REFLUXO VALVULAR NA SAFENA: “ DOENÇA” DA MODA
Quem nos últimos 50 anos acompanhou de perto a evolução da cirurgia de varizes dos membros inferiores, sabe muito bem que ao longo deste tempo criaram-se muitos mitos e falsos conceitos que, ditando normas no tratamento desta importante doença de alta prevalência, levou cirurgiões, mesmo competentes, a tratamentos desnecessários e, muitas vezes, altamente lesivos aos pacientes.
Durante muitas décadas as grandes vilãs da doença varicosa eram as veias safenas magnas e parvas cuja dilatação era considerada como a causa principal do desenvolvimento das varizes, levando os cirurgiões a extirpá-las sumariamente em todos os pacientes varicosos. Na própria tabela de procedimentos cirúrgicos empregada no antigo INAMPS e nos Planos de Saúde, os tópicos referentes ao tratamento cirúrgico das varizes dos membros inferiores se resumiam em “safenectomia interna ou externa, 1 membro ou dois membros”.
A marcação pré operatória das veias comunicantes insuficientes e sua ligadura foi uma grande evolução principalmente quando os cirurgiões mais cuidadosos realizavam com boa técnica os testes clínicos , já conhecidos desde que Brodie e Trendenlenburg descreveram o precioso teste que leva os seus nomes e no qual se baseiam todos os outros. Mesmo assim, autores como Madelungen, indicavam a procura de veias comunicantes mesmo não detectadas clinicamente, preconizando técnica radical com exposição completa das safenas, através de extensas incisões, verdadeiras dissecações anatômicas “in vivo”.
A flebografia, método invasivo e de riscos inerentes ao contraste iodado endovenoso, foi largamente utilizada, principalmente nas décadas de 50 e 60, quando eram consideradas o padrão “ouro” para estudo dos pacientes varicosos.
Em que pesem os inegáveis benefícios trazidos pela flebografia, o advento do “duplex scan” na década de 70, método não invasivo, sem qualquer risco e de grande precisão, veio para propiciar aos cirurgiões um estudo bastante minucioso dos pacientes varicosos.
O grande interesse de todos os cirurgiões que operam varizes é o de proporcionar aos seus pacientes uma técnica que diminua as possibilidades de recidiva da doença, fato, infelizmente, inerente à fisiopatologia da doença varicosa , que tem como principal fenômeno as alterações parietais e valvulares , congênitas ou adquiridas, de controle impossível.
Ai é que vem a nossa “doença da moda”, os refluxos valvulares, principalmente nos troncos das safenas, não detectáveis clinicamente e descobertos ocasionalmente quando o médico solicita um “duplex scan”, muitas vezes, a nosso ver , desnecessariamente, em pacientes portadores apenas de microvarizes, ou com pequenos segmentos de safenas não visíveis e apenas palpáveis ou, até mesmo, em pacientes sem qualquer sinal clínico de varizes, queixando-se apenas de desconforto postural. E atrás disto vêm os mitos de diâmetros aumentados, criando-se parâmetros de valor questionável, levando os inexperientes a, absurdamente, indicarem safenectomia nestes pacientes.
Quanto desaponto tivemos no início da nossa experiência, quando a safenectomia era mandatória, ao observarmos as espessas paredes de safenas incompetentes retiradas, que seriam excelente matéria prima para restaurações arteriais, principalmente infra inguinais ! Foi quando nos convencemos de que a hipertensão venosa não dilata as veias como balão. Senão, o que seria dos by- passes aorto- coronarianos com emprego de segmentos de safenas?
Em nossa expressiva estatística bem documentada, acompanhamos centenas de pacientes com os ditos refluxos operados com preservação das safenas, mesmo com diâmetros acima de 10 mm, tido por muitos como limite de normalidade, sem qualquer prejuízo para os mesmos., vários já com decênios de acompanhamento. As recidivas, inevitáveis como dissemos, raramente são tronculares, ocorrendo principalmente em colaterais. Por outro lado, temos, documentados, numerosos casos de recidivas em safenectomizados, operados por nós em tempos passados, e por outros cirurgiões.
É claro que existem safenas muito dilatadas, tortuosas, trombosadas, muito visíveis, que devem ser extirpadas. Não é, entretanto, o mais comum.
Em suma: no passado extirpava–se as safenas e preservava-se as colaterais . Hoje extirpamos as colaterais dilatadas, ligamos as comunicante insuficientes e preservamos as safenas.
Fica nosso pensamennto final : “Porque retirar safenas apenas pela presença de refluxo ostial ou segmentar, com ou sem dilatação, se para a maior utilidade delas que é o “by-pass” fêmoro- distal com safena “in situ”, operação salvadora de membros, temos que destruir todas as suas válvulas ? Operem varizes sim, mas deixem as safenas em paz”.
Ernesto Lentz de Carvalho Monteiro