Por EVALDO D’ASSUMPÇÃO
“Orgulho e Preconceito”, é o título de um romance da escritora britânica Jane Austen, publicado em 1813 e que fez grande sucesso, tendo inspirado filmes e novelas, com grande audiência. Mas não é sobre ele que vou escrever nesse artigo. Hoje, ao me levantar, veio-me, por acaso, o nome do livro em minha memória. E pensando no que significam essas duas palavras, tão aplicadas para censurar pessoas e países, compartilho com vocês minhas reflexões.
ORGULHO, é definido na Wikipédia, como “um sentimento de satisfação de alguém pela capacidade, realizações ou valor de si próprio ou de outrem. O orgulho pode ser visto tanto como uma atitude moralmente positiva como negativa, dependendo das circunstâncias”. Pensando exatamente assim, imaginei-o como uma moeda, que tem duas faces distintas e opostas. Por um lado, o orgulho é um sentimento importante e necessário. Todavia, em razão do outro lado dessa moeda, é frequentemente hostilizado, criticado e censurado. Especialmente pelas pessoas que têm o “orgulho” de serem honestas, corretas, éticas, constituindo um verdadeiro paradoxo.
Ele é importante, na medida em que expressa um legítimo gostar de si mesmo, em decorrência de qualidades que acredita possuir, de atitudes exitosas que tomou, obtendo benefícios para si próprio, mas sem qualquer dano para outrem, para a comunidade, ou para o ambiente onde tudo aconteceu. Mais orgulho se deve ter, quando os frutos de suas ações ou palavras foram benéficos e produtivos para os outros, especialmente sem ter trazido quaisquer vantagens para si mesmo. Nesse sentido, o orgulho não é fruto de egoísmo ou ganância, mas especialmente de altruísmo, no sentido muito bem definido por Comte (1798-1857).
Também é legítimo, o orgulho de pertencer a uma nação, a uma instituição, a um grupo específico, desde que tal sentimento não seja excludente. Que não implique na rejeição das pessoas pertencentes a outros grupos, ainda que antagônicos. Afinal, posso e devo ser feliz com a minha pertença a uma comunidade, sem que para isso tenha que minimizar a qualidade ou os direitos de quem está do outro lado. A grandeza do humanismo é a capacidade que temos – apesar de muitos não a utilizarem – de conviver harmoniosamente com o diferente, com o oposto, sem precisar hostiliza-lo e até mesmo agredi-lo, por palavras ou ações. Afinal, o mundo seria extremamente monótono e desagradável para nele se viver, se todos gostassem das mesmas coisas, das mesmas cores, das mesmas músicas, dos mesmos livros, das mesmas formas. A multiplicidade de tudo é o que faz a vida prazerosa para se viver, e usufruir. São exatamente as diferenças que, quase sempre, atuam como molas propulsoras para o nosso aprimoramento, para o nosso crescimento, para o nosso desenvolvimento. E até para termos o orgulho de alcançar, legitimamente, patamares mais elevados. Especialmente se olharmos para trás, constatando que o fizemos sem pisar em ninguém, sem destruir nada, sem enxovalhar a honra de competidores.
Já o orgulho que se expressa pelo desprezo às pessoas, grupos, comunidades ou instituições que não comungam minhas ideias pessoais, que não têm a aparência, ou não se apresentam como gosto, ou como gostaria que o fizessem, que não possuem as qualidades que espero, que julgo incapazes de pensar exatamente como eu, esse sentimento é mesquinho, é vergonhoso, é totalmente inaceitável, chegando a ser repugnante. Curiosamente essas pessoas, no fundo, possuem uma forte rejeição a si próprias. Afinal, numa sociedade onde ninguém é perfeito, se rejeito as imperfeições de alguém, estou rejeitando as minhas próprias imperfeições. Quase sempre os outros são o espelho implacável que reflete os meus defeitos, as minhas próprias inseguranças e realidades. Para não sofrer por isso, fecho os olhos à minha auto rejeição, negando-a firmemente, e exacerbando a minha rejeição aos outros. Esse, é o lado perverso e podre da moeda, e que infelizmente é mais percebido do que o seu anverso.
PRECONCEITO, entre as muitas definições tem no Houaiss talvez a melhor: “ideia, opinião ou sentimento desfavorável formado SEM conhecimento abalizado, ponderação ou razão”. Não há necessidade de esmiuçá-lo mais, pois o seu próprio significado já diz tudo. Também esse sentimento é como uma moeda, que tem duas faces, sendo essa, a mais torpe. Deixemo-la de lado, voltando-nos para o seu verso, que sem o prefixo, torna-se algo necessário e exigente: o conceito. Essencial ao nosso caráter, ele tem como características a não precipitação para ser estabelecido; a forma criteriosa para ser formulado; a humildade para ser assumido, sempre pronto a ser revisto, caso se descubram nele, imperfeições, prejulgamentos, ou erros de avaliação. Todavia não tem a fluidez descrita por Bauman(1925-2017) como uma corrente líquida que se modifica e molda a cada obstáculo ou sedução que encontra pela frente. Geralmente é formado sobre bases sólidas, em constantes e rigorosos estudos, e experiências bem vividas, sempre atento para rejeitar os elogios e maus conselhos do orgulho vaidoso. Quanto mais maturidade se tem, mas firmes e apurados se tornam os conceitos. São eles que balizam a nossa vida, seja a social, a familiar ou a profissional. São eles que nos fortalecem nas decisões, que nos dão credibilidade, que nos caracterizam como pessoas confiáveis, de bem, e honradas.