Queridos colegas formandos de 1948 e seus familiares.
Mais uma vez, tenho a honra e a alegria de, em nome da Associação Médica de Minas Gerais e da Academia Mineira de Medicina, sob as bençãos de São Lucas, padroeiro dos médicos, homenagear os ilustres colegas que completam 50 anos do seu juramento a Hipócrates, o pai da Medicina. Esta homenagem de maneira comovida se estende também àqueles que o sempre indecifrável destino não permitiu que aqui estivessem presentes, deixando entretanto a terna saudade que mantém unidos em espírito os 74 amigos que em 1948 iniciaram a fantástica jornada que é a vida de um médico.
Lembranças.
Minha relação com esta turma é bem antiga.
Em 1947 minha família mudou-se para velho casarão na Rua Rio Grande do Norte, onde, para minha felicidade, ainda reside minha mãe. Ali, ainda menino, fui envolvido pela aura de mistério e magia que a proximidade com a Faculdade de Medicina trazia ao então Bairro dos Funcionários e também Bairro de Santa Efigenia, em especial para nós vizinhos de repúblicas de estudantes de medicina que transitavam para lá e para cá com seus longos aventais e grossos livros sob os braços. Admito que invejava aqueles rapazes, donos do mundo, livre trânsito nas pensões-sanatório, nos hospitais da redondeza, sempre solicitados pela vizinhança. Eu os enxergava como deuses.
Lembro-me bem desta turma de 48 , pois em um dos jornais da época, Folha de Minas, salvo engano, foram publicadas caricaturas dos formandos com versículos a respeito de cada um, onde logo identificamos alguns que eram nossos vizinhos, duas casas abaixo, e fomos nós, garotos da rua, levarmos a eles os jornais. Não seria capaz de lembrar-me deles. Quem sabe! Vim a saber recentemente que o caricaturista era um dos recém formados, Konstantino Christoff Raeff, este talento amante das cores e da figura humana que se impôs ao exigente meio artístico mineiro, e o espirituoso poeta outro colega Leão Cabernite, ambos ainda hoje, talvez presentes nesta sala, com saúde e arte para contar a história.
Alguns nomes.
Citar nomes é sempre difícil porque sempre falta alguém. Citar todos impossível. Cada um daria um livro. Mas um fato da vida de cada um seria bom. Quem sabe se no próximo ano cada um se levanta e fala um pouquinho de si? Que riqueza!
Acho importante lembrar alguns. Dá mais força à homenagem. Citarei os que de perto cruzaram meu caminho. Por sua menção teremos idéia da eterna juventude de espirito e da grandeza desta turma.
Alonso de Ávila partiu precocemente, deixando em Araxá o exemplo de competência e desprendimento que sempre nos encantou.
Antonio Canaan, mestre da anestesia, cuja arte já nos serviu por várias vezes.
Arnaldo Elian, nosso professor de semiologia, nosso confrade na Academia, introdutor da moderna cardiologia em Belo Horizonte. Ensinou à minha geração que o eletrocardiograma não era um hieroglifo indecifrável.
Cid Wildhagen Figueira, particular amigo, morte prematura, deixou-nos, com sua dedicação ao Julia Kubstichek, a maior escola de cirurgia torácica do paiz.
Dulio Spadano, cirurgião polivalente , energia e capacidade administrativa, honrou-nos por várias vezes com sua confiança.
Er Torres, renomado urologista . Onde está seu segredo, com seu porte de adolescente e seu cabelos ainda escuros ?
Francisco Alves dos Reis, também confrade na Academia, referência nacional na gastroenterologia, grande clientela, cultura impar.
José Barbosa, nosso professor de Medicina legal , otorrinolaringologista de grande competência.
José Maria Magalhães, querido amigo, médico sábio e caridoso, político corajoso, administrador transparente, de raras qualidades. Honrou-me sobremaneira com sua confiança quando Presidente do IPSEMG nomeou-me Chefe da Clínica Angiológica daquela prestigiosa Instituição.
José Pinto Machado , lider da medicina preventiva em Belo Horizonte, grande prestígio entre os estudantes , Diretor da Faculdade de Medicina e Secretario de Saúde . Talvez não se lembre. Teve grande influência na posição que hoje ocupo na Faculdade.
José Rodrigues Lóes, o sagaz coordenador de eventos. Colega de especialidade, foi um grande colaborador do Prof. Orsini em nosso curso de dermatologia trazendo da Alemanha as novidades do Carbogênio para o tratamento das úlceras de estase.
Marcio Vilela Aroeira, não mudou nada. É o mesmo elegante professor de histologia e um dos pioneiros da Angiologia em Belo Horizonte
Maurício de Faria Becker, como te admiro, pela sua bondade, sua competência , sua extraordinária capacidade de trabalho aliada a uma vida familiar modelar.
Miguel Dias Jorge, fraternal amigo, referência nacional da dermatologia. Iniciou recentemente mais um capítulo de sua vida como médico no serviço municipal de saúde em São Paulo. Não compareceu hoje pelo seu compromissos com o Palmeiras, time do seu coração, onde é médico há várias décadas. Ao telefonar-lhe há dias, informando-me que infelizmente não viria, plagiou Gonçalves Dias: “Não irei! Minha Terra tem Palmeiras!”.
Odilon de Melo Filho, endoscopista, companheiro e grande amigo do Hospital Borges da Costa.
Petronio Monteiro Boechat, o mago da anestesia. Que perícia! Numa fanfarronice própria do seu espírito alegre, servia cafezinho aos pacientes logo após longas cirurgias. Deixou-nos precocemente também.
Lembranças e saudades.
Sei que terão saudades dos tempos românticos da anatomia do Neves, das aulas de histologia do Geninho, do gênio Baeta Viana, da enciclopédia falada chamada Bogliolo, da semiologia matemática do Melo Campos, da argúcia do Cançado, do esmero semiológico do João Gallizi, do academicismo do Caio Benjamin, do brilho do Hilton Rocha, do grande diretor Alfredo Balena, do elegante paraninfo Rivadávia Gusmão e tantos outros .
Sei que terão saudades da vidinha dura mas gostosa dos estudantes de medicina , os “flirts”com as futuras namoradas , a vida irreverente das repúblicas, o cineminha de fim de noite no cine Brasil e outras pequenas amenidades que dão encanto à vida.
Sei, me contou o Miguel, que a turma era muito unida e que faziam muitas excursões, até mesmo no exterior. Certa vez conseguiram do Arcebispo de Belo Horizonte uma estadia de 8 dias no Palace Hotel de Poços de Caldas. O pretexto fora a realização naquela aprazível cidade de um Congresso Eucarístico Nacional. E lá foram os piedosos estudantes de medicina rezar durante oito dias nas águas bentas e sulfurosas da piscina do Grande Hotel.
Privilégio.
Assim falou recentemente Frei Prudente Nery, da Pompéia: “Porque não ficamos aí, para sempre felizes, na posse do que temos e no deleite do que somos?”.
Não foi assim para a turma de 48. Parar nunca seria o caminho. Continuar, progredir, servir até o fim, é a resposta destes médicos privilegiados.
Porque privilegiados?
Privilegiados porque foram chamados para a medicina.
Privilegiados porque entenderam em sua plenitude as responsabilidades deste chamamento que diríamos divino.
Privilegiados porque tiveram força e determinação para não esmorecer diante das dificuldades.
Privilegiados porque tiveram a oportunidade de servir ao seu próximo.
Privilegiados porque sobrevivem à própria glória.
Privilegiados porque um dia puderam jurar as regras do seu caminho.
Juramento.
No 8 de dezembro de 1948 encontraram-se vocês no Cine Brasil em alegre e emotiva festa de despedida do curso e início da vida profissional. Hoje aqui estão vocês em alegre e emotiva festa, não de despedida, mas de reencontro. Encontrando-se após meio século vocês reafirmam seus ideais . Em sua homenagem relembro seu juramento.
Prometo que ao exercer a arte de curar serei sempre fiel aos princípios da honestidade, da caridade e da ciência.
O espírito científico os tornou competentes. A caridade os tornou queridos. A honestidade lhes deu a invulnerabilidade perante a sociedade.
Penetrando nos lares os meus olhos serão cegos. Minha língua calará os segredos que me forem confiados, o que terei como preceito de honra.
O segredo profissional que poude torná-los confidentes. Poude permitir que as almas se abrissem para eles e, através da dor, lhes revelassem seus segredos .
Jamais me servirei da minha profissão para favorecer o crime ou corromper os costumes.
Souberam preservar a lisura deste poderoso documento que é o atestado médico, a isenção nos laudos periciais, a ponderação judiciosa na prescrição de drogas perigosas armas poderosas para a reputação dos médicos.
Se eu cumprir este regulamento com fidelidade goze para sempre minha vida e minha arte de boa reputação entre os homens. Se eu o descumprir ou dele me afastar, suceda-me o contrário.
Colegas de 1948.
Agradecemos pelo exemplo que suas vidas têm dado, contribuindo para que nossa sagrada profissão continue servindo aos nossos semelhantes com sabedoria, ética e caridade.
Em nome da Academia Mineira de Medicina e da Associação Médica de Minas Gerais felicito-os pelo seu qüinquagésimo aniversário de formatura. Conservem sua juventude de espírito para que possam durante ainda muitos anos oferecer aos necessitados o bem mais precioso que é a saúde.
Que Deus os abençoe.
Tenho dito.
Discurso proferido pelo Acadêmico Ernesto Lentz de Carvalho Monteiro
Por ocasião dos 50 anos de formatura da turma de 1948
15/10/1998
Presenteiam-me novamente os ilustres confrades com a subida honra de representá-los em mais uma solenidade : fazemos aniversário. 28 anos. Começamos a deixar a mocidade. Estamos amadurecendo. Já temos histórias para contar .
Amo as tradições e o respeito ao passado. Sem a análise dos insucessos , sem o aproveitamento do resultado das vitórias, jamais daremos passo firme e decidido buscando o bem. Das tradições mais prosaicas as mais comuns são as festas de aniversário: de nascimento, de namoro, de casamento, de formatura, de inauguração, de fundação, etc. Tem gente que não gosta. Esconde o fato. Não comemoram. Porque, pergunto eu. È tão bom compartilharmos uma conquista junto à família e aos amigos! É dia de revisão de vida, de meditação sobre o que realizamos, de planejamento para o futuro! Lembremo-nos do recente aniversário do nosso caro presidente Fernando. Que coisa gostosa aquela festa. Que presentão surpresa a Maria José e filhos deram a ele , permitindo que todos participassem com alegria sincera e amizade fraterna de uma grande homenagem a um grande homem.
Assim faz a Casa de Cícero Ferreira. Todos os anos abre suas portas para os amigos e junto deles festeja seu aniversário, alardeando suas conquistas, reverenciando a memória dos confrades que se foram, alegrando-se com os novos e sempre concedendo comendas a alguns colegas que por seu mérito se destacaram.
Farei um paralelo. Foi há poucos dias em outra festa de aniversário. Distinta senhora, tradicional gente mineira, completando 80 anos. À grande família se uniram alguns amigos especiais, quase irmãos, honra para nós. A solenidade da missa que foi celebrada, enfeitada pelas vozes de harmonioso coro, se harmonizava com a distinção dos convidados . Ali estava um modelo da nossa refinada cultura. Nas vestes, na vozes, no comportamento se refletia a serena beleza do povo das Minas Gerias. Em um momento da alegre pregação o celebrante falou com fé e esperança dos parentes falecidos, com especial atenção ao ilustre desembargador, esposo da agora viuva aniversariante. Enquanto falava o vozerio discreto de alguns jovens da nova geração se confundia com o alarido externo de crianças da novíssima geração que, alheios à cerimônia, davam o testemunho da continuidade da vida. Foi quase em um devaneio que me lembrei da festa que hoje celebramos e vi a semelhança que existia com o nosso amor à tradição, nosso respeito e reconhecimento aos confrades que se foram, nossa alegria pelos novos confrades, nossa busca incessante de cultura, nossa tenacidade ao enfrentar os desafios que se apresentam à nossa profissão, enfim, todo esse nosso jeito de ser.