O Que é Vida – A Célula e Nós – Romeu Cardoso Guimarães – 2004

    Data de publicação: 16/03/2004

    CONFERÊNCIAS E PALESTRAS

    O que é Vida

    Acadêmico Romeu Cardoso Guimarães.

    Conferência realizada em 16 de março de 2004, na Academia Mineira de Medicina.

    VIVER – a célula e nós

    Intuições e linguagens
    Na era pré-científica, as explicações tinham que ser baseadas em intuições. As intuições e idéias podem surgir espontaneamente, mas são elaboradas como imagens e linguagens. A elaboração de imagens para expressão e comunicação é primordial, mas a lingüística, em especial, acrescenta obrigatoriamente maiores restrições e conteúdos de racionalidade. A linguagem almeja comunicação efetiva, com entendimento transmitido de modo eficiente e convincente, e com menos ambigüidade. Por isso, a linguagem tem estrutura bem definida. As sentenças são construídas segundo preceitos rígidos, com encadeamento sucessivo dos termos, de acordo com regras convencionadas. Essas regras são restrições ao encadeamento das idéias, colocando certa ordem no fluxo intuitivo mais livre. Mesmo quando elaboramos as intuições solitariamente, estamos conversando conosco mesmos e utilizando a racionalidade lingüística.
    O humano, desamparado e fraco, requer o suporte social como condição de sobrevivência. Sua racionalidade foi desenvolvida inicialmente em culturas chamadas de tradicionais, em que o conhecimento é transmitido oralmente. Desenvolveu alguns grandes sistemas explicativos, incluindo os mitológicos que eram majoritariamente politeístas. O problema da vida era explicado dessa maneira, como manifestação de propriedades ou entidades quase divinizadas.
    Os desenvolvimentos culturais são focais e localizados. Uma novidade importante surgiu no foco chamado de ocidental. Pode-se dizer, de modo simplificado, que este foco se baseia no tripé: os monoteísmos, cujas versões mais bem sucedidas foram as de derivação judaica; a organização política que se sedimentou com base na do Império Romano; e a racionalidade que foi aprofundada e codificada, principalmente, a partir da Grécia antiga.
    Acréscimos de racionalidade foram introduzidos com a escrita. A elaboração das idéias sobre documentos mais perenes é ainda mais restritiva e exigente. Os questionamentos se tornam mais evidentes e são desencadeados mais amplamente pelos autores e leitores, que despendem mais tempo ao se debruçarem e refletirem sobre as propostas. Modos mais abstratos de elaboração foram expandidos quando a escrita se tornou amplamente codificada e convencional, após passagens pelos hieróglifos e ideogramas.
    Ciência
    A conjunção produtiva desses componentes, desde algo mais que 2000 anos, teve ainda que esperar longo período até que, há 4 ou 5 séculos, começou a amadurecer o método experimental. A ciência moderna identifica seu início no marco dos experimentos de Galileu Galilei (1564-1642) e se tornou ponto-chave da cultura ocidental. Os modos de se estudar o processo biológico tomaram maior impulso e novo marco pode ser colocado, p. ex., em Louis Pasteur (1822-1895).
    Ressalte-se, no entanto, que a ciência não pode explicar tudo. A metodologia disponível é limitada e não pode responder os principais ‘por quês?’ que a mente humana coloca. Os limites são as evidências disponíveis, sempre escassas, e as interpolações justificadas, inclusive, pelo princípio da parcimônia: dentre hipóteses equivalentes, é preferida a mais simples. Este princípio faz parte da estética minimalista da explicação científica. A elegância perseguida na exposição das hipóteses procura clareza, precisão e concisão, mas com simplicidade: deve-se utilizar o máximo de precedentes conhecidos e o mínimo de proposição de novidades.
    As extrapolações só são permitidas como projeções baseadas no princípio condicionante de que, se as leis e regras conhecidas forem mantidas no futuro, suas conseqüências serão as preditas por elas, inclusive as das probabilidades e estatísticas. Os eventos históricos, ainda que bem documentados, não podem ser submetidos aos testes que a ciência propõe como critérios de validação de hipóteses. Por isso, a ciência deve manter a humildade de reconhecer seus limites. Passou, através de muitos percalços, derivados principalmente da crítica contínua que é característica da atitude científica, a reconhecer que as explicações propostas são sempre hipóteses e provisórias. Considera-se tal princípio válido para todas hipóteses, inclusive as que não cabem no âmbito científico, como as metafísicas e as religiosas. O termo verdade já foi banido oficialmente da linguagem científica, apesar dos deslizes afetivos em que se pode incorrer em discussões mais acaloradas. Permanecemos todos perplexos frente ao mundo e a nós mesmos, como O Pensador de Auguste Rodin, mas com a altivez e o garbo dos Quixotes, Riobaldos e tantos outros heróis ‘de triste figura’.

    Objetos e propriedades
    É necessário esclarecer o procedimento metodológico de distinguir seres vivos de vida. Os seres vivos são objetos concretos e materiais, mas vida é conceito sintético e abstrato. Indica o conjunto de atividades e propriedades dos seres vivos, apesar do termo ser gramaticalmente substantivo. Outras definições serão apresentadas mais adiante, no sentido de elaborar aspectos desta.
    A distinção bordeja o âmbito lingüístico-filosófico, desde que toda observação é realizada a partir de interações entre propriedades do observado e do observador. No entanto, considero-a útil e necessária, no mínimo, para finalidades práticas.
    O argumento é do tipo ostensivo e prioriza o que se quer definir, em vez do observador que define. Considera que as propriedades mais estáveis e constantes caracterizam o objeto ou corpo material. As propriedades mais fugazes, inconstantes, dinâmicas e dependentes de contexto são remetidas à categoria de atividades interativas.
    O observador e o objeto interagem através das propriedades de ambos. A identidade material ou corporal do objeto (linhas grossas) é descrita ostensivamente pelas suas propriedades mais estáveis e constantes. As propriedades mais diversificadas, fugazes ou dependentes de contexto (linhas pontilhadas) podem ser designadas como atividades.
    A dependência de contexto é destacada e facilmente exemplificada no caso de um corpo humano, que permanece materialmente como tal, por algum tempo após a morte, enquanto que a perda da vida decorreu, p. ex., de um contexto acidental como a asfixia.
    Tomo suporte na física, indicando que o procedimento é geral. Os objetos são materiais, como as partículas subatômicas. As interações entre os objetos podem ser chamadas de forças ou energias, mas a física aceita seu caráter abstrato, preferindo referi-las mais precisamente e diretamente como interações (Lopes, 2000). Assim, p. ex., a força ou energia eletromagnética passa a ser referida como interação eletromagnética. Mesmo no âmbito da física quântica, não se consegue escapar da materialização das energias, que se manifestam como quanta em interação.
    A crítica de que, em qualquer procedimento de observação, o observador interfere no comportamento do observado e o modifica, precisa ser qualificada. Esta afirmativa pode ser válida integralmente nos casos polares das partículas subatômicas e das interações entre humanos. Na experimentação sobre as partículas ou na conversa com qualquer interlocutor, não há como se subtrair da interferência direta. No entanto, ao se observar, p. ex., com binóculos, o comportamento de uma ave na natureza, as modificações são de ordem diversa. O objeto ave pode não ser significativamente alterado. Por outro lado, a observação pode ser tendenciosa em decorrência de premissas teóricas do observador. A perspectiva da ciência, de almejar objetividade, seria alcançada a partir da diversidade de observações por investigadores das várias tendências teóricas. As influências dessas tendências poderiam se anular mutuamente, na discussão inter-teórica, e certo grau de objetividade poderia ser alcançado. Permanece a possibilidade de que o consenso obtido seja dependente do contexto histórico, do espírito do tempo ou dos paradigmas vigentes na comunidade científica do momento. Tais vieses somente poderão ser julgados posteriormente, ao longo da história e da sociologia da ciência.

    Abordagem evolutiva
    Enquanto os seres vivos podem ser estudados como tais, em seu funcionamento atual, o entendimento de algumas questões mais profundas exige o conhecimento histórico. A abordagem evolutiva está indelevelmente incorporada ao pensamento biológico e, para o problema em foco, não é possível obter respostas compreensivas sem se aproximar dos estudos sobre a própria origem da célula.
    Evolução é o processo de mudança ou modificação que os objetos apresentam ao longo do tempo (Guimarães, 2004). É necessário colocar-se a questão da vida em relação à sua situação na evolução do universo físico mais amplo.
    O panorama que a cosmologia nos apresenta é de um universo em expansão a partir de situação inicial de matéria e energia condensadas em volume pequeno, e hiper-quentes (Coyne, 2004). A expansão do espaço-tempo foi acompanhada de degradação das formas mais organizadas de energia (p.ex., ondas de maior freqüência e menor amplitude, mais direcionais) para a térmica, a menos organizada (ondas de freqüência menor e maior amplitude, menos direcionais), e com resfriamento progressivo, decorrente da dispersão do calor no espaço-tempo.
    A expansão cria o espaço-tempo e dispersa energia, resfriando-se.
    Os sistemas vivos são organizações de matéria onde a dissipação de energia é acelerada.
    O percurso de resfriamento possibilitou o surgimento de alguns focos ou locais, onde a matéria pode se organizar, em evolução no sentido oposto ao da energia. A evolução da matéria inorgânica (no sentido de não biológica) é regida, nos sistemas mais estáticos, pelas regras de estabilidade simples. Os átomos são descritos pela Tabela Periódica dos Elementos e as moléculas formam conjuntos de enorme diversidade. Dentre esses, os objetos mais complexos podem ser, p. ex., os cristais e as cerâmicas que são organizados, em descrição simplificada, como placas ou lâminas superpostas (Cairns-Smith, 1982).
    Os sistemas dinâmicos formam uma classe onde há participação forte de transformações de energia e produção de trabalho ou movimentos da matéria. Fala-se, p.ex., na dinâmica de fluidos, na eletrodinâmica e na termodinâmica, mas os que interessam ao estudo da vida são da classe chamada de sistemas dissipativos (Prigogine, 1980).
    Esses são especiais pelas características de produzirem estruturas novas e com certa duração, que dependem de consumo acelerado – dissipação – de energia. As estruturas se mantêm enquanto a dissipação perdura. Exemplos simples são as células de convecção e os redemoinhos. As células de convecção se formam, p. ex., quando se aquece por baixo um frasco contendo um líquido. Ao se atingir a temperatura de fervura, formam-se plumas efervescentes. As partes mais quentes sobem pelo centro e, ao alcançarem o topo, se misturam com as partes mais frias e descem pelos lados. O sistema de plumas dissipa a energia e sua forma se mantém enquanto a disponibilidade de energia for mantida.
    O mesmo ocorre com os redemoinhos que se formam sobre gargalos ou sorvedouros de tanques contendo líquidos ou nos ciclones de vento. O movimento das moléculas ou partículas se torna circular, sob influência da rotação da Terra, e afunilado, com vórtice dirigido para o centro de gravidade da Terra. A forma cônica se mantém enquanto as partículas são disponíveis e o movimento dissipa a energia cinética destas. O olho do redemoinho é um centro virtual, um epicentro depreendido da observação do movimento das partículas, chamado de atrator dos movimentos, que desaparece quando se esgotam as partículas e seu movimento. A dinâmica é tanto mais acelerada quanto mais as partículas se aproximam do atrator, o centro com mais forte dissipação.
    Sob a perspectiva energética, o sistema vivo é um sistema molecular dissipativo. Enquadra-se perfeitamente dentro da regra da entropia – de degradação universal das energias, como uma organização de matéria altamente dispendiosa. Assim, contribui localmente para promoção de ordem, mas com relação ao universo maior, participa como acelerador do processo de degradação.
    Sob a perspectiva material, descreve-se o processo biológico – vida – como o processo evolutivo desempenhado pelos seres vivos. Nossas possibilidades explicativas são, no entanto, limitadas, porque só se conhece o caso terreno de sistemas vivos. Todos os seres vivos são células e essas são fundamentalmente homogêneas. A descrição da sua evolução é feita pela teoria filogenética, tentando desenhar uma árvore representativa, enraizada nos filos dos organismos unicelulares (bactérias, protozoários e algumas algas e fungos) e passando para os filos dos multicelulares, estes divididos em plantas, fungos e animais.
    O aspecto mais distintivo dos sistemas vivos é de que, em vez da constituição dos não vivos por placas ou lâminas, eles são constituídos por fios de polímeros, enovelados em ambiente ou espaço tridimensional aquoso. Os fios mais importantes, ‘nobres’ e próprios dos seres vivos são os ácidos nucléicos (DNA e RNA) e as proteínas (Alberts e col., 1994; consulte-se este, que não será mais citado, também para outros detalhes da biologia celular). Sua química é baseada nos elementos que compõem a sigla CHONPS (carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, fósforo e enxofre), que estão dentre os abundantes nos planetas. A água é organizada em si mesma e é o principal agente organizador da conformação espacial dos fios.
    Os esquemas não seguem as escalas de tamanho naturais. Adaptado de Guimarães (2002b).
    A água líquida é estruturada por ligações fracas (não covalentes), derivada da polaridade eletrostática (+ , -) das hidroxilas (-OH) e dos hidrogênios ou prótons (+H).
    Os fios dos polímeros são formados por ligações fortes, covalentes.
    O DNA é um fio duplo em forma de hélice constituído pelas cadeias externas de açúcares e fosfatos. São moléculas hidrofílicas, que interagem amplamente com a água do ambiente, pelas ligações fracas das hidroxilas ou das cargas eletrostáticas (ver Figuras 7 e 17B). As bases não interagem bem com a água (são hidrofóbicas) e são empurradas para o interior. O pareamento complementar das bases, também por ligações fracas, ocupa seus radicais e dificulta outras interações.
    O RNA contém hélices e alças entremeadas. As bases nas alças não estão pareadas entre si e têm maior liberdade de conformação e mobilidade, participando em interações mais variadas.
    Proteínas têm estruturas e reatividades mais diversificadas que os ácidos nucléicos (ver Figura 17A). As hélices são de fios únicos e, mesmo nas fitas justapostas, os radicais dos aminoácidos permanecem disponíveis para interação com outras moléculas. Fitas são, em geral, as porções mais hidrofóbicas e mais internas, e novelos e curvas as mais hidrofílicas e externas.
    As membranas são compostas por proteínas (fios) entremeadas com lipídeos (setas). Estes se acomodam entre as proteínas. O interior da membrana é hidrofóbico, composto pelas caudas dos lipídeos, justapostas uma à outra, e as porções membranais das proteínas. As porções externas e internas destas são hidrofílicas, bem como as cabeças dos lipídeos.
    Os fios se enovelam em relação à água, que penetra em certa quantidade no interior dos novelos, mas é muito mais abundante externamente; os seres vivos têm cerca de 70% de água em sua massa. Outras moléculas pequenas alcançam os componentes dos fios através de difusão na água. A conformação dos fios é plástica e dinâmica, com a mobilidade e a flexibilidade de um gel. Uma imagem da dinâmica dos fios seria a de tremulação, termo que tomo emprestado do título do filme ‘Carne Trêmula’, de Pedro Almodóvar.

    Sistemas metabólicos
    Os seres vivos podem ser descritos como sistemas metabólicos individualizados (Guimarães, 2002a, b). Os fios de polímeros enovelados são os componentes ou constituintes estruturais e funcionais do sistema. Apresentam coesão ou adesão entre si, de modo que os indivíduos formam glóbulos arredondados. A fronteira é intrínseca, constituída por esses mesmos componentes, mas por seus segmentos com menor acesso à água (chamados hidrofóbicos). É uma superfície semi-permeável, que apresenta seletividade na passagem de moléculas pequenas.
    O processo metabólico é descrito pelo ciclo de captar insumos do ambiente, transformá-los em constituintes próprios do sistema e retornar produtos ao ambiente.
    Assim, pode-se dizer que viver é metabolizar. Estar feliz é metabolizar a contento, navegar no balanço delicado entre os extremos de pressões ou bloqueios, sejam endógenos ou exógenos. O conceito de metabolismo inclui o processo de transformação, de modo que pelo menos alguns componentes internos são necessariamente distintos dos externos e produzidos pelo próprio sistema.
    Considerações sobre o componente ambiental são, também, da borda com as lingüístico-filosóficas (Lewontin, 2000). O ambiente é imprescindível e o vínculo ambiente-sistema metabólico indissolúvel, mas a equivalência dos dois interagentes não pode ser radicalizada para todas situações.
    A descrição da fisiologia clássica é centrífuga (setas grossas). No entanto, a rede metabólica também recebe informação do ambiente, que participa de sua configuração e influencia os comportamentos de todos componentes (setas finas). O esquema em forma de cascas de cebola é um tipo de hiper-ciclo, indicando que o sistema vivo é composto de subsistemas embutidos sucessivamente dentro de outros maiores. Adaptado de Guimarães (1996).
    Para o caso dos organismos autotróficos, o ambiente pode ser muito simples e somente inorgânico: eles podem realizar toda a síntese de matéria orgânica a partir de água, gases e minerais do ambiente. Assim, a interação é intensamente desviada para o lado orgânico e o ambiente físico pode ser considerado quase inerte e pouco reativo, desde que é proporcionalmente enorme (energia da Terra ou do Sol mais água e minerais dos oceanos).
    O outro extremo pode ser tomado da analogia com as atividades interativas dos indivíduos humanos com a sociedade. Captamos informações sobre o ambiente físico, biológico e social, as recombinamos com as nossas e as transformamos, e retornamos comportamentos ao ambiente. Neste caso o vínculo é plenamente bidirecional e de igual peso em ambas direções. Nós ajudamos na formação da sociedade e esta ajuda na nossa formação. A sociedade depende dos indivíduos e estes dependem dela. Não há como nos humanizarmos sem estarmos inseridos em uma sociedade.
    Várias outras conseqüências são depreendidas da definição acima. Os seres vivos são indivíduos, de modo que não se deve falar em vida difusa no universo. As fronteiras de uma célula, suas membranas, são feitas por elas mesmas, de modo que sistemas metabólicos com fronteiras artificiais, como as paredes de tubos de ensaios dos químicos, podem ser considerados modelos. Alguns desses podem ser considerados sistemas vivos artificiais, sem maiores restrições. O processo de produzir-se a si mesmo, bem ilustrado no caso dos autotróficos, pode ser chamado de autopoiese, ainda que não seja necessário adotar-se toda a teorização desenvolvida pelos proponentes deste belo termo (Maturana e Varela, 1980).
    Um aspecto importante da definição de sistema metabólico é de que ele precisa estar em atividade constante. Assim, a dinâmica é a vida do sistema. Um eritrócito, enquanto se mantém íntegro, capaz de captar glicose e fermentá-la, obtendo materiais redutores e ATP, permanece vivo até que sua membrana estoure. Sementes secas, como as recuperadas de tumbas de faraós, após milênios de conservação, ou células congeladas, devem permanecer vivas, ainda que em atividade mínima. Retorno ao auxílio fornecido pela física, dizendo que mesmo à temperatura de zero absoluto as partículas subatômicas mantêm algum grau de atividade.
    Dinâmica
    Viver é estar em atividade de síntese contínua dos componentes do sistema, em dinâmica constante. Como tal atividade se mantém? Nos sistemas de transformações moleculares, as sínteses são chamadas de anabolismo e as degradações de catabolismo.
    A química demonstra que todas reações de transformação são essencialmente
    reversíveis: a  b. Se a transformação de a em b é favorecida, p. ex., por condições energéticas, a concentração de b se eleva, o que força a transformação reversa, de b em a. Assim, obtém-se estado de equilíbrio dinâmico ou de estagnação, no vai e vem das transformações. Isso indica que a predominância do anabolismo, com direcionamento para síntese em vez de para degradação, não ocorre espontaneamente.
    A explicação para o excesso anabólico e o comportamento expansivo dos seres vivos, no sentido de crescimento e de complexidade, é surpreendentemente simples. O anabolismo é propelido (1) pelo catabolismo e (2) pelas transformações sucessivas dos produtos das sínteses.
    Cumpre-se assim, alcançando a simplicidade, um dos preceitos democráticos e outro dos minimalistas da ciência (por certo, de qualquer área de estudo), de banalizar ou tornar trivial uma parte do conhecimento. O conhecimento que alcançou clareza e firmeza poderia ser facilmente distribuído e compartilhado por todos. Permanecemos ocupados com os problemas maiores, como o do sentido existencial e os dos valores e da ética.
    O segredo da evolução, com produção de complexidade, é a própria fragilidade dos componentes dos seres vivos, e mesmo a individualização do sistema passa a ser entendida como necessária para a propulsão. Um dos percursos da complexidade foi de tornar o sistema fortemente dissipativo, ávido por energia e matéria.
    Fragilidade
    É intrigante a percepção de como são importantes para a dinâmica vital, várias contradições do tipo dialético (Engels, 1940; uma vertente moderna da lógica, a para-consistente, prefere o termo inconsistências). As contradições configuram as tensões ou conflitos entre forças opostas cuja resolução pode levar à produção de novidades. A fragilidade das biomoléculas é intrínseca delas e, portanto, também a sua conseqüência propulsora; esta seria a tão procurada força ‘vital’ endógena.
    Talvez a mais primordial das condições de fragilidade tenha sido promovida pela própria água (Rizzotti, 2000). Por um lado, o hidrogênio da água é necessário para síntese de matéria orgânica, com redução ou hidrogenação de CO2. A água pode ser obtida do ambiente, mas é também produzida internamente, seja na respiração que oxida a matéria orgânica ou nas reações de síntese ou polimerização das proteínas e dos ácidos nucléicos. A síntese desses polímeros exige introdução de energia e, por isso, não ocorre espontaneamente, sendo dependente de catálise por enzimas.

    Proteínas são cadeias de aminoácidos unidos por ligações peptídicas -CO-NH-, pela atividade de transferase, dos ribossomos. O primeiro aminoácido tem a amina livre (NH2) e o último tem a carboxila (COOH) livre. A especificidade da proteína decorre da ordem seqüencial das porções laterais R1 – Rn que corresponde, por tradução conforme o código genético, à ordem das bases nos genes. O processo de entrada ou saída de água, respectivamente, na síntese ou na degradação (hidrólise) da ligação peptídica, é indicado pela seta dupla. A síntese despende energia mas a hidrólise pode ser espontânea.
    Ácidos nucléicos são polímeros de nucleotídeos, unidos pela atividade de polimerase ou replicase. O primeiro nucleotídeo mantém o trifosfato unido ao carbono 5’do açúcar (-P-O-C5’) e pode ser o ATP, quando a base é adenina. Nas ligações internas, um fosfato une o carbono 3’ do açúcar anterior ao 5’ do seguinte (C3’-O-P-O-C5’). O último açúcar da cadeia tem a hidroxila 3’ livre. Para cada união açúcar-fosfato ou entre fosfatos, uma molécula de água é liberada, com dispêndio de energia. A liberação de água na formação da ligação marcada pela seta dupla (C3’-O-P-) ocorre em etapa anterior, acoplada à reação apresentada. Cada nucleotídeo tem, ainda, uma base (de N1 a Nn) ligada ao carbono 1’. As bases são encadeadas em ordem específica para cada gene. A seta dupla no centro indica a polimerização, com saída de água, ou a hidrólise. As setas à direita indicam outras possibilidades de hidrólise. A hidrólise do RNA é facilitada pela interação da hidroxila no carbono 2’ do açúcar com o fosfato (linha tracejada); o DNA é mais estável por não possuir esta hidroxila.
    Por outro lado, a reação reversa, de degradação, é feita pela introdução de moléculas de água, quebrando as ligações, em reação chamada de hidrólise. Esta reação não despende energia e, desde que a água é abundante no ambiente celular, pode forçar a hidrólise espontânea – independente de enzimas – com eficiência variável.
    O oxigênio da água é subproduto da fotossíntese, mas é tóxico para alguns organismos, chamados anaeróbicos. Nos aeróbicos, o oxigênio é utilizado na respiração mas esta produz radicais ativos tóxicos. Assim, do mesmo modo como nas polimerizações, a água é tanto a tese como a antítese, o bom e o ruim. O malefício que a água causou aos sistemas metabólicos que se tornaram vivos foi a própria causa do impulso fornecido à sua evolução, de incrementar o anabolismo. O catabolismo espontâneo pode até ser de baixa intensidade, mas está sempre presente e vence, pela constância e teimosia; no entanto, puxa o anabolismo.
    Pode-se, então, propor que um dos primeiros aprendizados que a célula teve que desenvolver foi o de substituir e repor as moléculas danificadas. Logo, viver é sempre se recompor, refazer, reconstituir. Vive-se na dinâmica do sistema até que, um dia, o sistema morre: a dinâmica se esvai e se esgota irrecuperavelmente.
    Um aprendizado seguinte, agora modificando a degradação em transformação, foi o de alongar as cadeias metabólicas.
    Os componentes (A, B etc.) são macromoléculas, p.ex., enzimas, que se comunicam (setas) por moléculas pequenas, chamadas de substratos (elementos de entrada) e produtos (elementos de saída). Os produtos de uma enzima são substratos para outras.
    Quando um produto (p.ex., o da enzima A) é transformado em outro (pela enzima B), o resultado é o mesmo que seria obtido pela degradação do primeiro. Este procedimento pode ser desenvolvido de duas maneiras: (1) os produtos são transformados em outros até que estes se tornam secreções ou excreções, sendo expelidos para fora da célula; (2) os produtos de transformação podem ser acumulados em outra forma na célula, p.ex., como suas estruturas ou como estoques de matéria que poderá ser utilizada posteriormente, resultando em crescimento.
    A força catabólica que propele e direciona o metabolismo no sentido anabólico é como a do vácuo, que suga em sua direção. Podem ser feitas analogias com os desejos da psicanálise ou com a topologia, esta indicando que os movimentos ocorrem sempre no sentido de cair, a favor do gradiente energético ou pelo caminho mais fácil. Assim, não há uma força vital nova, mas as mesmas de sempre, as tradicionais da física.
    As tentativas de se encontrar alguma força de sentido positivo que poderia ter impulsionado o anabolismo primordial, por si mesma, não têm se mostrado convincentes. São importantes contribuições para identificar fontes de compostos energéticos, necessários para sustentação do anabolismo, mas não parecem ser capazes de atingir concentrações suficientes para impulsioná-lo, nas condições pré-bióticas. Alguns dos principais avanços nessa área são: do metabolismo do pirofosfato (-O-PO-O-PO-O-; Baltscheffsky, 2001), remetendo à importância energética primordial dos fosfatos dos nucleotídeos, que formam ésteres com oxigênio dos ésteres de enxofre (tioésteres; De Duve, 1991), remetendo à importância do acetil-coenzima A (CH3-CO-S-), situado no limiar entre a fermentação e a respiração; do suportado pela pirita (FeS2; Wächstershäuser, 2000), baseado nas transformações energéticas mediadas pelo enxofre e pelo ferro.
    A identificação da força catabólica indica mais uma explicação para o benefício de se enclausurar o sistema através da formação de fronteiras semi-permeáveis. A excreção passa a ser vista mais como um mecanismo ativo e propulsor do metabolismo, em vez de ser considerada como necessidade secundária, conseqüente ao acúmulo de substâncias que precisariam ser excluídas do interior do sistema. Indica-se a favor da primeira proposta que a excreção é, em geral, ativa e ocorre mesmo com concentrações baixas dos produtos, não se encontrando os acúmulos que a segunda hipótese exige.
    Outra função da excreção pode ser a de completar o ciclo das interações com o ambiente. Desde a origem dos primeiros seres vivos, o ambiente físico terreno passou a ser intensamente modificado e se tornou, cada vez mais, biológico. Um aspecto auto-alimentador se tornou importante, ainda que contraditório, instalado após a fotossíntese abundante e o acúmulo atmosférico de oxigênio e de ozônio. A fotossíntese foi importante para produção eficiente de matéria orgânica, mas levou a acúmulo atmosférico de oxigênio que é tóxico. Dentre os organismos anaeróbicos, alguns sobrevivem em ambientes protegidos. Por outro lado, o oxigênio levou à formação da camada de ozônio, que retém boa parte da radiação ultravioleta solar e é protetora dos seres vivos em geral.
    Assim, as pressões para evoluir complexidade foram tanto as de resolver contradições internas como as de resolver as dificuldades de interação com o ambiente externo.

    Crescimento
    A indicação de que a predominância anabólica é caráter intrínseco do sistema metabólico (ver Canguilhem, 1966) torna desnecessária a hipótese de que os fenótipos tenham sido selecionados a ponto de gerar os caracteres acumuladores, em conseqüência de modos de vida onde a escassez alimentar era freqüente.
    Caracteriza-se, também, o modo de crescimento dos seres vivos que difere fundamentalmente do apresentado pelos cristais. Estes crescem por fora, por aposição ou adsorção, superpondo placas umas sobre as outras ou alongando-as. No metabolismo, o crescimento é por produção e deposição interna, por dentro, como que ‘engordando’. Viver é crescer por dentro. Há um termo equivalente, já consagrado nos dicionários – intussuscepção, mas que não parece soar agradavelmente.

    Plasticidade
    O termo plasticidade indica que os seres vivos são adaptativos e evolutivos. Refere-se à adaptação quando o sistema consegue ajustar e acomodar suas atividades às variações de contexto. O termo evolução indica o aspecto temporal, de que os ajustes ocorrem ao longo do tempo. No entanto, em geral, seu uso é restrito às modificações mais estáveis e em recortes mais nítidos, como na formação de novas espécies, na evolução filogenética. O processo de crescimento individual, que é comumente referido por não biólogos como evolução, recebe, em biologia, a denominação de desenvolvimento ou ontogênese (Pereira Jr e col., 1996).
    Um primeiro componente da plasticidade biológica deriva da constituição de seus polímeros nobres, especialmente proteínas e RNA, como fios enovelados. Sua conformação espacial é dinâmica e sensível a contextos de modo que apresenta maleabilidade e flexibilidade ou graus de liberdade. Por isso, também suas funções também podem variar, dentro de limites (Kirkwood e col., 1986). Assim, as funções podem ser reguladas e moduladas, enzimas podem aceitar substratos alternativos a seus normais, como os medicamentos, e produzir resultados não estritamente padronizados ou constantes.
    Quando os produtos de enzimas são, p. ex., as cadeias poliméricas que são continuamente repostas e acumuladas, como na transcrição de RNA ou na tradução – síntese de proteínas, essas macromoléculas formarão populações, ou seja, conjuntos contendo variantes, com certo grau de heterogeneidade entre os indivíduos. Esta é a primeira instância da formação de biodiversidade. Diz-se que os membros das populações moleculares de uma célula apresentam redundância parcial, ainda que em grau menor do que nas populações de indivíduos de uma espécie. A plasticidade do sistema é, então, ampliada: além da flexibilidade de cada molécula, há a provida pela heterogeneidade populacional de suas estruturas. A observação de que a homogeneidade excessiva reduz o potencial adaptativo e evolutivo das espécies indica que a estabilidade dos sistemas depende de uma dinâmica que é favorecida pela variabilidade dos componentes.
    A plasticidade é, novamente, interpretável sob o ponto de vista das contradições. É essencial para garantir a dinâmica viva do sistema metabólico ou a saúde adaptativa do sistema ao longo dos desafios no percurso, de modo que a variação é benéfica. No entanto, a mesma variação pode ser considerada como erro, partindo do princípio de que a função de uma enzima teria que ser perfeita ou da observação de que algumas variantes produzem doenças.
    Obtém-se acordo entre as visões distintas com a asserção de que a perfeição não existe na natureza e que é conceito idealizado. A variação é, portanto, condição necessária, inevitável, e a riqueza que permite a adaptação e a evolução. Ocasionalmente, algumas variações produzem defeitos e doenças. A discórdia decorre de interpretações sob perspectivas axiológicas diferentes: por um lado, a médica ou tecnológica, que almeja a normalidade ou o controle de qualidade; por outro, a biológica, que pretende não valorizar os tipos de variantes, dizendo que todas podem ser importantes, apesar de algumas produzirem malefícios, que podem ser contextuais ou ocasionais. Jaças em minerais preciosos, geralmente, reduzem seu valor; em biologia, às vezes sim, outras vezes não.
    Crescei e multiplicai
    Os limites aos volumes celulares são amplos, mas as células muito grandes precisam de sustentação por fibras internas ou paredes especiais, como as de celulose nas plantas. Antes do desenvolvimento de tais estruturas de sustentação, os glóbulos tinham que se manter coesos somente pelas forças de adesão entre as macromoléculas. A resistência da fronteira é a porção mais crítica para a integridade do glóbulo. A física descreve essa resistência como a força de tensão superficial, que sustenta o glóbulo até certos limites de volume e tempo, ao modo das bolhas de sabão em contato com o ar ou de gotas de óleo suspensas em água.
    Assim, um glóbulo não consegue se manter íntegro em crescimento contínuo. Ultrapassado o limite da força de tensão superficial, a água do ambiente força seu caminho pelo interior do agregado e o divide. Esse processo de fissão não é necessariamente igualitário e constitui uma forma simples de reprodução. As células filhas serão semelhantes à mãe porque esta contém muitas redundâncias nas populações moleculares, o que é uma forma simples e probabilista de herança. Mesmo nas células de hoje, a divisão do citoplasma segue esses princípios.
    Ácidos nucléicos são moléculas replicantes. A largura da hélice é constante porque os pares de bases são sempre de uma purina com uma pirimidina. A forquilha corresponde a um dos vértices das bolhas de replicação. Células são sistemas reprodutivos. Os componentes citoplásmicos são repartidos estatisticamente entre as células filhas. Os cromossomos têm repartição mais regular, auxiliada pelas fibras do fuso.
    Deste ponto em diante, o processo se tornou cíclico e gerador de mais diversidade. . . – crescer – dividir – crescer – dividir – . . .

    Estabilidade (1). Memória em ciclos
    Os sistemas metabólicos são tradicionalmente apresentados pela bioquímica na forma de mapas bidimensionais, parecidos com os circuitos integrados dos equipamentos eletrônicos. Em geral, apresentam-se esquemas das estruturas dos substratos e produtos das enzimas, enquanto que estas são representadas por setas, somente indicando a transformação, desde que seus nomes técnicos são complicados. Os mapas adquiriram tamanha complexidade que os estudantes até os chamam de mapas ‘diabólicos’ em vez de metabólicos.
    Um mapa simplificado é apresentado, que examinamos segundo os preceitos indicados pelos estudos das redes de comunicação. As redes conhecidas pelo público geral são descritas como tecidos formados por fios entrecruzados.

    Um mapa metabólico simplificado. Adaptado de Alberts e col. (1994).

    Nas redes de comunicação, os mapas são construídos de modo diferente, também em relação ao modo tradicional da bioquímica. Os componentes que se comunicam estão nos cruzamentos (enzimas, pontos de interseção; nós) e a comunicação (interação) entre eles é representada pelos fios (como conexões ou ‘colas’; arcos). Os sistemas de componentes interativos são muito complexos, de modo que seu estudo prático é difícil. Por isso, parte significativa do avanço em seu entendimento tem dependido de modelagens computacionais (Solé e col., 1999; Palazzo, 1999; Kauffman, 1995).

    Em vez de fios entrecruzados, como nas redes de tecelagem, os sistemas são formados por componentes, situados nos nós (o), conectados por interações (arcos, linhas pontilhadas). As redes de triângulos são mais simples do que as de retângulos, quanto ao número de componentes em cada polígono. Nos modelos, cada componente pode interagir diretamente com todos seus vizinhos imediatos e indiretamente com todos outros da rede. As interações podem receber pesos, indicando ausência (peso zero), ocorrência irrestrita (peso 1) ou modulada (pesos intermediários).
    A aplicação desses modelos é muito ampla, se estendendo para, p.ex., os ecossistemas, onde as espécies são os componentes biológicos; as redes sinápticas, onde os componentes são os neurônios; células e órgãos de organismos que são integrados em sistemas funcionais através de hormônios ou outros tipos de efetores. Aspecto saliente do comportamento das redes é a estabilidade da sua organização e o funcionamento como uma coletividade integrada, que forma uma unidade de fato e de pleno direito. A biologia estuda tradicionalmente a estabilidade com enfoque predominante na genética, que se refere aos indivíduos ou componentes. Não se pretende diminuir o papel da genética, mas ampliar os modos de estudo de sua participação na formação da rede metabólica. Não é razoável esperar que genes singulares serão encontrados, dedicados especialmente à formação das redes ou à integração de coletividades. Tais propriedades são funções das interações entre os membros dos conjuntos. O enfoque agora recai sobre os processos sistêmicos, p.ex., de homeostase – objeto tradicional da fisiologia, o processo de se manter funções em níveis adequados através das flutuações, ou a resiliência – objeto fundamental da ecologia, o processo de se manter algum tipo de equilíbrio em sistemas que sofrem perturbações.
    Um sistema metabólico pode ser considerado um aspecto do fenótipo: o sistema corporal manifestado no indivíduo, em oposição ao genótipo, o conjunto de genes. Algumas características de sua estabilidade merecem destaque. A rede de interações é formada após a expressão dos genes e, neste processo chamado epigenético, muitas novas influências contextuais são incorporadas. O mesmo genoma pode resultar em fenótipos distintos, p.ex., os diversos tipos celulares diferenciados ou os clones e gêmeos monozigóticos. Esses fenótipos particulares e o fenótipo orgânico global apresentam estabilidade surpreendente, como as centenas de anos em alguns animais e milhares nas sequóias e oliveiras. Por outro lado, genomas distintos de uma espécie resultam sempre no padrão da espécie, com diversidade limitada.
    O mapa metabólico esquematizado contém cerca de 500 componentes, o que poderia ser comparado, p.ex., com os 400-500 genes de micoplasmas, as menores células conhecidas. As bactérias de vida livre têm cerca de 3000-4000 genes. Estima-se que nas células de animais, cerca de 10000 genes estão sendo expressos. Uma cadeia linear e um ciclo, essenciais para quase todas as células, são destacados (linhas grossas): a cadeia é da transformação de glicose em piruvato (glicólise ou via de fermentação, anaeróbica), com o desvio intermediário para a via das pentoses, e o ciclo é o do citrato, iniciado pela transformação de piruvato em acetato, este unido à coenzima A. O acetato é unido a oxalacetato, formando citrato. Após mais 9 passos realizados por outras 7 enzimas, no interior da mitocôndria, produz-se novamente o oxalacetato. Note-se a enorme diversidade de outras conexões desses componentes com outras vias e ciclos.
    Os dois tipos básicos de estruturas, as cadeias lineares e os arranjos cíclicos, são os principais modos de organização das redes. Já examinamos algumas propriedades das primeiras, muito importantes para conferir dinâmica direcional ao sistema. No entanto, acrescenta-se que, isoladamente, são dispersivas, encaminhando-se de seus inícios para os fins, e não são adequadas para produção de estabilidade, podendo até se contrapor a esta quando, p.ex., esgotam substratos. Pelo contrário, são importantes para conectar ciclos e formar hiper-ciclos.
    A estabilidade reside, então, em propriedades dos ciclos. O caráter importante da estabilidade é que não decorre, necessariamente, do ciclo se configurar como um objeto material. Há ambas possibilidades, (1) material e (2) dinâmica, de formação dos ciclos.
    (1) Alguns segmentos de ciclos, contendo vários componentes, podem ocorrer como complexos em que os componentes estão ligados entre si, p.ex., um complexo multienzimático, contendo diversas enzimas ligadas, ou um complexo ribonucleoprotéico (RNP), como o ribossomo, contendo vários RNA e proteínas ligados. Nesses casos, de ligação direta entre componentes dentro de um segmento do ciclo, os arcos entre os componentes são mínimos. No interior do segmento, as conexões são como se as enzimas estivessem em ‘fila indiana’, a transferência dos mediadores se fazendo por contigüidade da mão de uma para a da outra.
    (2) Componentes de outros segmentos podem se comunicar à distância uns dos outros, com mediação por moléculas pequenas que são liberadas para o meio aquoso e alcançam seus alvos através de difusão. São p.ex., as enzimas que se comunicam através de substratos e produtos, ou moléculas ou células reguladoras e reguladas se comunicando através de hormônios ou outros tipos de efetores (Guimarães, 2001). Nesses casos, os arcos são mais longos e mais sujeitos a interferências, porque a conexão é mais frouxa. Os mediadores são ‘jogados’ de um componente para outro através do espaço aquoso, que pode ser irregular e tortuoso.
    Assim, a manutenção da integridade do funcionamento dos ciclos decorre de uma dinâmica auto-referente complexa. Cada quadrícula da trama da rede pode ser um ciclo e qualquer rede pode formar diversos tipos de conexões entre ciclos; assim, as redes podem conter um ou mais hiper-ciclos (Eigen e Schuster, 1979;).
    Cada polígono forma uma estrutura de comunicação cíclica. A rede pode formar diversas configurações de conjuntos cíclicos, sendo chamadas de hiper-ciclos. As setas indicam cadeias lineares que podem conectar ciclos distantes.

    Propriedades dos ciclos
    Estruturas circulares são de grande apelo formal e estético porque sugerem centros virtuais. As mais simples são os triângulos que, passando pelos polígonos mais complexos, chegam ao limite circular. Os tripés são, dentre as correspondentes estruturas de sustentação, os únicos que garantem ausência de claudicação. Por isso, configuram as mandalas, incluindo a que foi adotada pela cristandade, da Santíssima Trindade, a partir da indiana, composta por Brahman, Shiva e Vishnu. Sistemas nucleados por estruturas circulares compõem uma classe, da qual examinamos somente alguns exemplos, com destaque para algumas das propriedades principais.

    Um mínimo de três catalisadores (A-C) é necessário para formar ciclos de realimentação, que se estabilizam. Setas finas indicam interações com outros componentes da rede. , centro virtual. Adaptado de Guimarães (1998).

    São propriedades características das estruturas circulares: a auto-referência, configurada pelo encontro do início com o fim de um segmento de uma cadeia, e o enclausuramento do período temporal correspondente em um novo conjunto.
    Os esquemas se referem a sistemas de comunicação entre os componentes, mediados por moléculas pequenas. Em (B), o produto do componente G passa a interagir com o componente B, fechando um ciclo. No caso do ciclo do citrato o produto de G é igual ao substrato de B, oxaloacetato. Outros ciclos são fechados por mediadores que não são transformados: um produto de uma reação a jusante pode interagir com um componente a montante, em um sítio chamado de alostérico, diferente do catalítico, modulando a atividade deste. Os efetores hormonais são deste tipo, mas são secretados e podem atuar em distâncias maiores. Indica-se a possibilidade de reversibilidade nas interações dentro de alguns tipos de ciclos.
    Várias tradições culturais chegaram à figura do uroboro, como uma cobra que tenta ingerir sua cauda, às vezes dobrada sobre si mesma na figura do número oito em posição horizontal, simbolizando o infinito.
    Indica-se que, dentre outras possibilidades, a estrutura circular é obtida, mais facilmente, por associação entre passos distantes de uma cadeia, desde que apresentem plasticidade suficiente para permitirem a associação, assim iniciando o fechamento do ciclo formando um laço. Enquanto o segmento enlaçado permanece, ele se torna uma unidade que apresenta evolução própria, com co-evolução de seus componentes. Ele pode ser estabilizado por ajustes e revisões internas, com reforço e aumento das especificidades que garantem sua permanência, alcançando situação de coerência interna em que as interações podem ser chamadas de cognitivas.
    Este mecanismo é semelhante ao da construção de sentenças ou argumentos nas linguagens. Os primeiros termos encadeados estabelecem, progressivamente, limites e restrições aos próximos a serem adicionados, até que os últimos são decisivos em indicarem uma situação contextual definida. Na situação específica de se redigir uma sentença, o trabalho demorado de revisão de todos componentes e seu encadeamento se torna óbvio, até que o conjunto integrado esteja satisfatório. Os elementos finais são imprescindíveis e tornam-se definidores do conjunto (Pardini e Guimarães, 1992), e a revisão pode incluir até os termos iniciais. Os componentes inicial e final do segmento circular, ao se incorporarem no ciclo, perdem as conotações anteriores e adquirem valores iguais aos internos. O ciclo é um conjunto com completude funcional, ainda que mantenha as conexões iniciais ou possa formar novas conexões.
    Os ciclos metabólicos que re-aproveitam componentes, como o ciclo do citrato, são energeticamente favorecidos porque são auto-alimentadores e conservadores. Estruturas circulares funcionam como atratores dentro de um sistema, porque são freqüentemente ativados pelas conexões múltiplas que estabelecem com a rede, desde que são compostos por, pelo menos, três elementos. Por isso, podem ser considerados como centros de nucleação das redes, necessários para sua reconstrução após a divisão do citoplasma, e de sedimentação de memórias do sistema, com produção de estabilidade, derivada de sua autonomia dinâmica. Se o ciclo se formou a partir de uma ativação situada no passado, seu funcionamento autônomo ou ativado a partir de interações de quaisquer de seus componentes mimetiza a presença daquele evento anterior, como se o passado estivesse sendo recuperado no presente (Guimarães, 1998, 2002b). A dinâmica precisa ser mantida com repetição continuada; caso contrário, o ciclo se desintegra e se esvai: se o Carnaval não for repetido anualmente, poderá ser esquecido dentro de algum tempo.
    A dinâmica circular pode ser reversível. Esse caráter foi parcialmente explorado ao se comentar sobre a revisão de sentenças, mas perspectiva mais radical pode ser acrescentada, indicando que o ciclo pode ser ativado a partir de qualquer ponto interno que esteja conectado com outros segmentos da rede, e o percurso pode ser seguido em qualquer direção, para frente ou para trás. A memória de um evento passado pode ser recuperada a partir de contextos distintos dos originais. Assim, temporalidades e conexões estranhas podem ser geradas, em relação às costumeiras de uma cadeia de eventos, como ocorre em sonhos. Indica-se que a temporalidade correta, julgada pela situação de vigília, é garantida por interações acessórias neste contexto.
    Os eventos que ocorrem no interior de um ciclo não são nem sincrônicos – ocorrendo em concomitância, nem diacrônicos – seguindo-se em sucessão definida. Os elementos que constituem um recorte temporal demarcado por um início e um fim de um segmento da rede passam a compor uma unidade fechada sobre si mesma. São sugeridos os termos auto ou endocrônico para indicar os aspectos temporais novos. Os ciclos são derivados de um recorte temporal em que os componentes estavam em série, anteriormente à formação do ciclo, mas ao formarem o arranjo circular inauguraram temporalidade nova. Para o aspecto material ou espacial, de que o conjunto dos componentes constitui uma nova entidade, um conjunto integrado em co-evolução, sugere-se o termo consubstanciado.
    Essas considerações indicam uma solução para o antigo dilema do ovo e da galinha. Em geral, este é colocado como a questão de qual surgiu primeiro. Pode-se re-colocar o problema nos termos de que esses dois componentes de uma espécie – mais o galo, formam um ciclo cognitivo.
    O percurso filogenético produz divergências a partir de uma espécie anterior, formando ramificações. A especiação é configurada pela convergência dentro de uma população; os indivíduos se tornam mutuamente coerentes, com partilha cíclica de informação e matéria.
    Eles se definem mutuamente e em convergência, na formação e na manutenção dos ciclos: os ovos geram galinhas – e galos – que geram ovos que geram galinhas – e galos – que geram. . . A ciclagem é endocrônica e um aspecto particular do diacronismo, e a formação dos ovos é uma verdadeira consubstanciação, dos gametas em zigotos e novos indivíduos. Se galinhas chocam ovos de outra espécie, os ciclos são rompidos. A situação filogenética é disjuntiva ou divergente, mas pode propiciar a formação de novos ciclos cognitivos: um parente de um arqueopterix botou um ovo que gerou um parente das galinhas que . . . até que o ciclo cognitivo – galinha e ovo de galinha – se fixou.

    Estabilidade (2). Memória em fios
    Chega-se, agora, à definição de como o componente genético participa da estabilidade dos sistemas metabólicos. O tema chega tardiamente no texto, mas sem indicar menor importância. Os componentes das redes biológicas interativas precisam estar presentes e serem mantidos em atividade. Os indivíduos das espécies que compõem um ecossistema estão se reproduzindo, as sinapses das redes neurais têm suas atividades mantidas pelos neurônios, e as proteínas e ácidos nucléicos dos sistemas metabólicos estão sendo repostos.
    Na investigação sobre a origem dos sistemas metabólicos, um dos pontos-chave é a questão de se obter repetição na formação dos ácidos nucléicos e proteínas, ou seja, de se configurar um sistema genético (no sentido de gerador repetitivo) desde nas condições pré-bióticas até nas biológicas. Esse problema é o principal na pesquisa sobre a origem da vida e pode ser esquematizado conforme a ordem a seguir.
    (a) Mundo dos Monômeros.
    É preciso obter um sistema metabólico basal, pré ou proto-biótico, capaz de produzir repetidamente aminoácidos e nucleotídeos. A obtenção de pelo menos alguns aminoácidos mais simples e estáveis não parece problemática, mas a obtenção de nucleotídeos dos tipos adequados e com eficiência ainda requer avanços. Por isso, indica-se que as proteínas devem ter sido, neste estágio, mais abundantes que os ácidos nucléicos.
    (b) Mundo dos Cristais.
    O sistema deve realizar a polimerização de seqüências pequenas de proteínas e RNA, p. ex., entre 20 e 100 unidades,. Os procedimentos mais promissores têm indicado que cristais contidos em argilas, p. ex., a montmorilonita, podem ser eficientes em dirigir tais sínteses (Ferris e col., 1996). As argilas são hidratáveis e os monômeros são concentrados e adequadamente adsorvidos a suas superfícies, com aproximação mútua, de modo que a formação de cadeias é favorecida.
    Além de facilitar a polimerização de ambos polímeros, a regularidade dos radicais expostos na superfície mineral pode também influenciar a ordenação de seqüências nos polímeros. Assim, sugere-se que uma ordem mineral serviu de base para a ordem biológica primitiva.
    (c) Mundo Ribonucleoprotéico (RNP) pré-biótico.
    Proteínas e RNA se associam espontaneamente. Indica-se que, sendo esses polímeros modelados sobre as mesmas superfícies, deverão apresentar bom potencial de adequação mútua. Esta afinidade derivada de marcas impressas por origem comum remete a analogias com a proposta da física quântica de que partículas subatômicas derivadas da mesma fonte parecem manter coerência mútua nas reações a perturbações, como se estivessem se comunicando à distância, de modo ainda enigmático.
    Inicia-se, então, processo de ajustes estruturais no sistema de fios entrelaçados, com sua progressiva liberação do mundo inorgânico e seguindo seus próprios rumos evolutivos. Passo inicial deve ter sido de simples ligação entre proteínas e RNA. Sendo os RNA sempre instáveis, as proteínas ligantes de RNA devem ter contribuído, inicialmente, com sua estabilidade intrínseca e, ao estarem ligadas aos RNA, com a promoção da estabilidade destes, enquanto associados em ribonucleoproteínas (Guimarães e Moreira, 2002, 2004). O desenvolvimento da monoquiralidade, com aminoácidos protéicos levógiros (desviando a luz polarizada para a esquerda) e açúcares nucleotídicos destrógiros (desviando a luz polarizada para a direita), deve ter se iniciado neste estágio.
    (d) Mundo do RNA.
    Desenvolve-se a atividade de replicação de RNA, com repetição agora obtida de modo independente dos modelos inorgânicos, e os RNA se tornam mais abundantes. Estudos recentes exploram as atividades catalíticas de alguns RNA, chamados de ribozimas, e indicam a possibilidade de que algumas ribozimas podem ser auto-replicantes. Configura-se, então, a hipótese de que os RNA poderiam ter evoluído diversas atividades próprias, com independência da participação das enzimas protéicas. Segundo esta hipótese, o Mundo do DNA (estágio f) e das proteínas, típico das células atuais, onde a grande maioria das atividades é realizada pelas proteínas, teria sido precedido pelo Mundo do RNA (Schmidt, 1999; Johnston e col., 2001). A fixação da simplicidade estrutural dos ácidos nucléicos, com dois pares de bases, deve ter ocorrido neste estágio (d).
    Não é ainda possível avaliar quão fortes eram, em estágio precoce da evolução do sistema metabólico, as contribuições relativas dos RNA e das proteínas na composição das funções. Nossa avaliação indica que, mesmo que tenha sido imprescindível uma contribuição seminal dos RNA e das ribozimas, o proposto Mundo do RNA não deve ter sido autônomo ou independente da contribuição das proteínas. Os aminoácidos são muito simples e devem ter sido abundantes muito antes que os nucleotídeos. As proteínas devem ter sido necessárias desde o início provendo, no mínimo, a estabilização dos RNA e propiciando ou facilitando suas funções no sistema, que deve ter sido sempre RNP (Guimarães, 1994b). Há exemplos de células vivas constituídas somente por proteínas ou por ribonucleoproteínas.
    Os eritrócitos são sistemas somente protéicos, com interior claro e homogêneo. Os reticulócitos são sistemas ribonucleoprotéicos, com grumos internos escuros. Adaptado de Guimarães (2002b).
    São modelos para o estudo de origem da vida em laboratório, mas não é possível avaliar o significado destas para as tentativas de reconstrução da origem da vida na história natural.
    (e) Mundo do Código Genético.
    Este é o mundo biológico de fato e de pleno direito, o mundo da bioquímica propriamente dita. Surgiu quando um novo vínculo nucleoprotéico se formou, baseado no código genético, mas assentado sobre e em consistência com o vínculo anterior, da estabilização dos RNA pelas proteínas.
    (A) Aminoácidos. A estrutura não específica é composta pelo carbono central ao qual se ligam três radicais constantes: um H, um grupo básico (amina, -NH2) e um grupo ácido (carboxila, -COOH). A cadeia lateral (R) é específica, com vinte tipos; os últimos quatro são aromáticos, dois deles nitrogenados. As massas moleculares vão de 75 (Glicina) a 204 (Triptofano), com média em cerca de 130.
    (B) Tripletos de nucleotídeos de RNA. Cada nucleotídeo é composto por um nucleosídeo (base e açúcar) e um fosfato (P). As 4 bases (aromáticas e nitrogenadas) formam a parte específica, com 64 combinações possíveis nos tripletos de códons. A massa molecular dos tripletos é de aproximadamente 1000, cerca de 8 vezes a do aminoácido médio. O esquema mostra duas purinas lateralmente com uma pirimidina no centro; somente a estrutura comum aos dois tipos é apresentada: a purina tem dois anéis e a pirimidina tem um, semelhante ao maior da purina. Três códons são lidos por proteínas terminadoras da tradução. Os outros 61 são lidos por um máximo de 45 tRNA para os 20 aminoácidos.
    Assim, o vínculo é mútuo e bidirecional, do tipo cíclico.
    (A) Os genes são traduzidos na síntese de proteínas. Estas se ligam aos genes, os estabilizam e participam do processo de sua replicação e tradução.
    (B) Genes e produtos são definidos mútua e concomitantemente, no evento associativo e cognitivo que formou o sistema genético. Antes da associação, os ácidos nucléicos geradores de proteínas codificadas não estavam integrados em um sistema de interdependência. Ver Guimarães e Moreira (2002).
    Na ligação,
    os RNA, surpresos, ‘dizem’ às proteínas: vocês são minha vida!
    estas, também surpresas, ‘dizem’ aos RNA: vocês são meus genes!
    Em todos passos, proteínas e RNA formam conjuntos heterogêneos (espaços de variação), dentre os quais alguns componentes desenvolveram as propriedades referidas. No contexto proto-biótico os componentes têm origem paralela, mas sua convergência, formando as RNP proto-bióticas seminais, é facilitada por modelagem realizada pelas superfícies dos mesmos tipos de cristais. No sistema biótico ou genético, acrescenta-se às replicases e transferases, o código genético, pela atividade de sintetase. A configuração é cíclica, auto-alimentadora e auto-referente: as proteínas codificadas são incorporadas como componentes do sistema que as produz; a ligação núcleo-protéica é cognitiva, unindo as proteínas produzidas aos mesmos RNA que as produziram e, então, estes se tornam genes.
    O tipo de ciclo formado pela incorporação das proteínas ao sistema que as produz é diferente dos ciclos de comunicação por moléculas pequenas. As proteínas se tornam novos componentes nobres do sistema, que cresceu em complexidade e plasticidade. Inicialmente, se ligam aos RNA e auxiliam nas suas funções: o processo é de composição dos complexos RNP ou de consubstanciação das novas entidades RNP. Os RNA identificados pelas proteínas como produtores delas foram estabilizados e, então, se formou o sistema genético; os RNA se tornaram genes, vinculados bi-direcionalmente às proteínas que eles produziram. Esse tipo de estratégia que fundou o sistema biológico poderia ser de utilidade tecnológica, na construção de sistemas que aprendem e evoluem: quando um produto é benéfico para o sistema ele é incorporado e ao mesmo tempo fixa sua memória.
    Posteriormente, as proteínas assumiram grande parte das funções celulares podendo, inclusive, ter substituído algumas que eram anteriormente cumpridas pelos RNA. No momento atual, é aparente que a maior parte das funções são cumpridas pelas proteínas, mas o papel dos RNA ainda está sendo desvendado e catalogado, não sendo possível avaliar com segurança sua amplitude.
    O código genético é o sistema de correspondências entre as letras dos biopolímeros nobres. Nos ácidos nucléicos, as letras são agora tripletos de bases (códons) e, nas proteínas, as letras são os aminoácidos, de modo que uma seqüência de tripletos no material genético corresponde a uma seqüência de aminoácidos na proteína. Completa-se a série mínima ‘um, dois, três’ da simplicidade em que se baseia a biologia: a monoquiralidade dos biopolímeros, os dois pares de bases dos ácidos nucléicos e os tripletos dos códons. As seqüências dos fios genéticos são traduzidas nas dos fios protéicos.
    Cada aminoácido é ligado a um RNA pequeno (RNA de transferência, tRNA) que contém em sua molécula um tripleto (anticódon) correspondente ao aminoácido. Esses tripletos são encadeados seqüencialmente sobre os tripletos correspondentes (códons) de outro RNA (RNA mensageiro, mRNA), que é um gene ou uma cópia dos genes de DNA dos cromossomos. Os aminoácidos são, então, liberados dos tRNA e unidos uns aos outros, formando a proteína. Um modelo mínimo, para a construção do código, exige a presença de tRNA, que pode ser pequeno mas já é um polímero; nas células, os tRNA têm, em média, 76 nucleotídeos. Maiores detalhes sobre a formação do código genético podem ser obtidos em Guimarães e Moreira (2004).
    A repetição garantida pelo sistema genético é muito forte, desde que os genes são replicados e copiados com elevada fidelidade, assim mantendo a memória, e o código também apresenta grau elevado de segurança. Por isso, há boa garantia de que as redes formadas a partir de sistemas genéticos sejam estáveis e reproduzíveis.
    Indica-se, então, que um sistema metabólico anterior ao código genético (estágios a-d) foi necessário, fornecendo sustentação material e energética para que os polímeros pudessem ser produzidos e iniciassem a construção do código (estágio e).
    A seta dupla indica a temporalidade própria do sistema metabólico e a inferior a temporalidade do ambiente externo. As setas bidirecionais indicam as interações com o ambiente. O subsistema genético (triângulo) deriva do metabolismo a partir de um mecanismo primordial de síntese de proteínas, que se tornou o sistema de tradução. Com a associação das proteínas aos RNA, estes se tornaram genes e passaram a dirigir a tradução. Adaptado de Guimarães (2004).
    (f) Mundo do DNA
    Considera-se atualmente que a entrada de DNA no sistema foi posterior à do RNA. Os dois tipos de ácidos nucléicos são quimicamente sinônimos mas a estrutura muito estável do DNA é mais adequada para a função de memória enquanto que, pelo mesmo motivo, inadequada para ter participado funcionalmente do sistema em formação. A estrutura do RNA é adequada para obtenção de certo grau de funcionalidade catalítica, pelas alças e pela hidroxila no carbono 2’ mas, em decorrência desses mesmos caracteres, apresenta instabilidade. Esta contradição, no RNA, forçou a introdução do DNA e das proteínas no sistema. A instabilidade foi superada, inicialmente, pela ligação com proteínas e depois pela introdução do DNA. Desde que as letras elementares no RNA são somente as quatro bases, suas funções catalíticas limitadas foram, também, superadas pelas proteínas, que têm vinte letras.
    Estas adições foram muito importantes geradoras da complexidade e da propriedade expansiva do sistema biológico. Indica-se que os estágios pré-DNA e pré-proteínas codificadas devem ter sido muito lentos. A expansão possibilitada pela introdução da memória de DNA e da catálise por proteínas codificadas pode ter sido muito rápida, justificando chamar-se o evento como parte importante do ‘Big Bio Bang’.
    Depois de instalado o sistema de codificação, é possível que muitas modificações tenham sido introduzidas em todos componentes, através de evolução própria do novo tipo de ciclo. No entanto, é pouco provável que a bioquímica tenha se tornado inteiramente diferente da porção da química pré-biótica que é considerada relevante e precursora da bioquímica – a química proto-biótica. A perspectiva de princípios é de, pelo menos congruência e, possivelmente continuidade entre todos os mundos, desde os pré e proto-bióticos, até o biótico. Caso contrário, torna-se impossível o próprio estudo da origem da vida com base nas explicações deterministas da física e da química.
    O estudo da evolução, como todo estudo histórico, é limitado pelo processo comum de perdas de rastros ou de elos fósseis intermediários entre os conhecidos. Muitos eventos do passado são de documentação difícil. Segundo o percurso delineado, de que o início foi RNP e que os RNA não receberam muita adição de funções, estas tendo sido cumpridas pela expansão das proteínas, pode-se indicar que os principais ‘fósseis moleculares’ cujo registro foi perdido foram os protéicos, devido à sua ampla substituição pelas proteínas codificadas. Pelo contrário, o argumento até reforça a posição de ‘fósseis significativos’ para as ribozimas atualmente conhecidas nas células. Estas são ainda poucas, o que pode indicar tanto a substituição de ribozimas por enzimas como a prevalência baixa das ribozimas desde o início.
    Os sistemas metabólicos pré e proto-bióticos eram, então, baseados em genética precária mas já deviam possuir memórias em ciclos com certo grau de estabilidade. Com o advento das memórias em fios bem estruturadas, com base nos genes e no código, e nas seqüências de proteínas com vínculos retroativos fortemente definidos, alcançou-se o estágio definitivamente celular. Este evento está datado pela paleontologia entre cerca de 3,5 a 2,7 bilhões de anos atrás, indicando estabilidade elevada (Line, 2002).
    Uma similaridade de mecanismos pode ser encontrada na evolução dos tipos de memórias utilizadas nos sistemas metabólicos e nos lingüísticos. As memórias em ciclos estão sempre presentes. Nos sistemas metabólicos, passou-se das memórias em fios precárias para a forma com codificação precisa. Nos lingüísticos, passou-se da oralidade para a escrita e nesta, da ideográfica para a codificação abstrata. É também notória a analogia entre os fundamentos codificados da biologia, com o código genético e talvez outros (Barbieri, 2003), e da comunicação humana, com os códigos lingüísticos.
    Dinâmica e vírus
    A categorização dos vírus ainda não é clara mesmo para biólogos pouco versados nos estudos de evolução molecular. Não é plenamente esclarecedora a mera asserção de que eles diferem fundamentalmente das células por não apresentarem atividade metabólica intrínseca que permita a autonomia típica das células, portanto, não manifestando as propriedades vitais.
    Seu comportamento é análogo ao das infecções e parasitismos causados por células ou organismos mais complexos. A observação de que muitos dos agentes de infecções e parasitismos sofreram simplificação acentuada leva à hipótese de que os vírus derivaram de células parasitárias que sofreram simplificação extrema, a ponto de se tornarem constituídos somente por genes cobertos por proteínas.
    As partículas virais extracelulares são chamadas de virions, sua cobertura de cápsula ou envelope, e as proteínas destas são chamadas capsídeos.
    O envelope é composto por capsídeos firmemente aderidos entre si e recobrindo o fio de ácido nucléico interno, que se projeta por uma abertura do envelope.
    Alguns vírus são mais complexos, mas não contêm membranas nem sistemas metabólicos auto-suficientes. Quando apresentam tais componentes, estes são vestigiais ou parciais e, mesmo quando algo mais complexos, eles são de origem celular, sem relação direta com os genes virais. O envelope protege os genes, no percurso fora dos hospedeiros, e auxiliam na sua veiculação, promovendo a adesão às membranas de novas células hospedeiras.
    Indica-se que os vírus são segmentos de memórias em fios que as células podem trocar entre si. São moléculas de ácidos nucléicos que adquiriram, evolutivamente, a propriedade infecciosa. São colocados em um grande grupo de sistemas de comunicação entre células e organismos, mediados por ácidos nucléicos, que adquirem posição importante na formação de redes biológicas e participando do processo evolutivo.
    O subgrupo a que pertencem os vírus é o dos elementos móveis dos genomas ou dos genes móveis: segmentos de seqüências genéticas que não permanecem sempre fixos em seus locais cromossômicos, ou seja, tornam-se extra-cromossômicos por algum tempo. O processo de mobilização e transposição de DNA é essencialmente o mesmo da recombinação genética, em que os fios de DNA podem ser quebrados e religados de modo cruzado. A situação mais comum em que esse processo ocorre é na meiose, para formação dos gametas, em que os cromossomos paternos e maternos de um indivíduo trocam partes entre si, de modo que os cromossomos dos gametas, que farão parte dos filhos, conterão misturas dos genes de ambos avós.
    Seria por demais extenso o estudo detalhado da origem dos diversos tipos de elementos móveis. Indica-se, simplesmente, que decorrem de mais uma instância da predominância anabólica e da expansão nos seres vivos. As replicases e polimerases se tornaram muito eficientes e são ‘cegas’, não discriminando quais fios-modelos irão copiar. Além da formação de bolhas múltiplas e superpostas de replicação, são também freqüentes a síntese de DNA por cópia de RNA; esses DNA são extra-cromossômicos por origem, porque os modelos de RNA o são. Podem ocorrer deslizamentos à replicação do DNA, com duplicações de segmentos cromossômicos, às vezes com cópias múltiplas de certas partes. Experimentos em laboratório demonstram que, quando há segmentos de vários tamanhos para serem copiados, os mais longos podem ser privilegiados, porque as polimerases têm mais eficiência na cópia de fios longos do que de curtos; estes exigem desligamento e re-iniciação repetidos. As duplicações gênicas são a principal fonte de material para evolução.
    Após a mobilização dos genes, ou seja, a ocorrência do DNA extra-cromossômico, o processo de recombinação ocorre em quaisquer células, nas somáticas ou nas germinativas, formadoras de gametas. Um segmento de DNA é expelido de seu local, processo chamado de excisão, e depois inserido em outro, em processo de inserção.
    (A) A replicação do DNA pode conter iniciações repetidas sobre os mesmos pontos centrais, formando bolhas múltiplas. Há 8 fitas na porção central, 4 na intermediária e somente as 2 originais na ainda não replicada. Ao fim da replicação, 4 fitas da porção central não serão incorporadas aos cromossomos e poderão se tornar extra-cromossômicas.
    (B) Recombinação dupla entre duas moléculas lineares de ácidos nucléicos, com substituição mútua do segmento entre os dois sítios de recombinação.
    (C) Formação de uma molécula (D) Inserção de elemento móvel
    de ácido nucléico circular por circular em cromossomo através de
    recombinação interna; as pontas um sítio de recombinação. A excisão
    anterior e posterior ao sítio de pode ser simétrica mas
    freqüentemente
    recombinação formam outra modifica os parceiros.
    molécula linear.

    É fato conhecido que, nos percursos de mobilidade, podem acontecer irregularidades à excisão, de modo que os segmentos extra-cromossômicos passam a conter partes dos genes cromossômicos vizinhos. Assim, um elemento móvel pode conter, em sua estrutura, genes que eram da célula. Se estes contribuírem para as propriedades de manutenção mais prolongada dos genes na localização extra-cromossômica e não prejudicarem ou facilitarem sua replicação, passarão a fazer parte perene deles porque os elementos adquirem maior estabilidade e mobilidade. Se, ainda mais, contribuírem para sua proteção também em ambiente extra-celular e para a adesão a outras células, a veiculação típica dos virions estará estabelecida e os genes celulares tornar-se-ão, evolutivamente, os genes dos capsídeos. Assim, os vírus são considerados, simplesmente, como genes infecciosos, sobre os quais as células perderam o controle. Os genes cromossômicos são submetidos a controle de qualidade mais rígido através de seleção, porque são componentes obrigatórios do sistema que produz o fenótipo.
    Indica-se, ainda, que o conhecimento atual sobre tais elementos comunicativos é parcial e tendencioso, do mesmo modo como ocorreu com o conhecimento sobre as mutações. Somente agora, com os projetos-genoma, descrevendo a totalidade das seqüências genéticas dos organismos, é possível avaliar o quanto de variabilidade mutacional ou proveniente de elementos móveis cada espécie alberga. Antes disso, somente as mutações que apresentavam modificações fenotípicas evidentes eram detectadas, especialmente as patogênicas. Sabia-se que muitas mutações eram silenciosas, ou seja, plenamente toleradas e acomodadas pelo sistema, não se manifestando como modificações fisiológicas, mas essas eram, por isso mesmo, passadas despercebidas. O problema é essencialmente metodológico e de atenção. Só percebemos os eventos para os quais estamos atentos, sejam aqueles dos quais já tínhamos algum conhecimento prévio e para os quais nos preparamos com metodologia de detecção adequada, ou os que nos parecem inusitados, que despertam a atenção por si mesmos.
    No genoma humano, determinou-se que cerca de 45% das seqüências são derivadas de elementos móveis e virais e, em moscas, que cerca de 50% das mutações são decorrentes de elementos móveis. Tal abundância indica que a mobilidade genética é normal e não patológica ou anômala. Assim, chega-se à proposta de que os genomas são compostos por uma porção mais fixa, como os genes cromossômicos tradicionais, e uma porção móvel, que pode não ser essencial, mas acessória, opcional, eventual ou ocasional (Guimarães, 1994a). Esta porção móvel teria grande valor evolutivo, contribuindo para a dinamização dos genomas que, sem ela, seriam por demais estáticos.
    Os organismos estariam continuamente trocando genes entre si, mesmo na ausência dos mecanismos sexuais, formando redes de compartilhamento de genes. As trocas genéticas mediadas pelos elementos móveis passam a serem consideradas como análogas das promovidas pelos mecanismos sexuais. Aquelas eram ocasionais, mas as sexuais se tornaram obrigatórias, nas espécies em que se instalaram.
    As trocas sexuais são chamadas de verticais, porque acompanham a descendência das gerações, mas as mediadas por elementos móveis não seguem tais restrições, podendo incidir sobre quaisquer indivíduos que convivem no espaço e no tempo, sendo chamadas de horizontais, ao modo das infecções. Boa analogia pode ser feita, também, entre elas e a transmissão de idéias através dos indivíduos ou a mescla de programas de computadores, e os julgamentos de qualidade ou de valor biológico ou ético são igualmente aplicáveis a todos casos. As trocas mediadas pelo sexo têm, em geral, garantia de melhor qualidade biológica porque os parceiros já passaram pelos testes de sobrevivência até atingirem a idade da maturidade sexual. Seria como um parceiro dizendo ao outro: ‘se nossos genes foram bons para nós, podemos esperar que também o sejam para nossos filhos’. No entanto, não estão livres de mal-sucessos que, nas populações humanas, resultam em cerca de 7% de anomalias genéticas, contando somente as evidentes nos nascidos vivos, 10% de casais inférteis e mais de 50% de abortamentos espontâneos precoces.
    As analogias computacionais e humanas com os elementos genéticos móveis já estão estabelecidas na linguagem leiga. As excisões e inserções de programas de computadores têm sido muito úteis nas chamadas programações genéticas, em que se recombinam partes de programas paralelos ou, p.ex., na montagem do sistema Linux. Por outro lado, têm sido mal usadas pelos ‘hackers’, mas as mesmas estratégias que estes desenvolvem são aproveitadas pelas indústrias de programação, seja para melhorar seus sistemas ou para vender os antivírus. Os intercâmbios de idéias entre indivíduos da mesma cultura são a regra que garante a permanência da identidade daquela cultura, mas os intercâmbios interculturais parecem, até hoje, muito problemáticos, com grau apreciável de comportamentos destrutivos. A história humana tem ampla documentação do surgimento de idéias, ideologias e religiões que se espalham com dinâmica variável, às vezes semelhante à de epidemias. Cada cultura, e agora com mais intensidade, a cultura global emergente, terá que julgar e valorar os méritos e qualidades de cada uma.
    Os vírus patogênicos exemplificam mais um caso de contradição na biologia. A patogenicidade seria somente uma das caudas da curva de variabilidade onde a maior parte é inócua, normal ou benéfica. O pensamento evolutivo indica que os efeitos benéficos seriam de dois tipos: um genérico e não específico, decorrente do acréscimo à dinâmica mutacional dos sistemas, proporcionado por todos elementos móveis, e outro específico, decorrente de propriedades dos próprios elementos móveis; este deve ser tão pouco freqüente quanto o efeito patogênico específico. Na curva de variabilidade, ambas pontas específicas, a benéfica e a maléfica, são pouco freqüentes; o corpo principal da curva é composto de efeitos menores e mais complexos, sejam maléficos ou benéficos, mas dependentes de contextos particulares. Os patogênicos específicos são como cartas-bomba, envelopes terroristas; os outros são mensagens que uns organismos mandam para outros, dizendo: ´pelo menos, não me fizeram mal, talvez possam lhes interessar´.
    As células não podem se livrar de algumas conseqüências desastrosas da variabilidade que lhe é, em geral, necessária e de valor positivo. Se o processo biológico fosse tão estrito em suas exigências ou controles de qualidade, estaria jogando fora, junto com as mutações ou os elementos móveis patogênicos, também a sua variabilidade, que é essencial para a dinâmica adaptativa e evolutiva. As culturas e os sistemas democráticos e ecológicos também sabem disso, mantendo-se em luta contínua para preservar a diversidade. Nem por isso, os julgamentos de valor deixarão de ser muito discutidos, no dilema de saber identificar o que deve ser eliminado, conservado ou mantido sob observação. Parece que todos concordam com alguns casos extremos, p.ex., com a Organização Mundial da Saúde ao tentar eliminar alguns vírus como os da varíola e da poliomielite.

    Agradecimentos: suporte FAPEMIG.

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