CIDADÃO HONORÁRIO DE BELO HORIZONTE
Discurso Acadêmico José de Laurentys Medeiros
Discurso do Acadêmico José de Laurentys Medeiros ao receber o Título de Cidadão Honorário de Belo Horizonte.
Ao recebermos o honroso titulo de belorizontino honorário, agradecemos ao Vereador Carlos Becker a proposição do nosso nome. Vemos neste ato o reflexo de uma velha amizade nascida quando o Dr. Becker, estudante, freqüentou o nosso serviço e que se solidificou em diversas jornadas, a partir de então. Não temos dúvidas de que a estima de seus queridos pais, Drs. Mauricio e Diva Becker foi, também, decisiva e a eles tributamos o nosso respeito.
Somos gratos à egrégia Câmara de Vereadores, presidida nesta magna sessão pelo ilustre Vereador Carlos Becker que homologou a proposição do Dr. Becker, concedendo-nos o privilegio de nos tornarmos filho de uma cidade que há mais de meio século amamos com devoção.
Antecedendo as palavras que dirigiremos a nossa Belo Horizonte, solicitamos alguns minutos para reverenciar a cidade que nos viu nascer: Pará de Minas.
Na então pequenina cidade, cortada pelo Ribeirão Paciência, tendo suas ruas marcadas pela poeira e pelo barro, e com suas montanhas ainda verdes e suas encostas não invadidas pelo progresso, viemos ao mundo. Naquele cenário bucólico emergem duas personalidades que são a razão de tudo que somos, José de Almeida Medeiros e Luiza de Laurentys Medeiros. Meu pai, prematuramente, faleceu e minha mãe, com ardor e determinação, contando com o amparo permanente e generoso dos tios paternos e maternos, colimou seu ideal ver seu único filho diplomado, tendo assistido a várias de suas vitórias. A estes artífices de nosso triunfo nossa eterna gratidão.
Foi naquele ambiente tranqüilo que vivemos uma infância feliz e uma adolescência sadia.
Quando lá passamos, cada rua, cada esquina ou cada praça traz de volta reminescências de amigos e colegas do primário, do Ginásio São Geraldo, do grande educador Martin Cipren, do Colégio São Francisco, do Frei Lourenço, das horas de lazer no esporte, no centro literário Pedro Nestor e no “Footing” da Rua Benedito Valadares. “Footing” que era interrompido pelas badaladas da bênção do Santíssimo, quando todos em silêncio se voltavam para a velha Matriz da Mãe da Piedade, onde o legendário Padre Zeca nos batizou e ministrou-nos a primeira comunhão.
Na impossibilidade de declinar o nome de cada um, escolhemos para representar a saudade de todo o Pará de Minas o Dr. Murilo Sales, pioneiro da grande cirurgia no oeste de Minas, titular da Cadeira 85 da Academia Mineira de Medicina, que temos a honra de suceder. Também a lembrança da inesquecível professora Orozina Cecílio Mendonça que, mais do que nos alfabetizar, gravou em nossa personalidade, com carinho e com ternura, o amor aos livros e a disciplina no estudo.
BELO HORIZONTE
Aqui chegamos, em 10 de março de 1944 e fomos residir na colina de Lourdes, ao lado do Estádio do glorioso Clube Atlético Mineiro. Nossos amigos eram todos alvinegros, porém nosso coração já estava impregnado pelo azul estrelado do Barro Preto. Isto, entretanto, não impede nosso respeito admiração e amizade para com os nossos leais competidores, apenas no campo do esporte.
COLÉGIO MARCONI
Nosso destino foi áquele tradicional colégio, localizado lá onde a cidade terminava e de onde se via somente o matagal, hoje metamorfoseado nos elegantes Bairros da Barroca e Gutierrez.
O acesso se fazia por trilhas intransitáveis na estação chuvosa, cortando o terreno onde hoje se ergue o aristocrático Bairro de Santo Agostinho. Naquele templo do ensino, recebemos uma formação verdadeiramente universitária. De seus mestres guardamos lições preciosas e, para todos simbolizar nosso pensamento se volta para o excepcional prof. de química, Dr. Paulo de Andrade, um dos responsáveis pelo nosso ingresso na Faculdade de Medicina.
FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE MINAS GERAIS
No velho casarão da Av. Mantiqueira, que a insensibilidade destruiu, vivemos uma fase fundamental de nossa formação. Foram 6 anos de convívio e lições preciosas com os mestres da medicina e do humanismo. Ainda que todos não fossem dotados de didática invejável, a superação se fazia na ética na conduta no verdadeiro amor a profissão, projetando o exato caráter do médico. Se todos foram para nós muito gratos, um deles a todos simboliza: o querido paraninfo Professor Caio Benjamin Dias.
SANTA CASA DE MISERICÓRDIA
Visando ampliar os conhecimentos, em 1948, fomos levados aquela casa pelas mãos do Dr. José Malheiros Santos, nosso primeiro mestre a ensinar-nos como estudar medicina, respeitar e relacionar-nos com os colegas. Lá continuamos, decorridos 48 anos, sem jamais nos sentirmos atraídos pelo aceno de outras instituições. Seus corredores, às vésperas de um século de existência, encerram tradições. Tantas vezes injustiçada é o berço de duas faculdades de medicina. Dificilmente o médico diplomado em Belo Horizonte, deixou de freqüentá-la.
Figueiredo Mendes, ao ser empossado na Academia Nacional de Medicina, referiu-se à Rua Santa Luzia, onde se localiza a Santa Casa do Rio de Janeiro como uma porta aberta para a Medicina mundial. Por analogia ao pensamento do grande mestre diremos também que a Álvares Maciel, uma rua secular, está permanentemente aberta para os avanços da ciência.
A cada dia, ao transpormos os seus umbrais, um turbilhão de nomes impregna nossa memória. Entre eles agiganta-se a figura de João Afonso Moreira Filho que, com segurança e ciência, motivou-nos para a semiologia e a caridade para com os menos protegidos, parâmetros que nos guiam a cada dia.
FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS
Desde os primórdios de sua existência estamos ligados à casa de Lucas Machado. A partir de sua primeira turma estamos transmitindo um pouco do que sabemos aos jovens. A ela devotamos amor, carinho e desprendimento, visando unicamente o ensino e o exercício da missão médica.
Entre todos os mestres que ornamentam seu quadro, escolhemos para simbolizá-la o Prof. Regozino Macedo, que temos a honra de continuar na disciplina de semiologia.
ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE MINAS GERAIS
Quem será? Quem o sabe? São os fios dessa trama invisível. Que tecem a vida dos homens e dos povos. Uns e outros jamais escapam a esta ação misteriosa e inexorável – O DESTINO (Otávio Magalhães).
Quiseram os laços do destino que esta insigne láurea nos fosse outorgada nesta casa, por feliz coincidência no ano de seu cinqüentenário. Neste meio século, quase todo ele aqui vívido, testemunhamos sua história, suas lutas e tradições. Aqui vivemos grandes momentos e múltiplas emoções e, sobretudo, nossa afirmação profissional, além da grande amizade com os colegas de todo o estado. A série de nomes que poderiam representá-la é infindável, porém escolhemos, por dever de justiça, o primeiro e magno presidente: Professor Henrique Marques Lisboa.
ACADEMIA MINEIRA DE MEDICINA E INSTITUTO MINEIRO DE HISTÓRIA DA MEDICINA.
Forjadas no seio da Associação Médica, já se encontram intimamente ligadas ao nosso eu e relembramos os nomes dos ilustres mestres que foram os incentivadores de nosso ingresso nas mesmas: Professores Osvaldo de Melo Campos, Pedro Sales, Flávio Neves e Antonio Octaviano Ribeiro de Almeida.
As recordações e os nomes citados traduzem nosso estado de alma. Jamais olvidamos, em momentos de júbilo, aqueles que contribuíram para alcançarmos uma láurea, como ocorre nesta noite.
A gratidão é para nós o mais nobre dos sentimentos e nos segue a cada passo.
Emoldurando tudo que foi dito, centraliza-se a centenária Belo Horizonte, que a partir de agora, é também oficialmente nossa cidade, porque assim o quiseram os nobres edis, atendendo ao vereador Carlos Becker.
Belo Horizonte é para nós um símbolo transformado através dos tempos. Hoje, uma mega-metrópole, progressista, imponente e moderna, crescendo a cada hora em todos os cenários, porém crivada pela violência e as distorções que acometem as grandes cidades.
Em nossa memória é sempre revivida como aquela cidade serena e querida. Suas ruas eram emolduradas pelos fícus e outras árvores, até frutíferas, que lhe conferiam agradável aroma. Os bairros residenciais erguiam-se em planta baixa, os quintais eram ornados pelas jabuticabeiras, mangueiras e outras árvores. Suas noites eram silenciosas, marcadas pela boêmia sadia e até historias misteriosas, narradas por Pedro Nava, apaixonado historiador de seu tempo aqui vivido o silêncio era interrompido pelo ruído característico dos bondes. Belo Horizonte das festinhas familiares, das horas dançantes do Minas e DCE, onde, sob o olhar vigilante e a censura das mães, formavam-se os casais que iriam constituir as futuras famílias. As tardes de domingo eram alegradas pelo futebol, no estadinho do Barro Preto, Estádio Antônio Carlos ou na Alameda.
Estas são recordações que o tempo imortaliza, deixando, entretanto, as saudades daqueles dias, que constituem as raízes de nosso amor por esta cidade, amor esse, cuja expressão máxima é o honroso título hoje recebido.
PALAVRAS FINAIS
É no pensamento do grande Hans Popper, o patologista do século, que nos inspiramos para o epílogo. O grande mestre vienense, ao ser homenageado pelos seus 70 anos de idade, disse ter em Goethe o seu credo e no diálogo, em que Fausto permuta sua alma com o diabo em troca da juventude, a sua inspiração. Aquele momento, em que recebia a homenagem, coroando uma vida, dedicada à ciência era tão belo que, após agradecer ao Hospital Mont Sinai pelo apoio, aos familiares pelo amparo e amizade, e aos discípulos, razão de ser de seu crescimento, nada mais lhe interessava. Inspiramo-nos em Popper, divergindo na concepção. Se possível, pediríamos a Deus que parasse o relógio do tempo para nos deleitar um pouco mais com este momento. Ele passará como suave colorido de um fugaz arco-iris, deixando a saudade e a saudade é sinônimo de desejar viver de novo.
Nossa gratidão se expressa a todas as entidades citadas, aos assistentes de nossa equipe e demais colegas, com os quais convivemos dioturnamente, aos alunos de ontem, de hoje e, de Deus o permitir, de amanhã razão de ser de nosso crescimento profissional, e a todos os que, por caminhos diversos têm compartilhado da nossa caminhada. O agradecimento final é dirigido aos familiares: minha mulher, Maria da Penha, pela presença e, sobretudo pelas orações, alicerçadas em fé inabalável.
Aos filhos Júnior, Luiz Carlos, Fernando Antônio e Lúcio Flávio, noras e netos aos quais legamos a herança indestrutível da honradez, dignidade e correção, virtudes que foram atestadas pelos senhores, pelos amigos, pelos colegas e, agora, pelos ilustres vereadores. Saibam Senhor Presidente, vereadores, colegas, senhoras e senhores ser belorizontino é uma honra e uma glória que recebemos com indescritível alegria, emoção e felicidade e que nos acompanhará até o último momento da nossa vida.