Luiz Claro Pitanga
Ocupou a Cadeira 28, no período de 08/10/1992 até 02/04/2008.
CIDADÃO HONORÁRIO DE GOVERNADOR VALADARES
Discurso Acadêmico Luiz Claro Pitanga
Discurso do Acadêmico Luiz Claro Pitanga ao receber o Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares, com o Diploma de “Cidadão Valadarense”.
O professor Renato Dani já afirmava: “O grande inconveniente de momentos como este, é a necessidade de um discurso”.
“Entretanto há realmente fatos que não podem ser olvidados, seja por dever de público reconhecido”.
Pela terceira vez retorno a esta casa como homenageado.
A primeira para receber o título de COMENDADOR DA ORDEM DO BRASÃO a mim outorgado pelo então vereador “Casca Grossa”, nosso saudoso Adriano Dias da Silva.
A segunda em 1992 para receber uma homenagem por ter sido eleito para Academia Mineira de Medicina, onde ocupo a cadeira número 28.
Muita bondade dos amigos desta casa.
Agora volto para receber o título de Cidadão Valadarense.
É uma honra, a maior de minha vida, receber em seção solene o título de cidadão valadarense a mim outorgado pelos membros desta casa atendendo a um requerimento assinado pela vereadora Fátima Salgado e o vereador Dr. César Tassis.
A honra é ainda mais significativa quando me foi outorgada pôr unanimidade.
Chego a esta solenidade com muita alegria, mas também com dever de dirigir algumas palavras aos ilustres vereadores, a meus novos conterrâneos e aos meus amigos.
Sabemos que a palavra humana simbolicamente jamais conseguirá por inteiro, e fielmente, reproduzir aquilo que trazemos na mente e no coração.
Mesmo assim tentarei transmitir para os senhores o que sinto neste momento tão solene, reconhecendo o grande esforço para dominar a emoção que pelo menos meus olhos transbordariam, caso minhas palavras não estivessem escritas.
Restaria para os senhores um balbuciar lacrimejante de poucas palavras engasgadas na garganta ao brotarem do meu coração.
Parafraseando o poeta Fernando Pessoa, eu diria: “NÃO SOU NADA. NUNCA SEREI NADA. NÃO POSSO QUERER SER NADA. À PARTE ISSO, TENHO EM MIM TODOS OS SONHOS DO MUNDO”.
Os senhores realizaram hoje o maior dos meus sonhos concedendo-me o título de cidadão valadarense.
Considero um privilégio este título a mim concedido pela generosidade dos senhores vereadores que valorizaram na justa medida aqueles que afortunadamente chegam a conquistar esta honraria e tão grande responsabilidade.
Responsabilidade norteada acima de tudo pelo nobre propósito de cumprir o sublime ideal hipocrático de uma ciência à qual dediquei meu trabalho e minha vida, que felizmente em minha família esta dedicação propaga-se por três gerações consecutivas: A do meu Pai: formado em 1928, a minha: formado em 1961 e de minha filha, Dra. Elia formada em 1991.
Cheguei à antiga Figueira do Rio Doce por volta de 1937. Fui alfabetizado pela professora Petrina Fròes e posteriormente matriculado no Colégio Imaculada Conceição, o antigo colégio das Freiras como era chamado. Terminei o curos ginasial no Colégio Ibituruna e se não fui um bom aluno, fui um bom ponta esquerda no time de futebol deste colégio. Frei Fabiano, Padre José Maria jamais esquecerão minhas diabruras. Fui interno no Colégio Padre Machado em Belo Horizonte dirigido pelo severo professor Lara Rezende onde terminei o curso científico.
Formado em Medicina na cidade de Uberaba em 1961, voltei a Valadares a convite do saudoso Dr. Delfino Simões, aqui permanecendo até esta data.
São 36 anos dedicados a prática médica nesta região.
Fui e sou um permanente preocupado com os problemas médicos sociais que atingem a população brasileira e em particular aos de nossa cidade.
Convivi com pessoas formidáveis, colegas interessados em aprender, acertar e mais ainda, a ensinar. Como aprendi com eles! Citar nomes seria correr o risco da omissão.
Mas vivi também com um grande número dos que nada acrescentaram.
Muitos valores éticos e culturais contribuíram em dimensões dignificantes para meu aprimoramento nesta ciência, a qual orgulho-me de ter escolhido como caminho para a realização profissional: A Medicina.
Tornei-me médico, não por opção, mas por vocação.
O médico é antes de tudo, vida.
Ser médico é lutar pela vida.
É no médico, que o homem só, desesperado, no sofrimento e na dor encontra uma palavra amiga e um gesto de SOLIDARIEDADE.
Por isso o médico é um homem diferente, paradoxal e surpreendente.
A tudo suportamos, trabalhar pela noite a dentro em hospitais onde muitas vezes tudo falta, menos amor.
Vida familiar difícil, vida social às vezes desestruturada pelas urgências noturnas, feriados e fins de semana. Exige companheira sensível compreensiva e filhos tolerantes.
Necessitamos de estudos e práticas constantes.
Ser médico é haver integrado a vida inteira com aqueles que sofrem, que pedem a nossa caridade, as nossas luzes e nosso apoio, porque crêem em nós.
Ser médico e ter a consciência tranqüila no cumprimento de nossos deveres e de nossa missão.
Ser médico é haver alegremente e oferecer nosso repouso e nosso lazer a horas de vigília, de estudo e de preocupações ante os males que amofinam e os morbos que atormentam.
Ser médico é lutar contra as endemias que solapam e inferiorizam, na ânsia comum de recuperar o homem brasileiro, de cuja redenção cultural e física depende realmente a Redenção da Pátria.
É participar ontem e hoje das lutas e das propostas da classe a que pertencemos e a que nos honramos pertencer.
Foi este o meu objetivo durante estes anos em minha querida Valadares: SER MÉDICO.
O caminho foi longo e árduo. Marcado pelas lutas internas, onde enfrentei dificuldades com as únicas armas que dispunha: TRABALHO E ESTUDO.
Tive como influência decisiva em minha formação médica o exemplo hipocrático de meu Pai no exercício da medicina, aliado a sua extrema honestidade, bem como o aprendizado de comando e obediência, vivenciada em minha passagem pelo exército e a sabedoria de aprender a ganhar e a perder na prática do esporte.
Em minha formação posso dizer que tive grandes mestres a conduzir-me e a influenciar-me pêlos exemplos de suas condutas.
Esta cidade, com este povo sofrido desafiou-me a alcançar metas, traçar objetivos, e concretizá-los.
Tornei-me um garimpeiro na prática da medicina.
Aprendi a aceitar estes desafios e desafiar o incomum no universo do interior mineiro, observando, reavaliando a formas de pensamentos e idéias diferentes das minhas, ao enfrentar o desconhecido, na busca de alternativas para meu trabalho, minhas pesquisas, na ânsia de encontrar para os pacientes desta região a superação de seus males e deficiências.
Tenho a consciência do dever cumprido.
Como médico e cirurgião procurei dignificar nos congressos nacionais e internacionais que participei, o nome de nossa cidade e de nossos colegas.
Graças à curriculum razoável pude atender ao pedido do professor Talmir Canuto para colaborar na Fundação da Faculdade de Odontologia. Dei nome a algumas cadeiras e em 1975 lecionei na cadeira de Patologia Clínica.
Sinto-me altamente recompensado; minha filha Elaine nesta escola se formou e hoje lá é professora.
Hoje as coisas mudaram: lenta e gradativamente no Brasil o exercício da medicina foi substituído pela socialização unilateral da assistência médica.
Ironia como podemos observar em um País tido como capitalista.
A evolução da medicina com as conquistas cientificas, aliadas aos avanços da tecnologia a serviço da prática médica transformaram radicalmente o tradicional exercício da medicina, e tornam a assistência médica complexa e dispendiosa, afastando cada vez mais a relação “médico-paciente”.
Devido a tudo isso é difícil hoje ter condições de cumprir o inalienável preceito no dizer de LOUIS PORTES: “O ATO MÉDICO É O ENCONTRO DE UMA CONFIANÇA FRENTE A UMA CONSCIÊNCIA”.
Além disso, preocupa-me a massificação da formação médica brasileira, improvisada e mal intencionada, que determinou uma queda vertical no padrão de ensino, pela má qualificação do pessoal docente e grave deficiência na estrutura da maioria das escolas brasileiras. É com pesar, mas com profundo realismo que constatamos que a população médica cresce em desacordo com o índice de crescimento da população brasileira concentrada nos grandes centros urbanos e carente nos pequenos municípios e na zona rural.
Além disso, possuímos um sistema médico assistencial previdenciário crivado de falhas, “deteriorando”, explorando o médico e assistindo mal o povo.
Observamos, então, que as perspectiva dos Médicos Hoje em termos do exercício Honesto da profissão, afiguram-se difíceis e sombrias.
Mudou o mundo?
Mudou a Medicina?
Mudou o relacionamento entre as pessoas?
Posso afirmar. Mudou sim. Está deixando de existir a compaixão humana. A grande religião deveria ser a da SOLIDARIEDADE e não as que pregam por ai.
Os computadores as parafernálias de máquinas que dispomos substituíram a SOLIDARIEDADE.
Na minha carreira não transigi, nem concedi além do limite rígido de minhas convicções e de minha consciência.
Por isso. Faço agora um apelo: Precisamos com urgência de uma posição firme e transformadora para que o país não se transforme em um gigantesco galpão de doentes desamparados.
Minha dívida com o povo de Valadares ainda é muito grande.
Neste momento em que a apreensão e o medo diante aos problemas mundiais e do País são indisfarçáveis, necessitamos combater o desânimo nacional regatando a credibilidade humana em superar os obstáculos e desafios, restaurando a fé de DEUS.
Não devemos nos curvar e aceitar conformados esta situação. É de extrema urgência influir no ambiente ao invés de sermos oprimidos por nossas dificuldades.
É o que evoco neste momento.
Construir, edificar o melhor mundo possível é tarefa dos políticos ajudados pela sociedade vigiando, advertindo e prevenindo.
Assim como nós médicos temos o dever de preservar a saúde e a dignidade da profissão médica, cabe aos senhores que nesta noite me homenageiam, e aqueles que nesta casa adentraram, o dever de continuar a restaurar a dignidade do País restabelecendo a confiança entre o povo e aqueles que administram.
Homens muitas vezes valem mais que as instituições, porque mudam o destino de uma nação.
Recebo este título com orgulho e a consciência tranquila de um trabalho eficiente e digno.
A qualificação, a competência e a determinação tem de ser os parâmetros de Qualidade de um Cidadão.
É através da determinação, trabalho e disciplina que alcançamos nossos ideais.
Devemos sempre assumir as nossas responsabilidades no curso dos acontecimentos; Nunca transferi-las.
O esforço e trabalho é que modificam o meio, e as decisões passam a ser tomadas nesta direção.
O Exemplo e a competência são fundamentais na formação de um profissional. Eu as tive na pessoa de meu Pai; o médico e esportista Arnóbio Pitanga, com seus 97 anos, que aqui homenageio: “Obrigado – Papai – Um Beijo”.
Tudo que tenho e sou devo à medicina e ao povo desta cidade.
Tenho o respeito e consideração de meus colegas e deles tenho recebido indevidas homenagens e distinções.
Tenho mais trabalho do que posso executar.
Tenho a amizade de meus doentes.
Tenho uma família feliz com todos os problemas de todas as famílias.
Viajei, corri o mundo, eduquei minhas filhas Dra. Elaine e Dra. Elia, duas jóias a mim doadas pela generosidade de minha esposa; carinhosas, compreensivas, profissionais exemplares. Elaine odontóloga, mãe de meu neto Mateus; Elia médica; filhas que encantam a minha vida e a tornam mais feliz e que ao casarem trouxeram para nosso aconchego os filhos homens que não tivemos, os genros Paulinho e Anderson.
Tudo o que tenho foi à custa do meu exercício profissional. Nunca tive nenhuma outra atividade que não fosse à medicina.
São 36 anos de médico, somente médico.
Por isso creio na medicina como insuperável instrumento de servir.
Sempre disse que a gratidão é a memória do coração. Meu coração bate agora mais forte.
Lamento a falta de uma pessoa neste auditório: minha mãe, Dona Hermínia, uma lapidaria que juntamente com meu pai, ajudou a tentar polir essa pedra bruta que sou eu.
Preferiu assistir esta cerimônia em outra dimensão, por certo junto a DEUS.
Deixou em seu lugar para representá-la minha Irmã Rita Maria. Minha saudade Mamãe. Minha gratidão a você, Rita Maria.
Meu pai Dr. Arnóbio, homem realmente notável e extraordinário. Seguro na orientação, pródigo nos elogios e aplausos aos meus atos corretos, conselheiro nas desventuras e incertezas. Incentivador e amigo com quem tudo aprendi e de quem fiz um exemplo de vida. Mais uma vez “Obrigado Papai”.
Um agradecimento especial a minha esposa Dona Zulma, companheira desde o vestibular em Uberaba, quando a conheci. Eximia dançarina que lhe permitiu acompanhar todos os meus passos, desde os salões de dança do Jóquei Clube de Uberaba, até hoje ao subirmos juntos as escadas desta casa. Tolerante ás minhas rabugices e ao meu jeito BOÊMIO de ser e viver zelosa de minha saúde, vovó coruja e carinhosa.
Companheira incansável sem a qual eu não alcançaria tantas glórias.
A você Zulma meu amor e minha gratidão.
A todos vocês amigos e colegas que compõem esta mesa e ornamentam este auditório, a todos que me ajudaram a alcançar este título. Meus agradecimentos.
Concluindo eu diria como o grande mestre e colega João Luiz Carneiro, com quem muito me identifico.
“É dura e cansativa a vida de um médico”. No entanto no meio de lutas e canseiras até incompreensões e ingratidões, haverá sempre aquele momento de profunda gratidão de um Doente. Não importa que muitos não o façam, até a maioria. Mas um dia nestes novos tempos, como antigamente, um lhe dirá: “Obrigado Doutor!”
Sentiremos então “como me sinto agora”, que valeu a pena ser médico.
Obrigado!
Dr. Luiz Claro Pitanga.