Ernesto Lentz Carvalho Monteiro
Ocupa a Cadeira 61, de 25/09/1990.
Graduado em Medicina pela UFMG em 1960, onde é professor do Departamento de Cirurgia desde 1961. Títulos de especialista em Cirurgia Geral, Cirurgia Cardiovascular, Angiologia. Membro Titular e ex-presidente da SBACV-MG. Membro Titular e ex-presidente da Academia Mineira de Medicina. Presidente da Federação Brasileira de Academias de Medicina, biênio 2008/210.
Médico de Plantão
Ernesto Lentz de Carvalho Monteiro
Cheguei correndo ao Hospital, subindo os oito andares, como sempre pelas escadas, atendendo ao chamado de urgência. Um montão de gente do lado de fora do bloco cirúrgico mostrava que o paciente era gente importante. Passei desapercebido, paramentei-me e entrei na sala de cirurgia, encontrando aquele corre-corre que sempre acontece nos casos dramáticos.
O Joaquim, nosso talentoso anestesista olhava apreensivo o monitor cardiográfico, enquanto o Alaor, clínico de primeira, contava as gotinhas de urina que drenavam pela sonda. Ambos desanimados deram-me os pormenores: 70 anos, obeso, hipertenso, diabético, amante de uma pinguinha, desfalecera durante uma festa familiar em que tocava o violão, seu inseparável companheiro. Levado às pressas para o hospital constatou-se logo à chegada uma parada da circulação da cintura para baixo.
E ali estava o meu desafio, às duas da madruga depois de um dia que terminara à meia noite. Roxo e gelado da cintura para baixo não tinha qualquer sinal circulatório, demonstrando uma catástrofe vascular tipo um aneurisma dissecante da aorta ou uma trombose maciça, com a iminência de choque, falência renal e outras tragédias que acompanham esses casos. O que fazer àquela hora? Cateterismo, impossível em hospital carente da infra estrutura necessária. Abrir o abdome, risco proibitivo, sem saber o que encontrar e sem poder planejar. Deus me ajudou.
Quase intuitivamente explorei a artéria femoral direita e, após a passagem do milagroso cateter de Fogarty, retirei, para surpresa de todos, enorme trombo ainda fresco da artéria ilíaca direita, o que permitiu que o sangue jorrasse abundantemente, provocando um uníssono “oba!” de todos os circunstantes que torciam por uma solução milagrosa e acabavam de ver a possibilidade de re-vascularização que ressuscitaria aquele membro morto. Com o mesmo cateter retirei dali para baixo enorme quantidade de trombos menores, desobstruindo todo o caminho do sangue para aquele lado. Avidamente repeti o mesmo processo do lado esquerdo.
Surpresa decepcionante: para cima tudo ocluido! O Fogarty não passava. Não titubeei. Nova luz veio lá de Cima! Puxei uma prótese do lado direito para o esquerdo. É uma operação, apenas para informar aos leigos, que se denomina “by-pass fêmoro- femoral”. Nela, por meio de um tubo especial, a “prótese de dacron”, fazemos um desvio da circulação de um lado para outro. Alegria efusiva de todos! A circulação voltou! Em poucas horas o paciente urinava, comia e conversava, com seus membros inferiores rosados e salvos, rodeado por uma legião de parentes e amigos. São os melhores momentos de nossa profissão!
Dois meses depois eu comprava alguma coisa em uma loja do Shopping, quando reconheci a irmã do paciente ao meu lado, sem se dar conta da minha presença, pois obviamente continuei incógnito. Era a mais insistente no hospital naqueles dias críticos, sempre “chic”e chata, embora não fosse feia. Imediatamente surgiu uma outra senhora, também muito “chic” e deu aquele escândalo: “Fulana, estava doida para te encontrar! Soube que o seu irmão esteve à morte! Que aconteceu?”. “Nem te conto”, respondeu ela, e contou com requintes dramáticos tudo que acontecera. “Não diga! Como não soube disso? Teria ido visitá-lo!. Qual foi o médico que o operou?”. Ainda feliz e orgulhoso com o brilhante resultado que obtivera, o que eu vinha contando para Deus e todo mundo, aguardei curioso a resposta. A “fulana” displicentemente respondeu: “Não sei o nome não. Foi um médico de plantão que estava lá na hora…”.