fica. A perda de um emprego, a ruptura de um relacionamento sentimental importante, que se supunha seria duradouro, a decepção com um amigo, um sócio, um parceiro no qual confiávamos, e até a morte de uma pessoa querida, tudo isso são situações em que devemos aplicar, tão logo cesse o impacto inicial, nossa resiliência.
Certamente alguns dirão que na prática isso não é fácil. E concordo, pois realmente não é, se não tivermos consciência de que essa capacidade existe em nós, e que nos cabe exercitá-la e aplicá-la quando necessária. A vida é cheia de obstáculos e dificuldades, mas como cantou Gonçalves Dias em seu poema Canção do Tamoio: “A vida é luta renhida, que aos fracos abate, e aos fortes, só faz exaltar…”
Discernimento, destemor e resiliência, é a tríade que nos permite ser vencedores, realizados e felizes, num mundo tão áspero e competitivo como no que estamos vivendo.