Por EVALDO D’ASSUMPÇÃO
A MORTE, da mesma forma, ninguém nunca a viu. Alguns afirmam que sim, que a viram, contudo não são mais que fantasias ou alucinações. Ela nunca foi dissecada num laboratório; nunca conseguiram fotografá-la. Seus mistérios, sequer em poderosos telescópios, ou em microscópios eletrônicos, foram decifrados. Ainda assim, há os que afirmam tê-los desvendado. Se o fizeram, nunca os demonstraram de forma convincente, nunca os expuseram à livre e rigorosa avaliação da luz do dia e da verdade.
Destarte, só a conhecemos pelo seu efeito, que na verdade é um só: colocar um fim na vida física, um ponto final em nossa história. Por isso, eu a entendo como uma brisa excepcionalmente suave e imutável, que passa por nós sem que a percebamos. Diferentemente do vento, que é a vida, nunca a sentimos, nem ela nos deixa percebê-la, ainda que esteja sempre ao nosso lado. Ela é ignorada, pois indolente, inaudível, e intocável.
E, na verdade, ninguém realmente quer vê-la. Muitas vezes a consideramos violenta, estrepitosa, e até mesmo sádica, todavia ela não é nada disso, pois, na verdade tudo isso são atributos dos fatos que a produzem. Somente deles que, sim, podem ser estripulentos e até por demais. A morte, em si, não o é jamais. Ela é a brisa silenciosa e sutil que baila em torno de nós, que nos acompanha e nos contempla, sem que consigamos contemplá-la.
Alguns afirmam já ter sentido o seu sopro gelado, mas isso é puro fruto de imaginações férteis, estimuladas por tantas estórias que lemos e ouvimos, desde criança. Nenhum dos que já receberam o seu abraço acolhedor, voltou para nos contar sua experiência. Alguns, que estiveram muito próximos dela, acreditaram ter sentido a sua presença, porém não foi mais que uma ilusão. Outros, que passaram pela chamada “experiência de quase morte” (EQM), dramatizada em livros, filmes e entrevistas, descreveram-na, porém de modo imaginário, muitas vezes com narrativas cheias de encanto e magia.
Contudo, sendo algo muito além de nossa compreensão, mas muito distante mesmo, quem passou por tais experiências, faz narrativas simbólicas, repleta de metáforas e expressões do tipo “… foi como se…”, pois o limiar que atingiram, ainda que muito além de nossa capacidade cognitiva e descritiva, ainda esteve muito aquém da realidade. Não é sem razão o nome que lhe é dada: “Experiência de QUASE morte”. Se alguns conseguem alcançar notoriedade e até bons retornos financeiros narrando suas experiências, a grande maioria prefere evitar essa popularização, silenciando-se ou negando tê-las vivido, somente compartilhando o que passaram com profissionais ou pessoas muito especiais, capazes que acolhê-las sem críticas, nem julgamentos. Também preferem o silêncio, pela enorme dificuldade em expressar suas experiências, com sua total intensidade. Para alguns, essa vivência é tão forte, que os leva a radicais mudanças de vida, pois uma coisa é certa: vislumbrar algo muito além do que se pode imaginar, nos provoca reações surpreendentes e inimagináveis.
De qualquer forma, por maior que seja a nossa proximidade com uma experiência tanática, isso não significa que ela foi vivida em toda a sua plenitude. Quem diz o contrário, na verdade não a experimentou tão intensamente. Observamos que, quanto mais intensa é a experiência, menos disposição a pessoa tem para falar sobre isso.
Muitos rejeitam a morte, a escorraçam, a exorcizam, e até mesmo a maldizem, especialmente quando acreditam tê-la bem perto de si, ou de alguém a quem muito amam. Mas ela não se ofende nem retalia, pois está muito além de nossas fantasias e idiossincrasias. Melhor será para nós se aprendermos a conviver com ela, entendendo-a e respeitando-a como a excelente mestra de vida que o é. Basta pensar em quantas coisas já fizemos ou deixamos de fazer, simplesmente porque a imaginamos nos rondando bem perto. Curiosamente, quando seguimos suas inspirações, continuamos vivendo, e muito bem.
Já me perguntaram se morrer dói. Não acredito que isso aconteça. O que dói são as ocorrências de que se é vítima, e que causam a morte. Tenho a convicção de que, no exato momento do seu abraço, somos imediatamente retirados da dimensão espaço-tempo em que estamos e vivemos, e “transportados” para o que chamamos de eternidade. Nessa, o espaço e o tempo já não existem, e inexistindo, também já não existe a memória. O que foi, já não é, e nunca mais o será. E assim, o futuro também já não existe, pois sem o tempo, só é possível um continuo presente. E a dor que foi sentida numa doença, num acidente, ficou no passado, no espaço e tempo em que ocorreu. Deixando-os (pela morte), entramos no não-espaço-não-tempo, e a dor deixa de existir, pois já não há o tempo para que se continue sentindo-a. Aqui mesmo já temos uma pequena amostra disso. As dores pelas quais já passamos, foram levadas pelo tempo. Quando já não mais nos recordarmos delas, elas serão como se nunca tivessem existido. O mesmo ocorre com todos os sofrimentos pelos quais passamos, até o instante da morte. Depois dela, não há mais espaço nem tempo para eles. Sofrimento e dor inexistem, onde o tempo deixou de existir.