Luís Gonzaga do Amaral
Ocupa a Cadeira 29, de 24/11/1997.
Luís Gonzaga do Amaral
Resumo do Trabalho Científico apresentado pelo candidato à cadeira nº. 52 da Academia Mineira de Medicina, em 04 de junho de 1998.
Complicações da litiase biliar do idoso
INTRODUÇÃO
Não é proibido operar os idosos, principalmente quando se tornam portadores de litíase das vias biliares e suas complicações cirúrgicas eletiva ou urgente por afecções benignas ou malignas. Concomitantemente houve grande progresso propedêutico e terapêutico das colecisto-coledocopatias, iniciadas a partir da primeira colecistectomia realizada por Langenbuch (1882), em Berlim, na época grande centro cirúrgico da Europa 8, 25, 48, 52 .
No Brasil, duas afecções de tratamento cirúrgico são freqüentes: no sexo masculino a hérnia inguinal indireta e no sexo feminino a colelitíase. Ambas são operadas, respectivamente, pela hernioplastia e colecistectomia eletivas, uma vez diagnosticadas sem grande dificuldade semiológica. Uma hérnia inguinal pode evoluir para um estrangulamento, associando uma obstrução orgânica a um sofrimento intestinal isquêmico, aumentando a morbidez e mortalidade a partir dos 75 anos, uma colelitíase não operada evolui, com o tempo, para uma complicação de variável causa, evolução e gravidade.
Tanto no ocidente como no oriente a colelitíase, diagnosticada através do exame clinico e ultra-sonografia recebe como tratamento definitivo a colecistectomia, de preferência até os 50 anos, com os sistemas homeostáticos básicos broncopulmonar, cardiovascular e genitourinário sem alterações patológicas e melhor preparados ás agressões anestésica e cirúrgica, com grande possibilidade de cura53, 54, 64 . Os pacientes acima dos 75 anos, não mimetizam os menos idosos, tornando-se vitimas de excessiva morbidez e elevada taxa de óbito15, 25, 61. Como afecção universal, a colelitíase é importante pela incidência e complexa gama de complicações. Exemplo inusitado confirma que dos dez últimos presidentes dos Estados Unidos, Hoover, Truman, Eisenhower e Johnson se submeteram, em pleno exercício de seus mandatos a colecistectomia por colelitíase complicada. Outro exemplo habitual, vivemos na década de 80, ao realizarmos cinco colecistectomias, em mãe idosa aos 73 anos e quatro filhas, todas em idade inferior a 50 anos.
Desde que diagnosticadas, indicadas e realizadas sem acidentes e complicações, a colelitíase assintomática-sintomática se beneficiam pela colecistectomia37.
Mais importante na litíase das vias biliares, consiste em diagnosticar e operar com rigor e sem perda de tempo todas as complicações, clínicas e cirúrgicas. de uma doença vinculada a somação idade e tempo, ponderáveis em relação a qualidade e quantidade de vida8, 20, 32, 61 . A litíase de vias biliares e seu desdobramento em incidência, complicações, propedêutica e terapêutica, recebe uma atenção específica em qualidade como em volume casuístico que têm nos estudos de Arnold et al. (1970) Escarce et al. (1995) e Roslyn et al. (1993) seus melhores representantes internacionais3, 15, 61 .
HISTÓRICO
Os eventos históricos da litíase biliar são reconhecidos em acontecimentos dignos da evolução da cirurgia biliar. A primeira tentativa cirúrgica de alcançar a vesícula se deve a J. L. Petit, ao realizar uma punção transparietal de volumosa e tensa “vesícula excluída” utilizando um grosso cateter. Conseguiu imediato alívio da dor ao extravasar conteúdo purulento misturado com vários cálculos facetados. A colecistotomia é creditada a J. S. Bobbs em junho de 1867 quando de uma “vesícula hidrópica” aspirou “bile branca” e retirou cálculo solitário ovóide de colesterol impactado no colo vesicular. A abertura foi suturada com êxito. Esta paciente, operada aos 32 anos viveu até os 77 anos e veio a falecer em conseqüência de doença degenerativa aterosclerótica. Em junho de 1882, Langenbuch realizou a primeira colecistectomia e seu feito perdura, com sucesso, por mais de um século. A colecistografia oral idealizada por Graham & Cole (1924) só foi ultrapassada na década de 60 pela ultra-sonografia, método não invasivo, capaz de beneficiar sobremaneira os idosos. Na América do Sul, graças a Mirizzi (1932) conhecemos e perdura a colangiografia trans-operatória. Dubois (1932) entusiasmou o mundo cirúrgico com a ressecção vesicular por via laparoscópica13. A colecistectomia laparoscópica, indicada e realizada com êxito, divide vantagens e desvantagens com a colecistectomia convencional, não em relação a exérese vesicular, mas na maneira de se chegar à vesícula e vias biliares36, 48 . A quemólise e a litotripsia não conseguiram se impor na pratica diária11.
FREQUÊNCIA
A incidência da doença litiásica das vias biliares aumenta com a faixa etária da população mundial. Dos 18 aos 80 anos, segundo observações pessoais, a freqüência de litíase das vias biliares em Minas Gerais representou 12,3% dos indivíduos submetidos à investigação por colecistografia oral, laparotomia eletiva e realização de necropsia50. Em estudo epidemiológico de 21.000 colecistectomias na era pré-laparoscópica, Escarce et al. (1997) chamam a atenção para a prevalência da litíase biliar, em relação aos fatores sexo e idade distribuidos entre 35% de homens e 65% de mulheres inseridas numa faixa etária entre os 50 e os 79 anos15.
Perdura certo receio em submeter a pessoa velha aos maiores procedimentos cirúrgicos. De fato, a medida que a idade muda de década, a partir dos 50 anos, aumentam a morbidez e a mortalidade. A colelitíase surge sempre assintomática. O inicio de sintomas e sinais significa doença ou importante complicação à medida que o tempo passa e a pessoa envelhece. Cerca de 40% das colelitíases não operadas na melhor oportunidade evoluem para uma complicação aguda ou crônica e benigna ou maligna, em severo grau de gravidade. Colcok & Mc Manus (1955) revendo 1.356 pacientes submetidos à colecistectomia na Lahey Clinic dos quais 72 casos (5,3%) eram portadores de colecistite aguda em vesícula excluída por cálculo biliar em 98% dos operados10 para cada três idosos submetidos a hernioplastia inguinal por hérnia estrangulada que requer enterectomia segmentar, um (33,3%) acaba evoluindo para o óbito, a medida que os sistemas básicos homeostáticos se encontram altamente comprometidos e com grande possibilidade de descompensação55 . A mulher idosa e obesa, mais que o homem, pode se tornar portadora de hérnia de hiato esofágico, colelitíase e doença diverticular de cólon, tríade descrita por Saint e divulgada por Muller (1948) na África do Sul42. Antes de uma tríade propriamente dita, elas representam uma grande coincidência em gerontes. Por curiosidade, a literatura médica divulgou duas raridades. Volumoso cálculo biliar descrito apresentava 17 cm de maior diâmetro e em apenas uma mega-vesicula foram contados 14.000 microcálculos.
Um terço dos indivíduos em idade avançada passam a correr o risco de um tratamento cirúrgico, principalmente em caráter urgente, incidência altamente significativa no Brasil e no mundo. A hérnia inguinal, a hiperplasia prostática, o carcinoma de mama e as complicações da litíase biliar prevalecem sobre as demais afecções cirúrgicas.
CLASSIFICAÇÃO
A partir de um núcleo todo cálculo vesicular cresce e permanece silencioso em 105 dos casos. Evolui para um quadro clinico e complicação, independente do número e tamanho dos cálculos, sempre mais grave em 90% dos casos. O tempo e a localização se encarregam de distribuir as complicações da litíase biliar, principalmente nos pacientes acima dos 50 anos, em vesiculares, canaliculares e extra-biliares.
São complicações vesiculares aquelas que surgem e se desenvolvem comprometendo, em grau variável, a vesícula biliar, verdadeiro divertículo da via biliar principal que permanece normal.
Quadro 1 – Complicações Vesiculares: Exclusão Vesicular – Colecistite Química – Colecistite Aguda – Empiema Vesicular – Colecistite Gangrenosa – Colecistite Enfisematosa – Colecistite Especifica – Perfuração Livre – Perfuração Tamponada – Vesícula Hidrópica – Vesícula Esclerorretrátil – Litiase Intramural – Vesícula Bilocular – Vesícula em Porcelana – Bile Leite Cálcio – Fistula Vesicular Interna – Fistula Vesicular Externa – Câncer da Vesícula
Quadro 2 – Complicações Canaliculares: Coledocolitíase – Síndrome de Opie – Colestase Extra-hepática – Colangite Supurativa Aguda – Sepse Biliar de Charcot – Pileflebite Aguda – Microabscessos Hepáticos – Macroabscesso Hepático – Litiase Intra-hepática – Panlitíase Biliar – Fistula Colecistocoledociana – Síndrome de Mirizzi
Quadro 3 – Complicações Extra-Biliares: Abscesso Agudo Subhepático – Abscesso Agudo Subfrênico – Peritonite Biliar Generalizada – Peritonite Biliar sem Perfuração – Pancreatite Biliar aguda – Obstrução Orgânica Duodenal – Obstrução Orgânica Jejunoileal – Fistula Broncobiliar – Fistula pleurobiliar
Quadro 4 – Pancreatite Aguda – Fatores Etiopatogênicos: Litíase biliar – Alcoolismo crônico – Trauma abdominal – Medicamentos – Hipercalcemia – Hiperlipidemia – Infecção virótica – Infecção bacteriana – Hipotensão prolongada – Obstrução por áscaris – Forma essencial – Robbins: Pathologic.
IATROGENIA
O idoso, selecionado e preparado, pode suportar uma agressão anestésica e uma injúria cirúrgica de maior porte. Mau preparado e na urgência corre o risco de morte precoce. Uma iatrogenia negativa, prejudicial, por menor que seja altera para pior um tratamento cirúrgico, realizado numa idade superior a 70 anos. Nas duas últimas décadas, devido ao maior número de pacientes assistidos em UTI, com vantagens, não deixa de carregar em seu bojo uma propedêutica invasiva e uma cirurgia agressiva sem deixar para depois tudo com alta incidência em lesões iatrogênicas, prejudiciais quando o fator etário adquire uma importância inusitada. Apresentam com relativa freqüência possibilidade de iatrogenia os antiinflamatórios orais, algumas drogas anestésicas, todos os tipos de cateterismo, sessões de radioterapia em regiões de tecidos nobres e drogas associadas quimioterápicas mesmo que aplicadas mediante rigoroso protocolo. O sulfato de bário, dificilmente solúvel, pode petrificar produzindo uma dificuldade de trânsito e exoneração nos primeiros dias depois de um enema opaco, exame comum nos idosos com a intenção de diagnosticar uma doença diverticular ou um carcinoma de cólon. Uma punção biopsia trans-parietal-hepática pode prejudicar, em sendo cega, o paciente. O generoso e constante extravazamento de bile para a cavidade peritoneal asséptica, resulta em grave peritonite biliar traumática, de evolução e resolução imprevisíveis. Uma sonda nasogástrica, inserida no idoso durante uma colecistectomia, sendo portador de hérnia hiatal, resulta em infalível esofagite aguda de refluxo. Dois tipos de afecções secundárias a intervenções cirúrgicas das vias biliares são representadas pela estenose cicatricial canalicular e colangite aguda que pode evoluir para uma síndrome de Charcot ou uma colestase extra hepática. A vivência ensina que os idosos, em qualquer circunstância, não toleram uma iatrogenia cirúrgica por menor que seja, provocando alterações homeostáticas imponderáveis em relação ao prognóstico a curto prazo.
MORTALIDADE
As possibilidades de um resultado precário da colecistectomia, com ou sem exploração da via biliar principal, convencional há mais de 100 anos e laparoscópica há mais de 10 anos, são consideradas baixas desde que preservadas de uma complicação grave da litíase biliar.
Numa ampla revisão feita por MacSherry e Glenn (1980) sobre 11.808 colecistopatias, sendo 80,15 por afecções crônicas e 19,9% por complicações agudas, a mortalidade global para ambos os grupos foi de 1,7% dos casos, preponderando de maneira nítida o fator etário dos pacientes.
Os idosos portadores de diabetes mellitus ou cirrose hepática, submetidos à colecistectomia apresentam elevada mortalidade. A cetoacidose e as coagulopatias são fatores reconhecidamente responsáveis pelo alto risco cirúrgico. A hiperglicemia maior que 300 mg por dl e o tempo de protrombina maior que 2,5 segundos nos octogenários representam uma possibilidade de óbito acima de 80% dos casos operados em regime de urgência e por neoplasia maligna.
Adaptamos do trabalho de Pitt et al. (1981) uma orientação prática de fazer prognóstico quando os idosos são submetidos a tratamento cirúrgico por uma colecistopatia antiga e complicada57.
Numa somação de fatores, todos os idosos desnutridos, obesos, diabéticos, anêmicos, cirróticos, hipertensos, tabagistas e alcoólatras apresentarão, sem dúvida, um extravagante risco cirúrgico. O conhecimento destes aspectos clínicos são suficientes para concluir que todo paciente geriátrico portador de colecistopatia complicada corre um grande risco de mau prognostico.
CONCLUSÃO
Os idosos, de bem com a vida, sem restrições de alimentação, medicamentos, habitação e aconchego familiar absorvem com naturalidade e de maneira progressiva todo tipo de limitação imposta pelas doenças crônicas. Tiram de letra uma hipertensão arterial, um diabete mellitus ou uma artrose deformante. No momento em que uma afecção crônica se agrava por uma complicação em crise sintomatológica aguda, tudo muda rapidamente para pior. Os idosos herdam um sofrimento mais intenso, uma ansiedade infindável ou uma depressão sem solução. A fobia da dor, do câncer, da invalidez, de uma mutilação e a possibilidade de morte passam a rondar, bem lá dentro, no silêncio introspectivo e muitas vezes sem manifestar a paulatina e irreversível perda de todos e tudo. São mensagens irreversíveis, anunciando o inicio do fim!
Se tinha mais alguma coisa a fazer, o tempo acabou, o sopro de vida estacionou no corpo cansado que em pó será transformado por vontade do Criador.
Entre os seres vivos, o estilo e a qualidade de vida são requisitos indispensáveis à preservação da idade fisiológica com repercussão sobre a cronológica de maneira positiva ou negativa. Um exemplo do cotidiano chama a atenção para esta observação subjetiva, mas prática. Um cão “vira-lata” submetido a todas intempéries da vida, isto é, sem ração, vacinação, abrigo e segurança individual tem em média 3 anos de vida. Um cão doméstico que recebe todo conforto de um lar aumenta para 15 anos a possibilidade de confortável sobrevida. As leis naturais, imutáveis não apresentam sobre-saltos. O ser humano, com raras exceções, sem o menor estilo benéfico de vida, envelhece mais rápido e perigosamente apresenta uma baixa taxa de sobrevida a começar pelo dia que nasceu e as condições sanitárias, educacionais, sociais e econômicas com que vai enfrentar o cotidiano.
Quando a pessoa menos espera, sintomas e sinais surgem que acabam prenunciando o inicio, precoce ou tardio, de uma complicação. Uma intervenção cirúrgica eletiva adiada pode se transformar numa terapêutica cirúrgica em caráter urgente que para os velhos acaba se constituindo em uma situação de incalculável prejuízo. Evolução que condiz com importante ensinamento de Julio Sanderson em Cirurgia Geriátrica (1998): “para muitas mulheres, acima dos 40 anos, uma pálpebra empapuçada ou pelancas no pescoço, sem dor física, preocupam mais que uma litíase biliar já diagnosticada. Por vaidade quase ou por fobia da velhice, uma cultura caolha é perpetuada pelo brasileiro”.
Numa perspectiva futura, sem a óptica do pessimismo, conseguimos entender que a almejada longevidade prognóstica para o terceiro milênio, uma euforia relacionada a maior e melhor sobrevida aliada a um problema crucial e prioritário, alertam as melhores fontes de informações da América do Norte, do Japão e da Europa. Parte da riqueza material acumulada no século vinte, terá que ser revertida aos cuidados médicos e ao conforto sócio-econômico dos idosos. Não resta a menor dúvida, infelizmente, de que os idosos da América do Sul e da África além de outros recantos pobres terão que contentar com o pouco que há de sobrar dos poucos recursos, primordialmente econômicos, destinados antes aos jovens e adultos em plena atividade integral. Do exposto, sem a menor sombra de dúvida, as complicações da litíase biliar vão continuar acontecendo em razoável escala. O Cirurgião, por excelência geriátrico, começa a fazer falta!
Terminando, voltamos as Lições de Cirurgia (1997) em Pimenta (Petroianu, 1997) em sua página 41: Cadeira de balanço, última área física dos idosos, conta segundos, minutos e horas, numa alternativa entre fugaz felicidade e demorado sofrimento orgânico e mental. Do embalo despreocupado nos braços materno ao último esforço pessoal de um vai-e-vem cadenciado de uma cadeira que ajuda a contar o tempo, num pêndulo de incertezas e minguadas esperanças. Esperança parcialmente recuperada à medida que a terapêutica cirúrgica restitui a saúde54 .