Paulo Saraiva
Ocupou a Cadeira 60, no período de 22/11/1970 até 06/08/1996.
Paulo Saraiva nasceu em Belo Horizonte em 1918, diplomando-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais em 1944. Especializou-se como psiquiatra após estágios no Instituto Raul Soares e Casa de Saúde Santa Clara.
Trabalhou e clinicou durante certo período como psiquiatra na cidade de Conselheiro Lafaiete, voltando para Belo Horizonte algum tempo após.
Pouco depois da fundação da Casa de Saúde Santa Maria, em 1948, compôs seu Corpo Clínico tornando-se uma das maiores referências desta instituição, ao lado de outros luminares da psiquiatria. Grande e aplicado estudioso, com sólidos conhecimentos médicos e psiquiátricos, navegava com desenvoltura por áreas como a psicologia, a flosofa, a sociologia e a antropologia. Dominava em profundidade a flosofa empirista inglesa dos séculos XVII e XVIII (Hobbes, Locke, Hume), notadamente a obra de John Locke. Conhecia em profundidade a literatura brasileira e universal. Em diversos de seus escritos havia referências a Luigi Pirandello, Gabriele D’Annunzio, Leonardo Sciascia. Filho de pais portugueses, Paulo Saraiva dominava como poucos a literatura lusitana: de Alexandre Herculano a Eça
de Queiroz, de Camões a Fernando Pessoa. Leitor voraz, desenvolveu cultura enciclopédica, o que favoreceu sua aproximação de Clóvis de Faria Alvim, cujos interesses intelectuais eram muito semelhantes aos seus. A amizade
entre estes dois gigantes da psiquiatria mineira perdurou por toda a sua vida e ambos trabalharam juntos em diversas instituições.
Fez curso sobre o teste de personalidade de Rorschach com Pierre Weil, Ruy Flores e Pedro Paraf ta de Bessa, que tinham trabalhado com a grande educadora russa Helena Antipoff , dominando completamente esta técnica de
grande popularidade no Brasil e em Minas Gerais entre as décadas de 1960 e 1980. Em 1961, após a instituição da prof ssão de psicólogo no Brasil, durante o curto governo do Presidente Jânio Quadros, foi um dos primeiros profissionais médicos e não-psicólogos a se registrar no recém-fundado Conselho Federal de Psicologia (CFP), tornando-se um dos raros psiquiatras
que também eram psicólogos neste período em Minas Gerais. Sua licença no CRPMG estava entre as cinco primeiras. Lecionou Psicologia Médica durante vários anos na Faculdade de Filosof a da UFMG (FAFICH).
De cultura psiquiátrica eclética, deixou obras como Problemas emocionais das crianças, O conceito de esquizofrenia, Estudo médico-psicológico de casos de deterioração mental, Medicina psicossomática, O teste Rorschach e a personalidade epiléptica. Como se vê, tinha sólidos conhecimentos de Psiquiatria da Infância e Adolescência numa época em que não havia formação especializada nesta área.
Sua sólida cultura psiquiátrica lhe permitia leitura crítica de clássicos da psiquiatria como Kraepelin, Bleuler, Henry Ey, Kretschmer, Jaspers, MeyerGross, Freud e Jung.516 Estudioso teórico da psicanálise, publicou vários artigos em revistas e jornais, como Psicologia da forma e método dialético, A Psicanálise, O complexo de Édipo, O Psicotécnico e a segurança no trânsito, A psicossomática, A memória, A narcoanálise, As psicoterapias, A personalidade epiléptica.
Trabalhou em diversas instituições psiquiátricas. Foi Professor na Cadeira de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, desde que esta teve início em princípios da década de 1950. Trabalhou em
estreita colaboração com o prof. Austregésilo Ribeiro de Mendonça.
Seguramente, o ano de 1961 foi o “ano de ouro” de Paulo Saraiva, cujos formidáveis êxitos podem ser assim enumerados: 1- obteve o título de doutor em medicina, após defesa de tese intitulada Estudo Médico Psicológico de casos de Deterioração Mental, aprovada com a nota 10 (distinção); 2- ganhou o Prêmio Galba Velloso, pelo trabalho A personalidade epiléptica e o teste de
Rorschach; 3- tornou-se professor Livre-Docente na Cadeira de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFMG, onde defendeu tese intitulada O teste Rorcharch em psiquiatria infantil; 4- tornou-se professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais; 5- escreveu artigos para a Revista da Associação Médica de Minas Gerais e publicou na Revista da Universidade;
6- cento e um artigos seus foram publicados no jornal Estado de Minas por mais de um ano; 7- publicou os livros: Estudo Médico-Psicológico de casos de
deterioração mental, O teste de Rorschach em psiquiatria infantil, Lições de Psicologia Médica e Esquizofrenia infantil. Como se vê, uma explosão de produtividade científica e cultural como nunca se vira em Minas Gerais.
No início da década de 1970, participou da fundação da primeira clínica de atendimento psiquiátrico de orientação pavloviana em Minas Gerais, o Centro Mineiro de Reflexologia, ao lado de Antônio Carlos Corrêa, Delcir
Antônio da Costa, José de Assis Corrêa e Vicente Santos Dias. Mesmo já sendo um mestre consagrado com vasta clientela particular, conhecedor profundo da teoria psicanalítica e de todas as grandes correntes do pensamento psicológico do século XX, há muito nutria simpatias pelas teorias de Ivan Petrovich Pavlov
sobre a Atividade Nervosa Superior, nome que o mestre russo dava à atividade mental do homem. Iniciou nova etapa em sua carreira, estudando com os jovens psiquiatras as teorias que até então eram muito pouco conhecidas entre os demais psiquiatras de Minas Gerais. Ao mesmo tempo, dedicou-se ao estudo da escola comportamental norte-americana, o behaviorismo, tendo
sido por duas décadas uma das grandes referências mineiras sobre este tema, graças à sua formação em psicologia. Escreveu diversos trabalhos sobre o
behaviorismo em revistas médicas e de psicologia.
Em 1971, foi eleito para a Cadeira de número 60 da Academia Mineira de Medicina, cujo Patrono é Iago Victoriano Pimentel. Em 25 anos de atividades como Acadêmico participou de inúmeras apresentações e palestras abrilhantando as atividades da AMM até o fm. Era um homem disciplinado e rígido com seus compromissos. Nunca faltou a qualquer um deles,
seja na Academia, seja no atendimento de pacientes no serviço público e na Casa de Saúde Santa Maria, seja em seu consultório, seja nos movimentos associativos e compromissos sociais. Quem o conheceu de perto, como nós, pode afrmar com segurança que era um homem extremamente honesto e prudente. Trabalhava de segunda a segunda.
Paulo Saraiva foi casado com Maria de Lourdes Café Ferreira e deixou três flhos: Sônia Maria, Paulo e Roberto. Convivemos com Paulo Saraiva por quase três décadas. Foi, para nós, antes de um mestre, um colega, um exemplo, o pai companheiro. Dono de uma verve, humor e fina ironia, que alguns interpretavam erroneamente como sendo “pauladas e saraivadas”, podemos confirmar as palavras que sobre ele escreveu o psicanalista Djalma
Teixeira de Oliveira, que o substituiu na Cadeira 60 da Academia, em seu Discurso de Posse:
Caminhava com desenvoltura através da flosofa pré-socrática vindo até Sartre, onde buscava subsídios não só para emoldurar suas aulas, mas também para tornar extremamente atrativa e fascinante sua conversa informal com amigos e colegas. Dotado de grande sensibilidade experimentava um certo ceticismo entremeado de timidez e
desconfança. A própria ironia e o chiste, que cultivava, eram endereçados mais às ideias que às pessoas. Não é por acaso que tinha grande predileção por Eça de Queiroz, autor que perscrutava as paixões humanas e as registrava nos personagens de seus romances. Como era
de se esperar a arte pictórica, a música e a poesia faziam parte de seus interesses de tal sorte que, segundo um amigo seu, apurava sua sensibilidade tanto na música erudita quanto no tango embevecendo-se com os grandes poetas e com os folhetins.
Faleceu em 1996, em pleno gozo de sua profícua carreira e em plena lucidez. Uma perda que gerou um vazio até hoje não preenchido em toda a nossa comunidade psiquiátrica.
Fonte: TEIXEIRA DE OLIVEIRA, Djalma. Discurso de posse na Academia Mineira de Medicina.
In: Anais da Academia Mineira de Medicina. Ano XXVI – 1996, pp. 496-510.302
CORRÊA, A.C.O. Breve história da psiquiatria mineira. Belo Horizonte: Editora 3i, 2018, pp. 301-3.