VIDA, MORTE E ESPIRITUALIDADE III
Confeiçoamos a noção de espírito como sendo o somatório dos atributos que fluem do psiquismo humano.
Espírito dá unidade a nous – a capacidade que temos de perquirir e inteligir sobre as coisas; ao pneuma – ânimo ou vitalidade que gera inciativa e instrui a liberdade e a autonomia do sujeito; ao logos – prerrogativa de buscar a hierarquia lógica que coloca ordem nas coisas e obtém a visão em profundidade dos processos em curso; e a sinesis – reflexividade, consciência de si, sobre si e sobre o mundo.
É dessa maneira que o espírito é a pedra de toque na construção psíquica do ser humano. Espírito é vida, razão, inteligência, cognição e vontade imperante.
O homem é espírito-no-mundo, rumo à transcendência possível.
É o espírito humano aquilo que faz o homem escapar de ananké – a fatalidade da necessidade biológica. E também é o espírito humano que supera as condenações comandadas pela moira – o destino cego imposto pelo acaso ou pelas divindades.
Implica a noção de espírito o paradoxo de ser outro, cada vez mais e melhor, mantendo-se na radical identidade do indivíduo consigo mesmo.
A asseidade é uma característica do espírito mediante a qual o ser humano alberga em si a sua razão de ser. É o espírito o ápice – apex mentis – do processo incessante por que passa cada um para tornar-se humano.
É prerrogativa do espírito escolher seu que-fazer, assumindo plena responsabilidade para com aquilo com que se envolve. É dessa maneira que o espírito impõe ao ser tornar-se pessoa, vivendo sob o comando de uma ética que tem como referência maior o Bom e o Bem. Sim, é prerrogativa de apuração henótica – unária – o espírito humano obter a coalizão de tantos componentes disparatados sob a égide da Bondade – Gute.
O espírito do homem cumpre o aforismo de Aristóteles (384-322 a. C.) em Ética a Nicômano, 1.1.: “Toda arte e toda ciência e, por conseguinte, toda atividade, todo projeto parecem visar a algum bem; por isso, com razão definiram o bem como algo a que tudo tende”.
Assim, o ato espiritual não designa a carência ou indigência do espírito, mas sim a sua plenitude. Exprime a superabundância da riqueza interior da pessoa e a permanente superação de seus limites.
É preciso advertir, no entanto, que é característica do homem apurado, de excelência, perceber e denunciar a precariedade das ofertas contidas nas místicas de imanência que, por toda parte e em todo o tempo, teimam em proliferar e se travestir de novidade. Ao homem de espírito cabe a nobre tarefa de cassar as licenças que, por exemplo, nessa hora, apresentam-se como redentoras da humanidade, tais como a revolução, o socialismo, o mercado, o consumismo, os orientalismos, as terapias mágicas, a globalização e os modernismos internéticos.
Se a tantos homens faltam estofo e cultura, vivendo aquém da sageza, o exercício da Bondade possível é o viático que instila e apura o espírito do homem.
Translucidez de presença a si mesmo, no pleno exercício da consciência de si, o espírito é o máxime integrador de todas as qualidades do homem e a sua única veraz possibilidade de transcendência.
O mais? São delírios, bagas, ninhas, inânias, ossos de borboleta, tuta e meia, mexinflório, nica, chorumela, lágrimas de jacaré, suvaco de cobra, enterro de anão, ex-viado, retrato de sogra na carteira, ilusões, devaneios, coisa nenhuma. Nonada!