Mesa Redonda “Aspectos da Saúde Mental” – Comemoração dos 25 anos da AMM

    MESA REDONDA: ASPECTOS DA SAÚDE MENTAL

    Acadêmico Joaquim Affonso Moretzsohn

    Proferida em comemoração aos 25 Anos de Academia Mineira de Medicina, em 20 de novembro de1995.

    Ao coordenador o presente simpósio sobre “Saúde Mental”, não cabe dizer que o assunto está na ordem do dia, porque este foi sempre o seu lugar: sempre presente, sempre em pauta.
    Sua aparente atualização resulta da abordagem político-ideológica por poderosas forças que distorcendo o componente político contido pela psiquiatria, pretendem sua interação às suas concepções, não levando em conta os demais aspectos da psiquiatria como especialidade médica.
    Assim, psiquiatras e para-psiquiatras dos estatizantes juntaram-se a leigos da mesma condição, e, conseguiram, por meio de conluios políticos, fazer promulgar lei sobre “Sofrimento Mental” (sic), que passou a ser conhecida como “Lei Carlão”. Nome, realmente eufônico, para comícios políticos, mas não para assuntos médicos, de todo estranhos àquele que lhe empresta o nome! Ah! Apeles: ne suter supra crepidam”.
    Lei estranha – quanto mais corrupto é o País, maior o número de leis “- inoportuna, promulgada numa época de grande desenvolvimento da terapêutica psiquiátrica, muito mais valiosa do que qualquer lei. Lei invasiva da ética médica e da ética hospitalar, ambas sujeitas ao “Tribunal Médico da categoria que é o Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais que, aliás, já condenou através da “Nota Oficial” de 31.3.95, cujo texto, entre outros itens, contem: 4° “ A Lei fere a autonomia do ato médico, desrespeita o médico psiquiatra, desconhece a responsabilidade profissional, e atinge os princípios do código de Ética Médica”.
    5° “A Lei ignora a realidade da assistência médica em Minas Gerais, e o papel normalizador e fiscalizador do Conselho Regional de Medicina”.
    Para completar a esdrúxula lei, traz, parece-me inspiração do leigo Clifford Beers com a terminologia “Sofrimento Mental” e não “Doença Mental” por ele recusada, mesmo sabendo que a sugestão vinha do médico William James!
    Agora, na condição de Coordenador deste Simpósio, trago à discussão, dois assuntos de autoria de dois psiquiatras, ambos, de marcante ação política, relacionada com a “Lei Carlão”.
    Todo ato psiquiátrico é um ato político “Boletim Mineiro de Psiquiatria”, agosto de 1982.
    Sabe-se que, embora, o espaço político seja o mesmo do filosófico, são eles fundamentalmente diferentes em termos de “polis”, para a política, e do “ser”, para o filosófico, este contendo, o diálogo, o monólogo, a solidão e a contemplação, o que conferem o caráter de perenidade – “perennis philosophia”.
    A sabedoria, o culto, rito e magia, contidos na entrevista psiquiátrica – “sua técnica fundamental “- fazem da psiquiatria descendente direta da filosofia, como aliás, já postulava o mestre Kant.

    2 – “Missão Cumprida”, “Risco”, Ed. Especial, 1995.

    A Lei não é anti–médica
    A Lei Não é – psiquiátrica
    A Lei não tem caráter ideológico
    A Lei não tem caráter estatizante
    A Lei não tem o poder de impedir pesquisas farmacológicas
    A Lei não extingue leitos psiquiátricos.!!!

    De negativa em negativa este verdadeiro ditirambo farisaico torna – se afirmativo! Deixando a descoberto seu rosto – verdade!…..

    Acadêmico Marco Aurélio Baggio

    Proferida em comemoração aos 25 Anos de Academia Mineira de Medicina, em 20 de novembro de 1995.

    A saúde mental é área da saúde pública sempre negligenciada pulos poderes governamentais, refletindo o temor e a aversão da sociedade ao doente e à doença mental. Como reação ao baixo índice de comoção que a patologia mental exerce sobre o poder político, é comum uma atitude contraposta, sobretudo por parte daqueles que se iniciam no trabalho com a doença psíquica instruída de forte idealidade.
    Entre a incúria oficial e a exaltação de militantes, o sistema de assistência psiquiátrica em nosso meio, evoluiu em consonância com os avanços e as conquistas acarretadas pela psicofarmacologia. Drogas antipsicóticas eficazes reduziram os estados de excitação psicomotores, dissolveram as manifestações delirantes e produtivas da psicose esquizofrênica, trazendo o ex-louco para o campo do convívio familiar e social. Drogas antidepressivas cada vez mais seletivas têm sido usadas para minorar o sofrimento de vastas populações de uma sociedade não solidária. Por fim tranqüilizantes têm servido de tamponamento, ainda que precário ao afloramento de patologia mais disruptiva em montantes expressivos da população.
    A par disso, os avanços notáveis no desempenho de atitudes psicoterápicas mais objetivas e eficazes por parte do profissional de saúde mental, tem contribuído para a melhoria de muitos clientes.
    Humanizou-se o acolhimento institucional e social do portador de doença mental.
    Novas patologias, contudo, aumentaram enormemente sua aparição e incidência. Alcoolismos, drogadictos personalidades borderlines e manifestações gratuitas de violência eclodirarn pelas nossas cidades, invadindo os serviços de saúde mental que não dispõem de recursos terapêuticas eficazes para abordar estes casos. Uma maré de idealização assomou, então, encobrindo deficiências de recursos materiais institucionais, epistemológicos sociais, políticos e psicofarmacológicos, com um discurso altissonante e desfocado.
    À prática asilar autoritária contrapôs-se proposta contestatória e libertária. Sob a influência de Basaglia a partir daquilo que aconteceu na assistência psiquiátrica na Itália constituiu-se movimento antimanicomial, de forte implicação ideológica. Lutar pela pura e simples extinção do inadequado manicômio é tarefa correta. O difícil será prestigiar e reforçar o hospital psiquiátrico, que sempre será necessito para prestar serviços psiquiátricos específicos. E mais difícil ainda será conceber, criar, por em funcionamento e manter novos serviços psiquiátricos, objetivos, rápidos, eficazes e com bom atendimento para todos.
    A lei 11.802, de 18 de janeiro de 1995 é fruto direto desta tendência.
    Há pelo menos cinco vertentes implícitas no texto e no espírito da lei. Uma ingênua quando propõe idealidades colocadas no lugar da utopia.
    “Poderes públicos cuidando…
    Centros de convivência…
    Lares e pensões protegidos..
    Controles acendrados sobre a prática do psiquiatra…
    Unidades psiquiátricas em hospitais gerais… ”

    Segunda, quando desconhece simplesmente a longa tradição de incúria de nossas autoridades de saúde, tentando delegar a elas o “dever” que certamente não aceitarão em seus ombros.
    A terceira vertente é positiva. Propõe reformulações conceituais pertinentes, aceitáveis hoje, pela comunidade de estudiosos do campo psíquico, como moeda de bom valor.

    Respeito e dignidade no nato com o doente.
    Atendimento pronto e eficaz de emergências.
    Ênfase nos tratamentos ambulatoriais.
    Curtos períodos de hospitalização.
    Promanar reinserção sadia do paciente mental.
    A quarta vertente propõe modos, práticas e avanços nos sistemas de Prestação de serviços psiquiátricos, ao usuário, de maneira perfeitamente possível.
    Humanização do trato do doente.
    Restrição da violência ao estritamente necessário para conter a
    destrutividade do paciente.
    Diminuição do preconceito em redação á patologia mental e à pessoa do doente.
    Mas é a quinta vertente a que me parece basilar. Justamente porque é virtual. A Lei 11.802 não prevê fontes orçamentárias de recursos financeiros próprios. Trabalha como se os parcos recursos disponíveis pudessem ser, de alguma forma fácil, retirados de onde são gastos e passassem a fluir para as propostas novas. Isto tem baixa possibilidade de vir a acontecer. Sem dinheiro fluindo, bastante, de forma estável e contínua para irrigar e fecundar os projetos da Lei, esta corre o risco de tomar-se letra e intenção volátil e ineficaz. A distância entre intenção e gesto é a maldição que esteriliza a coisa pública no Brasil.
    Boas intenções e idealidades como pavimento não suportam a erosão do tráfego da realidade.
    Uma última apreciação. Nosso Estado, mineiro, brasileiro, só funciona só decide, In extremis, sob pressão e casuisticamente. A prioridade do Governo, no Brasil, é arrecadar para pagar juros ao capitalista e socorrer os banqueiros. Acumula-se a divida social brasileira – entre elas o desleixo com a saúde mental da população, que tem seu psiquismo atacado diariamente, por indignidades, por destituições de cidadania e por irritações inúteis.
    O Brasil de Fernando Henrique e de Eduardo Azeredo, mesmo iluminados pelo ideário do PSDB, não demonstra apetite político e capacidade de cuidado da coisa pública a nível do detalhe que seria necessário para implantar serviços modernos, fazê-los desabrochar e dar-lhes condições de manutenção ao longo do tempo. O Brasil está assomado de preocupações e prioridades liberalizantes, que mantêm o melhor governante enredado numa teia viscosa de tráfico de poderes. O Brasil este portentoso monumento à negligência do cuidado social de seu povo, configura uma patologia social e política que mói e desgasta as frágeis estradas pavimentadas da boa intenção.
    Assim a Lei 11.802 decretada e regulamentada, mas ainda não promulgada, portanto, mantendo-se no limbo daquilo que poderá vir a vigorar, no meu entendimento de trinta anos de prática psiquiátrica cerrada já nasceu cansada, desgastada trazendo em seu bojo excesso de controvérsias. O peso de urna ideologia já amplamente superada pela realidade social hoje, vigente no afundo, será a marca de insuficiência da Lei.
    Seu espírito é fiscalista, preocupado mais em exibir as penas da lei do que promover o bom trabalho de atendimento, seu tempo está fortemente contingenciado pelo passado, mais que aberta à luminosidade do porvir. Sua forma é nitidamente, documental, burocratizante. A tonalidade afetiva que perpassa a lei é primária de natureza esquizo-paranóide. Sua aposta é na denúncia da atividade do agente principal da atividade psiquiátrica. Sua atitude é, basicamente, intimidadora quando deveria ser propiciadora e promotora de ações positivas de saúde psíquica. Curioso, conto centenas de jovens profissionais que se encontram longe da percepção disso.
    A partir do anual texto da Lei 11.802, com certeza poderíamos elaborar uma lei de muito mentor qualidade. Ainda é tempo? Ou prevalecerão as pequenas paixões políticas?

    Dr. Paulo Saraiva

    Proferida em comemoração aos 25 Anos de Academia Mineira de Medicina, em 20 de novembro de 1995.

    ASSISTÊNCIA AO DOENTE MENTAL

    As tentativas frustradas de desativação dos hospitais psiquiátricos em diversos países têm demonstrado que, pelo menos em certos casos, tais estabelecimentos permanecem úteis e até mesmo indispensáveis à recuperação do doente mental. A experiência de todos os dias nos mostra que a simples remoção do paciente do seu ambiente sócio-familiar para o hospital já contribui para melhoria do quadro por ele apresentado.
    Laing não deixava de ter razão quando afirmava que o psicótico era o elo mais fraco de uma cadeia formada por outros pacientes, representados pelos seus familiares. Assim, em muitos casos, não tem sentido afirmar que estes devem estar sempre ao lado de seu parente durante o tratamento. Freud comparava a análise a uma; operação cirúrgica, durante a qual a família do cliente cospe no campo operatório. E Kubie diz que tratar o doente mental sem afastá-lo dos seus familiares é o mesmo que medicar pacientes portadores de malária junto aos pântanos onde contraíram a doença.
    Outro aspecto discutível é o da alta precoce, bastante preconizada pelos atuais reformadores da assistência psiquiátrica hospitalar, tendo em vista que o psicótico, embora melhorado, nem sempre se acha ainda suficientemente forte, psiquicamente, para enfrentar um ambiente que contribui para adoecê-lo.
    No hospital, o paciente não deve ser tratado como uma criancinha desamparada. Nem como um velho desvalido, mas como uma pessoa como nós, apenas necessitada temporariamente de ajuda médica e psicológica. O próprio Pinel, que passou à história da psiquiatria como libertador dos doentes mentais, punia os que desobedeciam, mentiam e furtavam, os quais eram isolados e contidos. Em certas instituições, os pacientes que não cumprem os horários das refeições simplesmente deixam de fazê-las. Por outro lado, os que se comportam de acordo às normas hospitalares são recompensados com fichas que depois podem ser trocadas por certas regalias (token ecnnomy).
    O tratamento em regime ambulatorial pode ser recomendado para alguns pacientes, mas é sabido que em tais casos apenas 50% deles, fazem uso regular da medicação que lhes é prescrita. Além disso, com a unificação dos institutos, em 1966, passaram a freqüentar os ambulatórios principalmente os trabalhadores não qualificados, chamados por Marx de lumpemproletariado, muitos dos quais lá comparecem apenas com o objetivo de conseguir guias de internação hospitalar e consequentemente afastamento do trabalho, mesmo não sendo portadores de qualquer quadro psiquiátrico.
    As enfermarias psiquiátricas em hospitais gerais, preconizadas por muitos adversários dos hospitais, seriam uma boa opção se a prática não tivesse demonstrado que o tratamento realizado em tais enfermarias nem sempre é de boa qualidade, sem falar na fuga de muitos pacientes.
    Nas comunidades terapêuticas os pacientes convivem socialmente, como se não estivessem fora das sociedades de que foram afastados depois de adoecerem. De qualquer forma trata-se de um ambiente artificialmente criado, diferente daquele que devem enfrentar após obterem alta. No fundo, é apenas modalidade, embora mais humana e sofisticada, do tratamento asilar.
    A psicocirurgia, estágio atual da leucotomia pré-frontal, criada em 1935 pelo neurologista português Egas Moniz, teve suas indicações bastante reduzidas, após a introdução da eletroconvulsoterapia em 1938 e, principalmente, dos psicofármacos, a partir, a psicocirurgia ainda pode e deve ser indicada em casos resistentes às referidas terapêuticas, não havendo motivo para proibir a sua prática, sob a errônea alegação de tratar-se de método medieval de tratamento, que reduz os pacientes a simples robôs.
    Também, contra a eletroconvulsoterapia vêm se levantando ondas de protesto, chegando alguns a afirmar que sua prática provoca lesões cerebrais irreversíveis, o que não foi confirmado por exames sofisticados, como a ressonância magnética. Além disso, em casos de depressão grave, com risco de suicídio, é o tratamento de eleição, e inúmeros pacientes seriam salvos do auto-extermínio se a ele tivesse sido submetidos.
    Fala-se também em coibir o uso dos métodos de contenção dos pacientes, principalmente as camisas de força. Ora, em mais de meio século de formados nunca tivemos oportunidade de ver entre nós pacientes assim contidos, mesmo quando isso era praticado no exterior, como tivemos oportunidade de verificar no Hospital Bellevae de Nova Iorque, em 1951.
    Em resumo, esses pretensos reformadores da assistência psiquiátrica se parecem bastante com um famoso antropólogo que escreveu várias obras sobre povos selvagens que nunca havia visto. Quando alguém estranhou o fato, ele simplesmente respondeu: “Nunca vi e tenho fé em Deus que hei de morrer sem ver”.

    Dr. Oscar Resende de Lima

    Proferida em comemoração aos 25 Anos de Academia Mineira de Medicina, em 20 de novembro de 1995.

    A LEI 18. 802/95 (Lei Carlão)

    Apoio metas da lei merecedoras de generalizado apoio. Julgo o método inadequado, nascido da ilusão juspositivista de que leis escritas possam, de per si só, assegurar transposição de obstáculos e solução de problemas.
    Leis escritas oriundas de tais ilusões desrespeitam íeis naturais, mutilam e destrói vidas, como o jardineiro levado pela crença ilusória de que sua atividade seja suficiente para o jardim prosperar. Ele se excede na jardinagem, desrespeita leis naturais do crescimento vegetativo, mutila e mata plantas por ele desejadas viçosas e floridas.
    Joaquim Afonso Moretzsohn qualificou a lei de “invasiva da ética médica”, no artigo Psiquiatria “IN CAUSA” (Estado de Minas de 08.02. 95).
    O Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais diz, em nota oficial de 31 de março de 1995, que a lei Carlão fere a autonomia do ato médico. Tanto basta para nós médicos não podermos cumprir tal lei, sem infringirmos a ética, enquanto perdurar essa opinião do conselho regional sobre a lei Carlão em face do Código de Ética Médica promulgado em 8 de janeiro de 1988, que estipula no artigo 8° (princípios fundamentais): “o médico não pode, em qualquer circunstância e sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho”.
    Dos artigos da lei Carlão, restritivos da autonomia do ato médico, por proibirem ou dificultarem proibitivamente algumas modalidades terapêuticas, escolho o artigo 6° como alvo de mais demorado exame. Poderei assim sair de generalidades e oferecer aos ouvintes informações específicas relacionadas com a saúde mental e a psiquiatria mineira.
    O artigo 6° proíbe psicocirurgia. A clientela mineira é tão numerosa entre os clientes de psiconeurocirurgiões paulistas que um destes chegou a declarar, em reunião de médicos, exultantemente, que Minas Gerais tinha descoberto a psiconeurocirurgia paulistana. Em outras oportunidades, querendo contestar criticas desfavoráveis, invocou bons resultados da psiconeurocirurgia na clientela mineira. Cheguei a comentar, lembrando-me de Aires da Mata Machado Filho, que tais bons resultados eram certamente devidos a etéreas influências de serranias mineiras, porque os resultados em São Paulo eram muito diversos.
    Amostra dos obtidos em São Paulo acha-se em tese de doutoramento de médica da Divisão de Neurocirurgia Funcional do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde se fazem psiconeurocirurgias. De onze pacientes – lê-se na tese – para os quais tinham sido recomendadas intervenções psiconeurocirúrgicas como tratamento antidepressivo, somente dois obtiveram bons resultados terapêuticos, precisamente os que haviam rejeitado psiconeurocirurgia e tinham recorrido a outros tratamentos. Nenhum dos pacientes operados recuperou a saúde, nenhum obteve bom resultado. Um dos submetidos a psiconeurocirurgia demenciou.
    Vejamos agora exemplo dos resultados da psiconeurocirurgia em pacientes mineiros, de acordo com informações enviadas de Minas a São Paulo, para serem usadas como defesa de um dos psiconeurocirurgiões, e de acordo com documentos hospitalares a que tive acesso.
    A paciente, deprimida, fizera durante muitos anos tratamento sem resultado satisfatório. Depois iria a São Paulo, submetera-se a psiconeurocirurgia (cingulotomia, inominototomia). No dizer do psiconeurocirurgião, ela se recuperara completamente.
    Ele apresentava documentos chegados de Minas, segundo ele comprobatórios da completa recuperação. Vejamo-los.
    Carta do pai da paciente dizia que cingulotomia estereotáxica e inominototomia haviam tido êxito total, que a recuperação da filha fora completa e que ela vivia então como qualquer pessoa normal.
    Carta de doutor fulano esclarecia que a paciente não era mais escrava de seu destino.
    A paciente, em carta, afirmava que lhe fizera muito bem o tratamento psiconeurocirúrgico, que sabia distinguir depressão patológica da não patológica! Acrescentava, contudo que procurava doutor fulano, quando se sentia “fragilizada”, que se submetia a eletrossono, quando a situação exigia, e que tomava antidepressivos e tranqüilizantes. Completamente recuperada! Êxito total! Eletrossono, antidepressivos, tranqüilizantes!
    A influência das etéreas altitudes das serranias mineiras não tinha sido tão forte quanto eu supusera nos resultados da psiconeurocirurgia, mas tinha sido fortíssima na avaliação deles!
    Percebem-se bem algumas das razões de os legisladores mineiros terem proibido psicocirurgia. Contudo eles não têm todas as razões e nem as melhores. Literatura atual de boa procedência admite tal modalidade terapêutica. Só excepcionalmente, mas admite!
    Há outros motivos de eu julgar inadequado o método da lei Carlão. Suas metas – reforço o que já disse – merecem firme e dedicado apoio. O desenvolvimento alcançado pela psiquiatria permite-nos quase extinguirmos os hospitais psiquiátricos e os males da psiquiatria preponderantemente hospitalar. Atentemos para alguns desses outros motivos do julgamento que faço da lei Carlão enquanto método.
    Na Itália, internações em manicômios judiciários aumentaram 58%; mortes por doença mental, 44%; suicídios de doentes mentais, 19%, em cinco anos de vigência da lei Basaglia, inspiradora da lei Carlão. Tais cifras e suas fontes constam do artigo “Manicômio, asilo e hospital”, publicado por Valentim Gentil Filho no jornal A Folha de São Paulo de 26 de setembro deste ano.
    A lei Basaglia foi benéfica em poucos municípios italianos, os que puderam viabilizar o sistema descrito na lei e criar tratamentos substitutivos de hospitalização. A maioria é de porte médio e arrecadação boa.
    Há perigo de Minas sofrer com a lei Carlão o que a Itália sofreu com a lei Basaglia, se não for introduzido naquela lei dispositivo vetatório de sua aplicação onde não houver e onde forem insuficientes os recursos terapêuticos substitutivos da hospitalização, se não for introduzido algo semelhante a emenda feita pelo senador cearense Lúcio Alcântara ao projeto de lei Paulo Delgado.
    Julgar rigorosamente a suficiência dos recursos com base nos termos da própria lei Carlão, 11.802/95, impediria sua aplicação imediata em todos os municípios mineiros.
    Toda pessoa portadora de sofrimento mental terá direito a tratamento, conforme se lê no artigo 1°. Todos sofremos mentalmente. Toda a população mineira terá direito a tratamento. Os poderes públicos garantir-lo-ão até reinserção social plena (artigo 2″ ). Insisto: plena. Tudo isso sem discriminação de qualquer tipo que impeça ou sequer dificulte o usofruto do direito (artigo 2° ).
    A lei 11.802/95 alude a prevenção, mas só se alonga ao falar de tratamento sanativo.
    Suicídios de alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo constituem exemplo dramático dos males resultantes da insuficiência de psiquiatria preventiva até onde seria de esperar que fosse mais eficaz. O índice de suicídio nos estudantes é quatro vezes maior que o índice de suicídio na população do município de São Paulo.
    A prevenção é relevante fator de queda dos índices de hospitalização onde a psiquiatria, sectorizada, sabidamente a melhor psiquiatria pública, já alcançou muita eficácia, onde prevenção e sanação se associam equilibradamente e onde recursos de toda a sociedade são mobilizados para oferecimento de boa psiquiatria à população. Alguns resultados impressionam muito. O encaminhamento de pacientes a hospital psiquiátrico do sudoeste de Denver foi quase inteiramente eliminado, segundo Maxwell Jones.
    A psiquiatria quase do extremo oposto, o da ineficácia, foi comentada pelo mesmo Maxwell Jones, quando visitávamos o Hospital Psiquiátrico de Franco da Rocha. Ele via o páteo de uma das colônias superlotado por doentes mentais crônicos, deteriorados, vitimas de longa psiquiatria hospitalar de baixo padrão. Quis ser gentil comigo e exclamou: ainda há piores!
    Para finalizar: colisão com normas éticas, resultados maléficos previsíveis e omissão do que caracteriza a melhor psiquiatria pública recomendam reformulação da lei 11.802/95, para que possa ensejar diminuição de males psiquiátricos numerosos e graves, sem criar outros males também psiquiátricos numerosos e graves.

    RESUMO
    As metas da lei são merecedoras de apoio; o método é inadequado, oriundo de juspositivismo.
    A lei fere a autonomia do ato médico, não pode ser cumprida sem transgressão do código de ética médica e proíbe ou dificulta proibitivamente a utilização de tratamentos admitidos por literatura especializada de ótima procedência.
    Aumento de internações de manicômios judiciários, de mortes por doenças mentais e de suicídios de doentes mentais são de esperar, se a lei for posta em execução sem emendas.

    BIBLIOGRAFIA
    1. GUERTZENSTEIN, E – As Depressões Crônicas e as Refratárias a Tratamentos – Análise Critica da Indicação Cirúrgica. Tese. São Paulo, 1989.
    2. JONES, M – Social Systems and Psychiatry. Bull. Am. Acad. Psychiatr. Law 6 (2): 128-138, 1978, p. 137.
    3. MILLAN, LR; ROSSI, E & MARCO, OLN – O suicídio entre estudantes de medicina. Rev. Hosp. Clin. Fac. Med S. Paulo, 45 (3): 145-149, 1990.
    4. MORRES, R. – A Psiquiatria de Pemas para o Ar. Saúde, 130: 11-12, 1995.

    Professor Juarez Oliveira Castro

    Proferida em comemoração aos 25 Anos de Academia Mineira de Medicina, em 20 de novembro de 1995.

    Agradecimentos
    Agradeço ao Dr. Joaquim Afonso Moretzsohn, pela gentileza do convite e ao Dr. Newton Figueiredo pela confiança que me foi depositada indicando-me para vir aqui falar diante deste público tão nobre e seleto.

    Introdução
    Iniciarei minha exposição, tomando a liberdade de citar uma frase da conferência que nos enviou, devido não ter podido comparecer por questões de saúde, o grande psiquiatra francês Henri Ey, por ocasião do XII Congresso Brasileiro de Psiquiatria, realizado em nossa cidade em 1972. Ele dizia num momento de grandes contestações da psiquiatria: “Sou anti-antipsiquiatra, sou, portanto antes de tudo, psiquiatra”, baseado nesta afirmação que orientarei minhas palavras.
    A sociedade moderna tem exigido cada vez mais de seus membros em termos de desempenho, isto tem refletido na qualidade de vida dos mesmos e um dos fatores que é mais afetado é a saúde mental.
    Em termos históricos, as grandes mudanças que ocorreram em termos de tratamento da saúde mental dos cidadãos é bem recente, ela não tem nem dois séculos, sendo o evento mais marcante, o trabalho de Pinel na França, mais tarde lá mesmo, nós tivemos uma lei inovadora visando a proteção destes indivíduos, é a chamada “Lei de 1838” que cuidava da proteção da pessoa portadora de transtorno mental. Esta lei só foi modificada em 1991, para adaptar-se às recomendações expressas pelo Parlamento Europeu. Vários modelos estão em andamento na Europa e na América do Norte, o que mostra a importância do tema, bem como a necessidade de uma discussão ampla sobre o mesmo.
    Temos a partir da década de 50 uma revolução terapêutica pela descoberta de moléculas ativas sobre os processos psicóticos, os estados depressivos, as psicoses bipolares e os estados ansiosos através de seu componente de base: a angústia.
    Além da quimioterapia, temos o desenvolvimento de psicoterapias de todas as naturezas e a consideração dos problemas sociais e de reinserção do paciente.
    Embora tenhamos estes inegáveis progressos que modificaram profundamente o perfil da psiquiatria, sua imagem é sempre mal percebida e provoca reações de exclusão e de rejeição na população.
    Assistimos hoje em dia, de uma lado uma proliferação de atividades paralelas, chamadas alternativas, que outorgam-se uma denominação “psi”: parapsicologia, práticas esotéricas de psicoterapias duvidosas, fenômenos de seitas, de gums, de terapias florais, etc, e de outro lado, no próprio meio médico também temos uma série de propostas diagnósticas e terapêuticas baseadas na cartografia cerebral que são enganosas, pois este instrumento não está qualificado nem para diagnóstico psiquiátrico e nem para orientação terapêutica.
    O problema, é que nossa população, ansiosa para remediar seus sofrimentos tem pago caro para ser atendida por pessoas de ambas as áreas. Neste caso vem a pergunta sobre o real limite entre nossa prática, que se espera séria, ética, científica e, o charlatanismo. Acredito que além de todos os preconceitos sociais existentes, nós somos um pouco responsáveis por toda esta confusão.

    Minha experiência
    Minhas primeiras preocupações nesta área, originaram-se ainda como aluno, quando era monitor da disciplina : Ciências do Comportamento Aplicadas à Saúde e trabalhava sob a orientação do saudoso amigo e professor, o antropólogo Domingos da Silva Gandra Jr.
    Ele na sua prática me mostrou a dimensão social dos problemas de saúde e me permitiu uma compreensão dos mesmos em termos da estrutura social, mostrou também a articulação dos conhecimentos nesta área e os meios institucionais para implantá-los, discussão esta que se aproxima dos problemas que estamos vivendo hoje também em nosso país.
    Sempre que vamos discutir estes problemas, uma questão que é colocada é a falta de recursos financeiros para uma melhor estruturação de nosso sistema de saúde, pois sabemos que o mesmo encontra-se numa fase muito crítica de sua existência.
    Frente a tal situação, eu gostaria de colocar uma vivência que tive quando recebi um convidado estrangeiro que exerce suas atividades em nossa área, e o levei para visitar Ouro Preto. Ele ficou impressionado com duas coisas: com a beleza da cidade e com a falta de conservação e a sujeira. Tentei justificar dizendo que os recursos eram precários, ele me respondeu: para a conservação eu entendo, mas para a limpeza não.
    O que tem isto a ver com o tema aqui em questão? Tentarei esclarecer isto ao longo da minha exposição. Que será centrada no binômio: cultura e psiquiatria
    As propostas teóricas, a descoberta de novos métodos de tratamento tem surgido nos últimos cem anos e de uma forma mais acentuada nos últimos 40 anos.
    Descobertas recentes possibilitaram o conhecimento de outras dimensões dos transtornos mentais, outras possibilitaram seu tratamento de forma eficaz e de alguma maneira representaram o primeiro grande esvaziamento de nossas instituições psiquiátricas, como foi o caso da clorpromazina na década de 1950 e posteriormente o tratamento de algumas doenças antes consideradas como invalidantes como é a doença do pânico.
    Nos últimos anos tivemos um grande avanço no ramo da neurociência e as descobertas nesta área têm mostrados novos caminhos na compreensão da doença mental e provavelmente em pouco tempo, teremos que reformular tudo que fazemos neste domínio.
    Na parte clínica temos realizado uma série de progressos, principalmente na tentativa de elaborar uma classificação diagnóstica mais próxima da situação anual de nossos conhecimentos.
    A Organização Mundial da Saúde, baseada em um primeiro estudo realizado com psiquiatras ingleses e americanos, que mostrou uma diferença na percepção de alguns quadros psiquiátricos, organizou em 1974 o estudo piloto multicêntrico tentando avaliar como a esquiquizofrenia era percebida em vários países e a partir daí elaborar uma proposta de trabalho.
    Mais tarde tivemos novas propostas no campo das classificações que nos trouxeram: Os CID 9 e 10, ao nível da OMS, e os DSM da psiquiatria americana, todos reutilizando a sua maneira, os conhecimentos clínicos advindos principalmente das escolas psiquiátricas: alemã, francesa e inglesa.
    Ao mesmo tempo, a psicofarmacologia, a genética, a biologia molecular, a neurofisiologia e as técnicas de imagem, embora ainda em fase e estudos, nos trouxeram novos instrumentos para melhor compreender a doença mental.
    Novas teorias estão sendo propostas para compreender e tratar a ansiedade, a depressão, a esquizofrenia e as doenças do envelhecimento entre outras.
    A grande questão são os meios institucionais necessários para que estes recursos cheguem até o cidadão comum que está em crise e tem direito de ser cuidado.
    Acredito que talvez o cerne das dificuldades vividas em todo o mundo está nesta interface, pois não estaremos mais em um laboratório, estamos no domínio da política e de suas articulações. Aí, nós temos as paixões humanas, os interesses e os jogos de poder, Pode ser que aquele doente particular ou geral, neste momento esteja esquecido, e o que esteja em pauta é o próprio poder.
    Há mais tempo, mais especificamente em 1971, eu e alguns amigos, passávamos por uma permanência obrigatória em um “hotel”, que existia na Avenida Afonso Pena. Lá em uma das entrevistas, foi perguntado a um de nossos amigos, o que ele faria se o grupo dele tomasse o poder. Ele respondeu que provavelmente, ele estaria preso novamente naquela instituição e estaria sendo interrogado pelo mesmo capitão, pois ele continuaria defendendo o direito a liberdade de expressão e de opinião. O capitão que o entrevistava riu e encerrou a rotina do dia.
    Sociologicamente é conhecido que os movimentos inovadores por mais libertadores que o sejam, visando preservar sua renovação, tomam-se autoritários na tentativa de preservá-la e tentam a duras penas permanecer no poder para que sua mensagem seja mantida e alcance o maior número possível de pessoas.
    Na história de nossa sociedade, isto tem acontecido com uma repetição fantástica e, às vezes, outros grupos que se sentem ameaçados reagem de forma contrária, mas com a mesma rigidez, isto se toma um diálogo de surdos, nenhum grupo escuta o outro e as qualidades de cada um não são devidamente apreciadas pelo outro.
    Cada grupo que surge com uma proposta renovadora encontra-se imbuído das melhores intenções, mas às vezes falta-lhe a experiência e a abertura necessária para implantar esta proposta e com isto, muito do que ela tem de qualidade perde-se para o prejuízo de todos.
    Quando surge uma nova linguagem ela é sempre ameaçadora, as pessoas não a compreendem e sente-se ameaçadas, isto ocorre muito com as novas tecnologias, com as novas maneiras de ver o mundo. Basta lembrarmo-nos de Copérnico e Galileu no domínio das ciências, de Freud com sua teoria da sexualidade na Viena conservadora do começo do século, e da situação que é o tema da sessão que hoje apresentamos.
    Tentemos com a devida imparcialidade dar uma olhada no que foi feito pelo nosso doente mental em nossa sociedade além de guardá-lo em um asilo, trancafiá-lo e tirar-lhe o direito de expressão,
    Algumas instituições e algumas pessoas em nosso estado muito contribuíram para o cuidado deste paciente, para o avanço do conhecimento, fomos inovadores, mas paramos no tempo e estamos sendo atropelados por assim dizer, pela história.
    As instituições que em si foram inovadoras, com o passar do tempo, foram se cristalizando, não acompanharam as novas técnicas de tratamento, as mudanças institucionais a nível local e internacional, fomos nos ilhando em nossos castelos enquanto a sociedade estava mudando.
    Hoje estamos reagindo às mudanças, sem na realidade fazermos uma reavaliação crítica de nosso trabalho e sem tentarmos ver o que estamos dispostos a fazer além de preservarmos nosso “status quo”.

    Minha proposta
    Utilizo este espaço que me foi concedido por esta nobre Academia, para tentar apresentar uma proposta de diálogo, de conciliação, de maneira a aproveitarmos as qualidades, os potenciais humanos que possuímos, pois temos, só na área da psiquiatria, mais de 500 profissionais em nosso Estado e provavelmente cinqüenta por cento deles estão na Grande BH.
    O trabalho na área de Saúde Mental é hoje em dia trans- e interdisciplinar, o que se precisa é uma delimitação da competência de cada um e da especificação de um verdadeiro trabalho de equipe,
    Não acredito que destruindo o que existe, estaremos construindo algo. Devemos fechar como falei em uma entrevista ao Estado de Minas no começo do ano, as instituições asilares, manicomiais que não oferecem as condições adequadas para um atendimento humano e digno ao nosso paciente portador de transtorno psiquiátrico, para isto, basta aplicar o código sanitário existente. A atenção ao doente psiquiátrico deve ser planejada desde o nível da atenção domiciliar até o atendimento em regime hospitalar quando necessário, existindo todas as formas de atenção intermediária, tais como hospitais dia, hospital noite, ambulatórios e apartamentos protegidos.
    Esta hierarquização de serviços associada a uma descentralização e regionalização de serviços em muito melhorá-la a qualidade de nossos doentes.
    Esta proposta não é recente, participei em 1973 da primeira tentativa de esvaziamento de nossos hospitais psiquiátricos públicos, coordenada pelo Secretário Estadual de Saúde, Dr. Fernando Megre Veloso, particular atenção foi dada ao Centro Psiquiátrico de Barbacena que na ocasião desceu sua lotação de mais ou menos 5.000 para 1.600 pacientes, o que ainda era muito, mas foi um progresso para a época.
    Mais tarde participei a nível Estadual da implantação do PISAM (plano Integrado de Saúde Mental) que teve, infelizmente, uma duração efêmera, mas que nos mostrou a possibilidade de implantar equipes multidisciplinares em cidades-pólo. E com isto atender o paciente na sua região, e orientar o trabalho de médicos generalistas que atenderiam os pacientes em suas cidades de origem, evitando assim longas viagens à procura de um atendimento especializado, e também possibilitando a continuidade de atendimento quando o paciente voltasse para seu domicílio.
    Tudo isto mostra que este problema é antigo e que precisa de uma real continuidade de ações visando uma atenção efetiva e continuada ao paciente. Isto necessitaria uma coordenação estadual visando à formação de recursos humanos e elaboração de normas e rotinas de atendimento.

    Conclusões
    Para caminharmos para uma proposta deste alcance, muito trabalho precisa ser feito, muito do que já foi falado encontra-se em andamento ou está sendo implantado.
    A reestruturação da atenção psiquiátrica implica uma mudança de organização, de atitudes e de condutas que requer uma orientação clara e potente que só pode ser oferecida por uma norma jurídica imparcial e sem veiculações ideológicas.
    Tanto os profissionais de saúde, os da área do direito, os administradores públicos e das instituições, as famílias dos pacientes, os pacientes atuais ou potenciais, devem ter nesta norma uma orientação clara das regras do jogo, das possibilidades e das garantias que a sociedade oferece e impõe na complexa relação entre saúde-ética e direito.
    Chamo a atenção para alguns princípios, entre outros, apresentados pela Organização Mundial. A Saúde no que se refere à atenção ao paciente portador de transtorno mental:
    • Direito do enfermo mental, de ser tratado em todo momento com a solicitude, o respeito e a dignidade própria de sua condição pessoal.
    • Direito a receber a melhor atenção e tratamentos apropriados e menos restritivos, segundo as mais elevadas normas técnicas e éticas.
    • Direito de não ser objeto de provas clínicas nem de tratamento experimental sem seu consentimento informado.
    • Direito de que seus antecedentes pessoais, fichas e histórias clínicas se mantenham em reserva e a ter acesso a esta informação.
    • Direito a um recurso eficaz diante de um tribunal e mediante procedimento simples e expedito, fixado por lei, para recortar de toda a ação ou omissão, que desconheça ou lese seus direitos.
    Tais recomendações entre outras, nos mostram a necessidade de nos adaptarmos a uma nova realidade. Devemos superar toda aquela formação oriunda de um discurso rígido e autoritário, agravado por anos de privação da liberdade de expressão.
    Imagino que pela sua estrutura, a Universidade possa ser uma instância de articulação entre os vários prestadores de serviços e os organismos financiadores, bem como possa também ser um centro de formação de recursos humanos que atuariam nos vários níveis desta estrutura.
    Ela é por definição, o local onde se produzem conhecimentos, onde se formam recursos humanos, onde de certa forma a continuidade de poder é mais tranqüila e não está tanto ao jogo das mudanças políticas e ideológicas.
    A proposta é talvez utópica, mas ela tem grande possibilidade de sucesso desde que realizada com uma real articulação dos vários níveis envolvidos.

    Agradeço a atenção de todos. Muito obrigado