Enio Cardillo Vieira
Ocupou a Cadeira 55, no período de 30/07/2002 até 19/11/2013.
ENIO CARDILLO VIEIRA: A REFERÊNCIA BRASILEIRA EM GNOTOBIOLOGIA
Enio Cardillo Vieira
Nasci em Areado, pequena cidade no Sul de Minas Gerais, em 1933. Fui o sétimo filho de uma prole de oito. Desde menino, dizia que seria médico. Em 1943, minha família mudou-se para Rio Claro, SP, onde cursei o chamado curso secundário – ginásio e científico, no Colégio Estadual e Escola Normal “Joaquim Ribeiro”. Mudei-me para Belo Horizonte, em 1951, onde cursei medicina, tendo-me graduado em 1956. Desde o segundo ano médico, decidi que seria cientista em vez de ser clínico. Tive, então, contato com um dos professores mais admiráveis que a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) teve: Prof. J. Baeta Vianna. Com ele iniciei-me na Bioquímica. Em 1957, com uma bolsa da Fundação Rockefeller, fui para a Tulane University, onde obtive o Ph.D, em Bioquímica, em 1960. Na época, o grupo do Departamento de Bioquímica da UFMG estava interessado em concentrar-se em estudos sobre esquistossomose. Em meu trabalho de doutorado, tomei conhecimento da existência de animais isentos de germes (“germfree”). Queria estudar os requerimentos nutricionais do caramujo Biomphalaria glabrata, hospedeiro intermediário do Schisosoma mansoni. Como se trata de uma animal aquático, que não abocanha o alimento, eu teria que trabalhar com o caramujo em condições axênicas. De outra forma, eu não teria controle do que o molusco estava comendo, em virtude da contaminação por microorganismos diversos. A obtenção da B. glabrata em condições axênicas havia sido descrita por Eli Chernin, um pesquisador da Harvard University. O próprio Chernin havia obtido crescimento limitado dos animais em condições isentas de germe em um meio contendo Escherichia coli, esterilizada pelo calor, e levedura. Os caramujos eram criados em tubos de ensaio. Chernin não conseguiu reprodução dos animais. Enio desenvolveu um meio contendo alface, leite em pó, amido, vitaminas e sais minerais, mantido em meio sólido com alginato de sódio. Houve reprodução dos caramujos. Lembre-se que este animal é hermafrodita havendo, portanto, autofecundação. Diversos trabalhos foram publicados com caramujos isentos de germes. No meio que desenvolvi, obteve-se reprodução do molusco em condições axênicas. Levei estes trabalhos para um congresso de internacional de Gnotobiologia, em 1972, em New Orleans. Lá, conheci o Dr. Julian Pleasants, pesquisador da University of Notre Dame. Veio-me a ideia de criar os moluscos em isoladores de plástico flexível para melhorar a eficiência da produção dos caramujos, uma vez que a criação em tubos de ensaio demandava transferência dos moluscos semanalmente ou até diariamente quando havia postura de ovos. Com uma bolsa da USAID, em 1974, estagiei, durante três meses, na University of Notre Dame, na época, um dos laboratórios mais importantes em Gnotobiologia. Gnotobiologia é a ciência que trabalha com animais isentos de germes ou animais que tenham uma associação conhecida com outros seres vivos. Exemplo: um rato contaminado com Trypanosoma cruzi não é isento de germes mas é gnotobiótico pois está associado com um ser vivo conhecido. Os primeiros isoladores foram adquiridos com um auxílio da Fundação Rockefeller. Uma vez obtido o caramujo em condições isentas de germes, veio-me a ideia de fechar o ciclo do Schistosoma mansoni em condições axênicas. Para adestrar-me no manuseio de vertebrados em condições isentas de germes, voltei, em 1976, à Universidade de Notre Dame, onde estagiei durante três semanas. Em 1979, chegaram as primeiras matrizes de camundongos isentos de germes. Na época, com um auxílio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, consegui trazer o Dr. Julian Pleasants para nos ajudar nos passo iniciais da implantação da colônia de camundongos isentos de germes. A importação dos animais isentos de germes foi uma odisseia. Houve mais de duas dezenas de importações. A Universidade de Notre Dame cedia, gratuitamente, as matrizes mas as despesas de transporte corriam por conta da UFMG. Muitas vezes, não havia verbas disponíveis. Neste caso, arquei com as despesas. No início, havia muita contaminação porque não se dispunha de autoclave de alto vácuo, apropriado para esterilização da ração. Finalmente, conseguiu-se um método que permitiu a esterilização adequada da ração. Ao mesmo tempo, uma firma no Brasil – Nuvital – desenvolveu uma ração autoclavável de alta qualidade. Com auxílios da FINEP adquiriram-se mais isoladores e a colônia prosperou luxuriosamente. A Profa. Mércia Bezerra, aluna de pós-graduação em Fisiologia, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, fez uma dissertação de mestrado, fechando o ciclo do parasita em condições isentas de germes. Em seguida o laboratório desenvolveu diversos trabalhos usando o camundongo isento de germes para estudos de parasitologia e microbiologia. Atualmente há diversos grupos de pesquisa na UFMG e de outras instituições que utilizam os animais oriundos do Laboratório de Gnotobiologia da UFMG. Diversos projetos, diversas teses de doutorado e dissertações de mestrado foram desenvolvidas utilizando esses modelos animais.
PROF. ENIO CARDILLO VIEIRA NAS PALAVRAS DA PROFA. LÊDA QUÉRCIA VIEIRA
Durante a sua carreira científica publicou cerca de 100 trabalhos científicos, orientou 28 estudantes de pós-graduação e dezenas de estudantes de iniciação científica. Sua atividade de ensino envolveu cursos de graduação para as turmas de Medicina, Educação Física e Ciências Biológicas. Foi ativo também na administração da Universidade, como chefe do Departamento de Bioquímica e Imunologia, coordenador dos cursos de pós-graduação em Bioquímica e em Microbiologia, diretor pro tempore do Instituto de Ciências Biológicas e Presidente da Comissão Permanente de Regime de Tempo Integral e Dedicação Exclusiva da UFMG. Foi pioneiro em instalar, na UFMG, o único laboratório de Gnotobiologia que mantém camundongos sem germes em toda a América Latina. Foi importante porta-voz do bioterismo no Brasil. Recebeu o título de livre-docente em 1968 e foi promovido em concurso a Professor Titular em 1976. O Instituto de Ciências Biológicas concedeu-lhe o título de Professor Emérito em 2002. Neste mesmo ano foi admitido como membro da Academia Mineira de Medicina. Atualmente, pratica a medicina como médico nutrólogo. Ao longo de sua carreira o Prof. Enio conseguiu exercer as atividades de pesquisa, ensino e administração, que lhe conquistaram amizades e admiração em toda a UFMG. Sempre foi sincero e claro em seus pontos de vista. Criou em seu laboratório e nos diversos ambientes em que exerceu funções administrativas um ambiente agradável e produtivo. Seu carisma conquistou a todos que com ele conviveram. Seus alunos de graduação o homenagearam inúmeras vezes. Suas qualidades de mestre marcaram os seus orientados na pós-graduação, hoje distribuídos por diversas instituições de ensino superior no país.
Fonte: RESBCAL, São Paulo, v.2 n.3, pg. 173-175, 2013
http://revistas.bvs-vet.org.br/RESBCAL/article/view/22248/23060