Assistência ao doente terminal – Luiz Gonzaga do Amaral – 1996

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    Data de publicação: 20/07/1996

    Luiz Gonzaga do Amaral

    Trabalho Científico apresentado pelo candidato à cadeira nº. 29 da Academia Mineira de Medicina, em 30/07/1996.

    Assistência ao doente terminal

    Em 1950, o trabalho pioneiro de Dame Cicely Saunder’s, culminou com a construção do Hospital St. Cristopher’s para Enfermos Terminais. Após submeter à opinião pública e a classe médica a idéia da possibilidade de obter para tais enfermos uma qualidade de vida digna mediante o controle dos sintomas causados pelo câncer em fase terminal, fundamentalmente o controle da dor crônica maligna, com o uso adequado de opiáceos. Seu trabalho pôs em evidência as carências e necessidades do National Health System inglês, onde o enfermo terminal não tinha lugar, já que morria nos grandes hospitais longe de seus familiares e principalmente atendido pôr um pessoal médico que havia perdido a capacidade de enfrentar a morte e o processo de morrer. Assim os enfermos não recebiam conforto algum, tão necessário nesta fase final da existência.
    Em seguida vários países como Irlanda, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão, Alemanha Ocidental, Suíça, Noruega e ultimamente França e Itália têm optado pôr vários e diferentes programas de atenção ao paciente oncológico terminal. Basicamente temos três categorias de Assistência ao Enfermo Terminal:
    1. Hospitais especializados independentes física e funcionalmente;
    2. Unidade de Cuidados Paliativos (UCP), que estão integrados física e funcionalmente aos hospitais gerais onde podem beneficiar-se do apoio de outros serviços do hospital;
    3. Programas de Atenção a Domicílio que ajudam a manter o paciente terminal em ambiente idôneo com relação a sua qualidade de vida e aliviando o sistema de saúde quanto a internações prolongadas e desnecessárias.
    Recentemente a assistência ao enfermo terminal tem-se processado a nível ambulatorial com resultados animadores em relação ao enfermo e familiares, produzindo uma interação muito satisfatória com repercussões excelentes no enfermo e na família, principalmente propiciando uma relação de afeto muito eficiente e importante para ambos.
    No nosso trabalho direcionado à assistência ambulatorial, quando existem condições razoáveis da família, os resultados são muito satisfatórios, tornando o convívio com a enfermidade sem grandes sofrimentos e com elaborações interiores que são fundamentais para o convívio com as dificuldades da enfermidade terminal.
    Em todos os níveis de assistência estamos embasados nos princípios clássicos de Hipócrates:

    Curar algumas vezes,
    Aliviar com freqüência,
    Consolar sempre.

    Quando se cura, o alívio e o consolo ocorrem pôr acréscimo. Assim vamos assistir o enfermo terminal com princípios básicos de: melhorar a qualidade de vida sem antecipar nem prolongar a morte, tratando o enfermo em seus aspectos psíquico, físico, emocional, familiar e social, buscando o convívio com a enfermidade mais confortável com atuação constante e atenção integrada com outros serviços, numa equipe multiprofissional. Todos os aspectos tendo como objetivos o suporte psíquico emocional, social e espiritual do enfermo, respeitando suas convicções e buscando dar as informações solicitadas de forma suave, atraumática e gradual, numa relação clínica que sempre procure humanizar todo o processo que envolve o Enfermo Terminal.
    As manifestações de ansiedade como tensões musculares, alterações dos batimentos cardíacos, da respiração, sensação de opressão torácica, cefaléia, alterações do sono, sudorese, e etc, devem ser tratadas com todo empenho e suavidade.
    Na maioria das vezes não é suficiente à atuação só dos fármacos, mas a nossa atitude de compreensão, percepção e manifestação afetivo-emocional. Concomitantemente surgem às manifestações da depressão como perda da auto-estima, sentimento de inutilidade, tristeza, apatia, desesperança, sensação de estar indefeso e muitas vezes idéia de culpa. Tanto as manifestações de ansiedade, quanto de depressão vão aumentar o sofrimento, principalmente, o psíquico que necessita um grande apoio, de nossa parte, dos familiares e da equipe multiprofissional.
    Para tratar a DOR que a nosso ver é um processo muito complexo, necessitando de um estudo e uma preparação adequada pôr parte do médico, qualquer que seja a sua especialidade e com mais razão se assiste ao enfermo oncológico. É importante conhecermos as formas de manifestações da dor, em diferentes enfermidades: o valor diagnóstico pode ter um sentido protetor como na angina do peito. Este tipo de dor podemos fazer desaparecer com facilidade. A dor crônica faz parte do cotidiano do enfermo e é do seu conhecimento. Nas formas agudas é freqüente a sensação de ameaça vital, do temor do desconhecido. A ansiedade e a sensação desagradável da dor formam um quadro em que a personalidade prévia do enfermo é importante. Não é a mesma coisa, o mesmo fato, a dor do enfarto do miocárdio em um camponês acostumado às dificuldades aos sofrimentos que em um intelectual, super sensível, informado sobre os perigos potenciais que ameaça sua vida, pode representar uma dor precordial.
    Ás vezes mais que a dor pôr si mesma, o que conta é a angústia, a desesperança, a incerteza que bruscamente se instalam no projeto biográfico de uma pessoa. Ao médico, além de combater a dor, tem que saber tratar a angústia, a falta de esperança que podem aparecer no seu enfermo, acompanhando a dor aguda ou crônica, intensa ou leve.
    É o crescente aumento de enfermos crônicos, com seqüelas neurológicas, processos tumorais terminais, enfermidades degenerativas em que se esgotaram os procedimentos diagnósticos e terapêuticos e só restam medidas paliativas da dor, das insuficiências físicas, morais e sociais. Em relação à dor são profundas as mudanças de atitudes que estamos assistindo. A sociedade já não adota uma atitude passiva resignada, porque sabe que existem meios para combater e controlar a dor e assim o exigem. A dor deixou de ser um sintoma valioso de alerta, mesmo que tenha este valor em numerosas ocasiões.
    A dor é algo molesto inoportuno em qualquer caso tratável. Os dados científicos demonstram que a dor por si é originária de várias alterações, tanto orgânicas como psíquicas, que afetam todo o conjunto do ser humano.

    A DOR COMO EXPERIÊNCIA PESSOAL
    Muitas das sensações que, diariamente, percebemos são mais ou menos informativas, não aparecem como neutras. Pelo contrário, a sensação dolorosa não só nos informa como também nos faz tomar uma decisão. Pôr isso a dor é sempre mais que uma percepção sensorial. Com efeito, a dor tem sido definida como uma experiência sensorial e emocional, de caráter desagradável que a pessoa associa a uma lesão real ou potencial de algum tecido ou órgão da economia. A dor não é uma sensação subjetiva que se percebe em uma ou várias partes do organismo, senão que sendo desagradável se converte em uma experiência emocional, em sofrimento. Vamos considerar os componentes e as dimensões da experiência dolorosa, a saber:
    • Dimensão senso-discriminativa, que é a qualificação sensorial, localização, intensidade, tipo, etc., relação espaço tempo;
    • Dimensão cognitiva, percepção e significado do que está ocorrendo com relação a essa sensação. A sensação desagradável da dor é variável de acordo com a cognição de cada ser humano;
    • Dimensão afetivo-emocional desperta um componente emocional em que confluem desejos, esperanças, temores e angústias. Nos dá um significado pessoal com relação aos nossos desejos e expectativas. Temos nesta dimensão duas etapas da experiência dolorosa.
    A primeira é intensa sensação desagradável, aflição e esgotamento. É uma sensação de invasão ao nosso corpo e a nossa consciência muito desagradável. É um estado que ocorre de maneira automática sem reflexão profunda.
    A segunda implica um processo cognitivo e reflexivo, significados elaborados, relacionados com a percepção das conseqüências. Ameaça ao próprio corpo, ao seu bem estar e a sua consciência. Elaborações mentais com repercussões negativas, em decorrência da ameaça ao corpo, bem estar e a consciência. Freqüentemente vem acompanhada por reações de resistência e negação e esforços para evitá-las. É importante a percepção de conseqüências futuras sobre a vida e os projetos. Relacionamos com a personalidade e fatores culturais. As reações emocionais contribuem para elaborar ou levar ao sofrimento.

    PROCESSOS NEURO-FISIOLÓGICOS ASSOCIADOS
    Diante destes três componentes fundamentais da dor, é necessário considerar os aspectos neuro-fisiológicos que influem na elaboração e expressão dos mesmos:
    • REAÇÃO DE ALERTA, que desperta e provoca intensa reação geral. Contribui para elaborar a reação afetiva;
    • REAÇÃO VEGETATIVA E SOMATO-MOTORA, que consiste no aparecimento de reações vegetativas e somáticas provocadas de forma imediata pela estimulação. Sua elaboração não exige nível de consciência imediata; náusea, vômito, calor, frio, etc.
    • REAÇÃO MODULADORA, que é elaborada por sistemas endógenos uns de caráter inibidor, outros de caráter facilitador, como elaboração de endorfinas.
    Em síntese, a resposta emocional pode ter a forma de medo, ansiedade, depressão, frustração ou raiva em função dos significados (símbolos) etc, e, portanto de valorização cognitiva que se elabora diante de uma situação segundo o momento psicológico. As valorizações cognitivas vêem influenciadas pôr atitudes, recordações e fatores da personalidade.

    ATITUDE DO TERAPEUTA
    Para a atuação do terapeuta não basta conhecer todo o mecanismo que envolve o processo da dor, é necessário que se conheça o SER HUMANO e sua complexa circunstância. Pelo menos considero três elementos para valorar a dor:

    A PATOLOGIA
    A PERSONALIDADE DO ENFERMO
    DETERMINANTES CULTURAIS EAMBIENTAIS
    Após avaliarmos os elementos e circunstâncias acima, podemos iniciar o tratamento analgésico, especifico para cada enfermo e variável. Utilizamos para o tratamento da dor o esquema da OMS, com variações e adaptações especificas para cada enfermo. Quadro abaixo:

    PAUTA ESCALONADA DE LA OMS PARA EL TRATAMIENTO DEL DOLOR ONCOLOGICO

    OPIACEO
    POTENTE

    OPIACEO
    DÉBIL

    AINEs

    COADJUVANTES

    As necessidades do enfermo vão aumentando juntamente com seus questionamentos, posicionamentos, conflitos que se interam e culminam em sofrimento intenso. Se o enfermo percebe e vivencia que ao seu redor estão pessoas disponíveis, familiares e profissionais adequados e qualificados para assisti-lo, certamente todo processo será vivenciado de uma maneira menos traumática e mais suportável pelos enfermos e familiares.
    Atualmente esta proposta constitui uma especialidade médica que denominamos Cuidados Paliativos.
    Concluindo temos um longo processo a percorrer, necessitando de qualificar e aprimorar uma equipe multiprofissional para o atendimento global a unidade enfermo-família.
    É um trabalho a ser elaborado de grande e profundo valor ao que propomos. O período terminal é de grande enriquecimento com mudanças comportamentais e psíquicas intensas de nossas avaliações, juízos e conceitos.

    LUIS GONZAGA DO AMARAL

    BIBLIOGRAFIA

    1 Doyle, D. Hauk. 56: WC Macdonald, N. Oxford
    Textbook of Palliative Medicine, 1993

    2 Bando, P. Bayes, R. EI psicólogo ante el enfermo en situación terminal. Anais de psicologia. 6. (2). 1990

    3 Astudillo N. Mendinueta Astudillo E. Necessidades del Enfermo em fase terminal. En: Cuidados del enfermo en fase terminal y atenciòn a su familia, editado pôr W. Astudillo y col. 2~ Ediciòn. Baranaia. 67-76. 1995.

    4 Unidad de Cuidados Paliativos
    Hospital San Juan de Dios – Pamplona. Dr Viwúa Ameta. 1995

    5 FESEO – Federación de Sociedades Españolas de Oncologia n° 1o/1995 Vol 18

    6 Em Defesa da Vida.
    Prol Paulo Lúcio Nogueira. Ed. Saraiva 1995.